O piadista
- Conta, Eugênio, conta a última do português.
Eugênio se ajeitou na cadeira, levou vagarosamente o copo de cerveja à boca, saboreou, olhou pra plateia e sapecou mais uma. O português vinha com a mulher pela autoestrada quando é parado pelo guarda rodovário. Ficou frio de medo. Mas não havia motivo para espanto:
- Olhe, amigo, só queremos alertá-lo para ter bastante cuidado daqui pra frente. Houve uma queda de barranco e parte da pista está interrompida. Muito boa viagem.
Aí o português desabafou:
- Puxa, senhor guarda, quase me matas de susto! Imaginei que querias os documentos esquecidos em casa.
Mas a mulher rapidamente corrigiu:
- Liga pro Manoel não, seu guarda, ele só diz isso porque está com a cara cheia de cachaça!
As viúvas e as solteironas só tinham bocas para o riso. Eugênio degustava um salgadinho, bebia a cerveja, sentia-se um artista diante daquela plateia que o convidava para o sarau de piadas, que já era tradicional nas noites de sábado. Durante a semana, ele até se preparava... Lia livros de humor, procurava piadas em sites, planejava o seu espetáculo particular. Cinquentão, divorciado há muitos anos, sozinho em casa, sentia até falta daquela reunião com as senhoras, antigas amigas de trabalho, já aposentadas, ou amigas das amigas. E precisava se esmerar, ampliar o repertório... Tinha a vaidade de não se repetir e por isso estudava as anedotas, contava para os amigos, chegava a ensaiar diante do espelho, tudo pra não fazer feio. Não era de imitar vozes e fazer muitos gestos; gostava mesmo era de contar, de esticar a história e ouvir os risos.
- Conta seu Eugênio, conta, mais uma, pediu uma jovem senhora, recém-casada, que naquele dia foi acompanhar a mãe.
Nosso piadista não se fez rogado. Contou aquela do sujeito que procurou o departamento de pessoal de uma empresa para pedir emprego.
– Mas o que pretende fazer, indagou o atendente.
Ao que ele respondeu:
- Quero ser o chefe, o diretor, o mandão aqui.
- Mas você está louco?, perguntou o funcionário.
A resposta foi imediata:
- E precisa?
As gargalhadas, àquela altura já infladas pelos licores e cerveja, eram agora mais ruidosas. Havia até quem exagerasse e muito os méritos de Eugênio:
- Mas você é muito engraçado... Conta piadas como ninguém.
- Bondade, minha amiga, apenas repito o que ouvi ou li e confio na minha memória. Já viram que não repito piada?, perguntou, sem qualquer modéstia.
Se a memória era prodigiosa, certamente seu senso de observação não era dos mais apurados. Tanto é que naquele recinto, que abrigava umas dez pessoas, ele não pôde observar um pouco mais longe um homem ainda jovem a ouvir desconfiado seu repertório infindável. O rapaz era casado com a jovem senhora já apresentada. E sentia-lhe ciúmes do riso. Nem a esposa notara o marido, visto que este chegou depois. Sentira-lhe a falta em casa e foi buscá-la. E nosso Eugênio parecia por demais inspirado... Eram piadas e piadas... O frescor da jovem e bela senhora, ali, pertinho dele, lhe havia acendido o fogo da inspiração. E ele chegava a dirigir-se a ela perguntando se queria mais um causo, era assim que ele tratava suas anedotas. E ela sempre queria e respondia com risinhos e risinhos, que eram um convite a novos causos.
- Seu Eugênio, conte-nos um caso mais apimentado, pediu a moça, para desconforto do intrigado marido.
- Não sou senhor Eugênio.
- Pois conte, então, Eugênio.
Se o leitor acha que ele se atreveu, acertou em cheio. Não contou uma nem duas, contou várias anedotas, movido pelo combustível dos risos.
Nosso Eugênio sentiu nas gargalhadas das senhoras o sucesso dos causos mais picantes. E, lá no íntimo, pensou em incorporá-los definitivamente ao seu repertório... A mocinha então ria de chorar, mas o marido não gostou nada do que ouviu, muito menos do que viu... E foi ele que aproveitou uma pausa para chamar o piadista:
- Gosta muito de causos, senhor Eugênio?
- Muito, com quem tenho a honra de falar?
- Com o marido daquela moça ali, conhece?
- Sim... Bem, fiquei conhecendo hoje.
- E por certo não vai ver mais...
- Como assim?
- Não quero o senhor mais aqui...
O marido levou Eugênio para um cantinho mais reservado e o ameaçou secamente:
- Sou capaz de lhe cortar a garganta com uma faca pra nunca mais fazer gracejos pra minha mulher, o senhor entende?
Entre as qualidades de Eugênio, não avultava a coragem. Ele não reagiu com nenhuma palavra, tamanho foi seu medo,um medo pavoroso, descomunal, muito, muito maior mesmo do que sua memória e sua alegria de divertir senhoras. Simulou um mal-estar, despediu-se e, apesar de insistentes convites, nunca mais apareceu por lá...