O Sumidouro

Eu bem que falaria pros senhores do tempo que tô ou que tive no Sumidouro se eu pudesse de por sentido no passar dos dias e na continuação correta de trem depois de trem, como tem que ser o enfileiramento da vida. Um mundão meu Deus desse que nós vive tem porção de gente transitando pra tudo quanto é banda e eu aqui ou longe daqui pondo vista mesmo é só no Tião Passarinho, que vem trazer mo’de comer toda semana. Em ocasião de desespero, a solidão toma corpo de dona ruim e pinica delongada, sem carestia de pressa; goteira em dia de chuva, cabeceando balde de leite e atordoando lá na quentura da cama.

Eu num devia de assuntar com vocês a respeito de prosa que nem expliquei; filhote na frente da pata. Sou Chico Zaroio, retireiro e enxadeiro desde moleque. Cresci pelas bandas do Engenho agarrado em cabo de foice, vendendor de almoço pra modi garantir a janta. Eu mais pai, Sô Geromo Zaroio, conhecido por esses lado tudinho como homem trabalhador, inté depois de veio inda deu de marcar curraleira e amansar cavalo chucro, meteu mesmo os peito até ir de encontro pro senhor e é com o chapéu nessa mão cascuda que falo de veio honrado que nem ele.

O tempo pros nossos lado andam minguado, a chuva dana de sumir, a pastaiada amarela que é fubá, dá de comparar até com menino que embarriga por conta de trato, vira bagrinho amarelo, zoio arregalado e dana de vomitar os bofe até chegar alguma condução de político pra carregar o coitado pra cidade. A maioria num aguenta não. Chega nem a espigar. Chororô, reza brava, velório, tristeza que puxa lamúria até de cachorro vidente.

Pra quem precisa da roça a chuva é o motor do mundo. Sem ela, tem planta que hera não; mio míngua dentro da paia, pasto num basta e a gente freve no fogo do tempo, espiando as cabeça de gado desanimando. Cavalo dana de meter a vista pra baixo e sossegar o trote, passarinho fica amuado debaixo de gaiada, sem cantiga nem cantoria, queimada inda toma o capim que sobra pra azucrinar ainda mais o miolo de pai de família.

Família tira o sossego na medida igualzinha que dá ele também. Num tem homem de barba que sossega quando espia quem praza sofrer por precisão. Menino adoece e a patroa revolta. Olhar pra riba num olha mais não. Dá é de chamar coisa-ruim pra dentro de casa, Deus me livre e guarde mas num tem atividade que vigora não. O trem dá tudo errado e a despensa parece que abana a mão, gargalhando ruim pra riba da gente, seriemando doida, pressageira que nem veia benzedeira.

Nunca que pude meter assento em banco de escola e num precisa disso pra assuntar uma coisa pros senhores; no mundo que a gente veve, a precisança é a mola da injustiça. Matuto que carece abre o lombo pra reiada. Abaixa a bunda e aparece arengueiro porque o que mais tem é sujeito aproveitador, enricando debaixo de calo dos pobre-coitado que carece de foiçar o dicumê. Num fosse mulher e os meninos, já tinha de caído pro mundo, ciganando que nem guará magrelo pros pastos de outra banda. Preocupar com quê? Sei manejar quase de tudo na roça; fome eu garanto pros senhores que num ia ter não.

Ambiente em casa tava pegando mais fogo que as queimada no pasto, com coisa que é eu quem manda água lá de riba ou feche o registro. Cacei a venda, prosear com o Sô Martinho e compartilhar miséria com quem tá na mesma. Lá pus sentido numa oferta que o fio do Coronel Ivan tava assuntando. Serviço de empreita que ele é velhaco. O dano num tava nisso não que nunca fui peão de cotiar. O rapazinho queria serviço é pra pasto bravo, nativo, que o Sô Ivan deu de aproveitar lá pras bandas do Sumidouro. Caboclo pra ficar lá num tinha condução pra sair não. Era mata fechada, onceira, perigosa até de adentrar. O trato era receber o dicumê toda semana, Tião Passarinho, encarregado deles, que levava lá. Metade do combinado vinha no ato e eu já podia de passar pra patroa. A outra chegava com o romper da tarefa.

Aceitar eu aceitei foi sem negaciar, porque pelo menos garantia a lata cheia pelo menos até acabar o serviço, o que tinha de acontecer ainda antes de chegar as água. Tenho de apiar no Engenho ainda com chão seco. Limpar alguma pelugem de mato que ainda restar e só aguardar São Pedro mandar toró pra meter mio e feijão pra dentro. Algum meeiro não há de faltar. Depois é apreciar o gado com a boca no chão, redondo, pelagem brilhante, mãe d’oro. Em tempo de chuva, o cheiro de mato viaja pro nariz, fica que nem de menino novo. Ninguém fecha a cara não, o Engenho inteiro festeja com o barro. Cupim toma forma de asa e pipoca do solo que é praga. Meninada cata aquilo e vaza pro açude, mo’de pegar tilápia e bagrinho. Aleluia! Até o nome do trem lembra missa, só pode de ser coisa boa.

Miolo é troço azucrinado. Falar nas água me reporta é o tempo de moleque. Tempestade moendo, roncando trovão e a peonada deixava de bater enxada. Dava tudo de arreunir no alpendre do veio Dutra. Moda de viola, tocinho tosquiado na brasa, cachaça na cabacinha e a prosa dos tempo ido. Eh que o Sô Dutra num cansava de narrar os episódio de chuva brava, do tempo da onça. Num tinha peão que num punha sentido naquilo, com as perna juntada pra bunda, tudo sentado no chão. O cachorro ainda balançava do lado enquanto o outro boteava alguma pulga ou carrapato na pelagem. Tinha nego que ciscava debaixo d’água, apanhando alguma tanajura, mo’de torrar, misturar em farinha e passar no peito.

Molecada só arregalava o olho que num era besta de dar pitaco em papo de tonto. O máximo era buscar alguma coisa. Mas preço que pagava pôr ouvido em prosa de adulto num havia de ter não.

Mas voltando pro acordo da venda, esse foi confirmado, guspe na mão, enxada, capanga e tome rumo pro Sumidouro. Rompemos légua a dar com pau quando me deixaram numa tapera de pouco recurso, suja demais, muito rato e no meio de mato bravo. Deram nem motosserra.

O juízo influía em ver pau-d’óleo , maçaranduba, ipê graúdo, tudo no chão abaixo na base de machado. Confesso que esperava combater pasto herado, sim, mas mata virgem, derrubar árvore sem precisão, o peito caçava remendo depois de cada mãozada.

Companhia tinha nenhuma não. Com o sol despedindo, ia na bica limpar os pés, molhar a cara e afeiçava com umas maritacas que danavam de festejar, fazer barulhada. Fazia cosquinha uma na molera da outra e eu achava é um gozo só. Teve dia de eu danar de ficar debaixo do coqueiro só pra sentir mais de perto a festança proseira; queria que elas remedassem meu nome mas acabava era assustando as malditas. Ia tudo se embora e eu ia apagar caçando a música dos jacus com a orelha.

Rompendo orvalho com a canela, mal a noite peladava e eu já ia buscar a Moeda pra mo’de caçar um leite. Ajuntava ela com a cria e agarrava aquele troço pra leiteira afora, fazendo tchoooooó...

A vida aqui é assim mesmo, de dia cambaleando árvore com machado, estrepando em cipó bravo, pulando jararaca, que assusta a gente é todo momento, minhocando debaixo dos galhos. Depois é concentrar pra conseguir pensar, superando beijinho de mato na perna, dá medo reparar naquilo, achando que a cobra toda hora. Cruz-credo, um salve-rainha pra que o animal corra daqui, meu Deus. De noite é só apagar pra mode num lembrar onde é que eu tô.

Toda semana o Tião Passarinho vem trazer a boia. Teve uma vez que danei foi pra perguntar por que que aqui chama Sumidouro. O caboclo num era de muita prosa e saiu foi pra lá resmungando, achou que eu tava era troçando do lugar, que cá entre nós num é bento não. To aqui cercado de mato bravo por toda banda, nenhuma casinha, nenhuma voz de menino, cachorro, nada que lembre lugarejo. Inté igreja num tem não. Eu é que num trago um tercinho e coloco na parede da tapera não. Já tinha é fervido em boca de serpente ou mesmo entortado embaixo de galha d’árvore, pau grosso em riba da molera. Morre ali mesmo, cuspindo o melado, sem alma nenhuma pra acudir. Micaiada ia ficar é dando gargalhada.

Falar em mico, dia desses fui pego na traíra. Cada golpe que eu dava numa árvore eu recebia de volta um jatobá. Como se tivessem me atirando aquilo. Espiei pra toda banda e num vi breca de ninguém por perto. Continuava batendo e o objeto vinha re riba pra baixo numa velocidade, numa força doida. Num parecia ser queda natural de árvore não. Cada vez ia me assustando mais com a situação e tirei o chapéu que já tava é assustado com aquilo. Aprontei uma gritaria pra ver se encontrava o safado que tava fazendo aquilo. Num adiantava nada e o jatobá começava a ventar pra minha orelha afora. Teve um que bateu na testa direto, num deu tempo nem de levantar a vista pra espiar. Quando já tava lá embaixo, de fora da mata, dei de ajoelhar e rezar um credo pra ver se acalmava e foi então que avistei uma cambada de macacão fazendo bagunça pra riba do tapete da floresta. Agora o senhor ponha sentido nisso, o animal pragueja contra a gente, parece que sai troçando, como se tivesse mangando de algum menino. Bicho zambaiado!

Voltando pro caso do Tião, o que tenho a dizer é que se trata de um caboclo esquisito, envergado, tudo sujo, mulambento. Capaz que ele num precisava de avisar que tava chegando não, a morrinha vinha acompanhando naquele azedume, num tinha jeito de ter paciência com água, limpeza, essas coisas não. Os caco de dente lembrava canjica cozida, aquela coisa ensebada, meio amarelo, meio cinza e o bafo era de derrubar marruco. Ficava a imaginar como é que um sujeito pudera de morar num lugar daquele. Trazia rapadura, fubá, algum toucinho, fumo, linguiça, arroz, feijão, naco de mandioca, farinha... de resto eu me virava com alguma taioba, tatu, pombo, cambuquira, fruita que aparecia no cerrado conforme o campo; limão, jatobá, alguma goiaba largada...

Mas os dias iam correndo conforme a vontade. Feita medrosa ocorreu no dia que eu batia um pasto mais baixo no alto do morro. Passei estreitinho com tanta pedra, terreno esquisito, duro. Na virada do dia danei de abancar do lado duma lage e rocei o cabo da foice com a palma da mão. Ouvi duma hora pra outra um barulho que içou os pelos da nuca. O bronze danou de enguiçar marchando em repente e pus a vista numa moita de capim-gordura que tava do meu lado. Um chouriço de cascavel tava prontinha me espiando. Santa Rita interferiu por mim e mandei a pescoçuda pra visitar o pemba ou quem é que tivesse mandado ela pra cá. Tirei o chocalho, amarrei no chapéu. Dia meu rendeu mais não. Dei de encarangar no sol, ora suando, ora vertiginando, espiando pra tudo que é banda, requebrando em tremelique igualzinho cigarra setembreira. Só Deus sabe como é que saí daquele lugar, espiando pra banda que num existe, tropeçando em terra firme. Devia de estar com olho que era jaboticaba.

Chequei na tapera mais cedo sem ter no que por vista, caçando algum gozo na bica. Fui até a Moeda, reparando ela lamber a cria; o bezerrinho dava uns estirão pro pasto afora, com coisa que corria de algum bicho. Aquilo atormentou, influiu o miolo e pensei em quem mandou o cascavel. Quem é que ia de querer prejudicar caboclo que ta caçando o de comer, sem companheiro, sem sentido do passar dos dias, banzando na saudade das cria, a mulher devia de estar fazendo o quê? Devia de pensar nimim? Será que sentia falta de deitar mais eu na candura que é a casa da gente?

Influí foi no dia que nós se conhecemos naquele dia de folia na cidade. Meu sogro na ocasião fez gosto deu dançar mais ela. Danava de engatar sorriso pra minha banda, clareando a boca com aqueles dente bonito. As amiga ficava de proseio olhando eu e cocotando uma com a outra. Depois chega casório, cria, sustento de casa e a coisa debanda pra outro lado, parece que o feitiço do namoro esfria o miolo e a gente fica assim que nem brasa morna. Frio inté que cutuca.

Nesse interinho, espiava pra banda da mata e desacossoava com a servissama que me aguardava. Até o Ipezão dourado, embelezando aquela porção de verde, dava ainda mais aperto no bronze. Por que é que se tem de ponhar aquele mundão de árvore pro chão afora? As palmeira fazia que me chamava pro empreito, lambendo o maozão pra banda de cá e ao mesmo tempo com coisa que estorvava.

Uma fincada ruim apontava pro peito quando eu pensava em coisa boa. Será possível que o mundo deu de acabar nesse Sumidouro ou ele é o fim do próprio mundo? O serviço ta é arribando conforme eu vou cortando. Diz os antigo que quando o peão faz ruindade com bicho e árvore sem precisão, a natureza dana de vingar é na traíra, sem o cabra pôr sentido.

A bosta da Moeda trazia um cheiro que me dava de alembrar do tempo de menino, morando colado na casa da vó. Ficava eu mais a molecada fazendo folia no açude. As vaca dava de descer pra beber água e Deus que me perdoe mas foi ali que descobri algum segredo pra época. Menino não participava de prosa nenhuma, descobria as imundície é na vida mesmo e a vida da gente era no meio de bicho, de vaca leiteira, cabra, galinha. É de corar, eu sei, mas tudo isso é nosso cerrado, tudo isso é nosso lugar e nosso tempo, é nosso modo e feita de ver, de presenciar e de aprender a engrenagem dos trem.

Aí a vó gritava lá em riba chamando a gente pra subir. O cheiro do café ainda viaja pra minha venta inda agorinha. É a vó que deve de estar aqui coando um pretinho bem fresco e acalmando essa alma enguiçada, tonta, igualzinho Jataí quando a gente derruba assa-peixe.

Num fosse a Moeda e o bezerro, tinha vida nesse lugar não; nem um barulho de cavaleiro, fumaça nenhuma de chaminé e principalmente a falta de prosa. Prosear mais eu num tá dando sentido, o miolo avaria a cada dia de maneira mais graúda, gosto mó de esquentar a boia já num tenho. O pensamento vai na mulher e na menina da zona em quando nós era mais moço, putando em tudo que é beirada.

Essa noite eu passei com a mão no terço e pensei tempo inteiro em benzedura, reza forte e o que há. Escuitei cantiga dos cururu madrugada toda, pensei e pensei de novo. Sono não veio e os passarinho começaram de piar. Tava no prazo de buscar a Moeda.

No caminho do pasto até o tronco deu de espiar o que num devia, voltando em devaneio de moço, tempo de menino. Trem danado de feio pra um Chico Zaroio com fio branco na moleira, que já passou estreito de tudo quanto é tipo nessa vida. O arrependimento vinha na medida do alívio, que nem farelo com o mio; de um lado a espiga inteira, bruta, de outro, na mesma proporção, o farelo refinado, prazeroso, só que indigesto de seco. A Moeda fazia que num era com ela e continuava com o beiço no pasto, abanando mosquito.

Tem momento que parece de ter força maior que a da gente e o peão toma partido de trem que num concorda. Do jeitinho das quemquém enfileirada, a gente só segue o que o tino manda, sem pensar, sem raciocínio. Que nem bicho correndo em manada. Gavião investindo em pinto moço. De veizada as coisas tomam rumo que num adianta mais do sujeito gozar ou padecer.

É essa mesma força que creio eu irrompe tudo quanto é sangue, tudo quanto é vivo, que dá a vitamina pro mundo. De uma hora pra outra os braços ganharam impulso e eu vi árvore caindo que nem goiaba pro chão afora do Sumidouro. Os mico lá em riba espiava pra mim com coisa de quem num tá gostando.

Na virada do dia tava eu azucrinando a ideia, misturando a cachola igualzinho a cambuquira com a trocal que engastalhou no visgo que andei de armar. A natureza é que é certa e é nóis que é errado. Pra breca de quê que derrubamos morada de bicho, pomos árvore pro chão? Por que é que peão casado de tempo já mete vista em mocinha que num é dele? Nunca vi seriema trepada em passopreto; inté as urutu macheia mais elas, procura outro par não. Bicho-homem é trem esquisito, requentado pelo tinhoso porque nem Deus deu de dar conta.

Aquele tinha sido o dia que iniciou essa briga de duas forças. Pra minha satisfação, o mato tava quase que baixo por inteiro. Ali era coisa de duas a três tarefas e bater canela. Pro meu banzo, mosquito dentro de casa, pousando nas cuia. Era as água chegando e nem minha roça eu tinha iniciado. De certo tava um capim só, nem bater eu bati direito.

Voei pras moita de mato e dei de ajuntar a lenha pra dentro do barraco pra modi garantir o fogo. Enfurnado dentro de casa, arreparei da janela que a Moeda tava pegando corpo, úbere redeondo, andando com jeito...

Povo fala de junção de bicho com gente, caboclo d’água, mãe-d’oro, lobisomem. Eu mesmo nunca vi não mas inté o Cumpadre Tibúrcio, homem sério, já relatou coisa do tipo. Meio bicho, meio gente. Aar. Sumidouro nem é lugar pra eu ficar não. No mais, gente no mundo é o que mais tem. O que num foi visto é que num se assucedeu. Ruindade minha há de ser não que vaca é animal veiaco. Cuida da cria melhor que mulher. Num tem que beber raiz, num tem que ficar reclamando não.

Sumidouro já não devia mais de me ter. É o sustento dos meninos que tava valendo. Longe do que é meu nas água é moléstia certa na seca; sem feijão, mio, leite, uma coisa ia dependendo da outra e a falta ia pousar é na dispensa lá de casa.

Com a água agredindo o lombo, fui derrubando o que faltava, escorregando sabão no meio do barro. Aquilo é a cena da destruição, o céu num pretume anu, a chuva reiando lá de riba e a mata caída com ar de tragédia, só tronco nu, exposto e os bicho que devia de estar desalojado ainda agorinha.

O pensamento viajava pro Engenho, pra dentro de casa. O banzé que ia de dar se meu segredo vazasse pros dedo, moleque meu ia virar piada na mão dos outro e o que mais atormentava era a certeza do sangue. A linhagem do problema nos olho é velha e num falta não. A família inteira com apelido, tudo de olho torto. De certo, filho que saísse do meu sangue num ia de vir com vista boa. Ia de dar na cara.

Costume de ir atrás de vaca tudo quanto é menino tem, só que saco de menino é encroado. Deve de ser por isso que homem velho num incorre nesses pecado. Só mesmo comigo é que o dano há de vir. Deve de ter sido por conta da ruindade que caminha do meu lado, em riba dos ombros, mandando fazer o que não deve. Oportunidade de seguir outra banda eu tive, o terço veio comigo, nessa tapera num faltou reza. A desgraça é a vontade de homem. Fica parado, morga e dana a pensar demais ou de menos, aí vai de conforme o senhor põe sentido.

Tião Passarinho ia assustar com bezerro sem boi. Como é que a Moeda ia de prenhar e de bicho zaroio? O fio do Coronel Ivan ia mandar me buscar pra prestar conta na lei, na cidade e nos guarda. A conversa ia atingir meu respeito, cair na orelha da patroa, do povo ao redor. Chico Zaroio ta na embira.

Num sou homem de cair no mundo, ciganear, trem de passarinho sem pouso. Cume que ia de largar meu pedacinho de lembrança, meu caco de saudade e raiz da firmeza? Mulher num ia me aceitar mais não. Se eu já to provando o sentimento da amargura, saudadinha, pior ainda é quando vem sem nem mesmo a pendenga estourar, a ferida abrir. Sentir falta do que ainda nem escapou da mão é mais uma prova que o Sumidouro benzeu meu miolo.

Os meninos iam ser criados no arranco por algum dos homens que de certo ia urubuzar com a patroa, que num é tão feia. Devia de ser os pé-inchado da venda. Bicho pra querer cuzarruim é mulher, tem dedo podre pra escolher e só enrabicha pro que num presta. Quanto melhor a dama, mais merda na cuca, mais desajuste no miolo.

Tudo que é meu ia ficar pra pinguço, metedor de braço em menino. Já to sentindo falta da maritaca que eu de chamar eu pra embrabar a casa. O Leão mais o Valente num ia de querer outro pra tratar deles não.

É a vergonha de toda uma linhagem de matuto trabalhador. Em veiz de trazer pro sangue nego bom de trato, graúdo no braço, sem medo de lida, homem de missa, honrado, me vem bezerro.

Valha-me São Judas que eu num mexo mais com mata fechada. Que nem ximbica de moça, o suvaco furado, se abriu tem obrigação, dever de homem. Árvore num vai cair mais por essas mão não, nunca que vou tirar morada de bicho outra vez. Quando aqui na Terra num tem mais direção, num dá mais jeito, a fé é que carrega o homem. A bondade de Deunossussenhô é pura que espia até pra um matuto barbudo, sem banho e ojerizado da vida, com o pezão cheio de barro escorrendo por entre o dedo mas que fez mal pra vaca, já crescido e criado. Era pra eu ta pensando em encher lata de despensa e fui cair em mataburro de miolo. Até o pensamento tem de ter tapume, pra impetir o azuretamento do peão.

Saí que nem um tiro pra mor de ir pra donde num conheço, sem rumo nem banda definida. Escorreguei com o beiço no barro e danei de gritar, sem saber direito o que tava e o que num tava sucedendo. Foi escurando e o pernilongo tava me atirando pra todo lado. A cara deu de tremer, ficava frio e quente e eu molhado que nem lesma, estancando , gosmando pro chão afora sem por sentido no tempo nem no pedaço donde eu tava.

Hoje eu falo pros senhores mas num sei ainda quem que me acudiu pro barraco adentro. Pensei depois que era o Tião Passarinho, mas só chegou com uns dias de prazo. Sei lá que eu num tava compreendendo muita coisa não.

Demorou a estiar e nesse prazo eu ia roendo alguma coisa qu’inda restava. Assim que o tempo firmou, o Tião veio com um cavalo. Era pra apear que o fio do Coronel Ivan ia de levar a Moeda e o bezerro, ia derrubar barraco e plantar aqui tudo. Saí do Sumidouro mas num sei se saí, empregnei no lugar da minha perdição e me salvei do que nem conheço ou desconheço. To aqui mas não sei se to, relando no que num sei se sucedeu e curtindo o que mais me vale sem saber até quando vou ter.

Giu Santos
Enviado por Giu Santos em 07/06/2012
Reeditado em 23/07/2012
Código do texto: T3710805
Classificação de conteúdo: seguro