ESQUEÇO ALGO
 
          Estou indo pela rua, me desviando das pessoas que passam por mim apressadas, como se quisessem resolver todos seus problemas de uma só vez. Sigo em frente com meu chapéu de palha, uma câmera fotográfica digital numa das mãos e a vassoura noutra. Paro em uma vitrine, observo os produtos em promoção. Vejo pelo reflexo do vidro duas moças vindo em minha direção. Viro-me e fico observando, parado, com a máquina fotográfica numa mão e o queixo apoiado no cabo da vassoura, admirando a paisagem. As duas de shortinho justo, exibindo as "pernocas" (como diria meu pai) bem torneadas, vêm distraídas conversando animadamente entre si. Ao passar por mim uma, delas me olha e sorri; a outra finge que nem existo. E eu ali, com o olhar fixo nas duas, devolvo o sorriso.
          - Oooi... - digo.
          Antes que a do sorriso possa responder, é puxada pelo braço.
          - Não dê atenção a esse velho babão!
          - Ah... até que o tio é um barrigudinho simpático. E bem bonitinho!
          Seguem em frente, num balancear cadenciado. Fico mais alguns instantes observando, acreditando ou fingindo acreditar no "barrigudinho lindo".
          Acordo daquele devaneio. Tento me lembrar do que estava fazendo. Vejo a máquina e me lembro. Olho pra vassoura. "Pra que mesmo estou com isso na mão?" - como não me lembro, sigo com ela assim mesmo, ainda enlevado pelo elogio, incomodando vez ou outra, os transeuntes, quando batia sem querer com o cabo da vassoura.
          Vez ou outra, paro, olhando as vitrines daquela movimentada rua. Algumas pessoas me olham curiosas sobre aquela vassoura em minha mão, mas nada dizem; outras nem a notam.
          Entro numa loja de fotografias, entrego a máquina pra uma linda e simpática moça que me atende.
          - Quero que imprima algumas fotos, que estão aqui. Como não sei tirar o cartão de memória, trouxe a máquina inteira.
          - Claro, senhor. Vou conectar a máquina e o senhor escolhe.
          Aquele "senhor" me puxa ainda mais pra realidade.
          Vou escolhendo uma a uma as imagens que queria no papel. No computador fica mais fácil, mas ainda guardo a sensação de que, poder pegar as fotos na mão, as lembranças ficam mais próximas, sem contar que quando fazemos isso com alguém do lado pode ser até mais divertido. Tenho feito álbuns com algumas fotos, identificando cada situação, nome de cada amigo. Quando jovem não me preocupava com isso. "Nunca vou esquecer desse dia" ou "Jamais esquecerei desse amigo". Hoje quando vejo alguma foto assim, penso: "Esse aqui é o... o...", "Isso aqui foi em... lá, naquele lugar, em...". Nunca imaginei que minha aguçada e fiel memória fosse um dia me trair.
          A atendente(foi rebaixada, após aquele "senhor") me pede licença, pra que tire a vassoura do caminho. Prontamente atendo ao seu pedido e coloco a vassoura num canto.
          Observo o monitor e vejo uma foto de Etelvina, onde exibia seu sorriso tão lindo.
          Recebo a máquina de volta, com um recibo e a informação pra buscar no dia seguinte. Agradeço e saio, com a imagem de Etelvina a me sorrir. Sigo direto ao seu encontro. Mas alguma sensação me acompanha. Algo está a me incomodar. Tenho a sensação de estar esquecendo algo importante. Não importa. Não deve ser nada importante.
          Passo por uma praça, com prédios de arquitetura antiga. Aproveito pra tirar algumas fotos. Em seguida, sigo ao encontro com Etelvina, com minha câmera fotográfica na mão, sempre registrando minhas memórias.
 
 

 
Walter Peixoto
05/06/2012




Walter Peixoto
Enviado por Walter Peixoto em 07/06/2012
Código do texto: T3710769
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