Pequena Diatribe aos Filhos de Gotham.
Deitei-me.
Fora de mim o mundo corria sua vida normal.
E dentro de mim eu cismava: haverá ser mais anormal que eu? Serei eu talvez o único neste mundo torpe a ser covarde, vil ou tolo?
Dormi. Dormiu o tempo comigo. Mergulhado na autocomiseração inebriante, na pena de mim mesmo, no delicioso prazer da dor fingida, culpei os outros por mim. Odiei o mundo torpe porque é torpe, e aos humanos porque humanos são. Detestei os joguinhos e os joguetes, odiei a realidade porque, maldita!, jamais se curvou ao meu desejo de molda-la à minha vontade, jamais se deixou aprisionar em mim. E aprendi a viver em mim, em meus sonhos e fantasias, e não aprendi a viver no mundo, entre as gentes, na vida.
Doeu. Ainda doi. E ainda arrasto correntes, tenebrosas correntes, imensas bolas de ferro a cingir-me os pés. Mas trago meus olhos bem abertos: Não sou o mundo! E como não sou medida do mundo, não posso medir o que está fora de mim. Não posso chamar mau a quem não sou eu, porque esse outro vê e crê doutro modo, diverso de meus olhos, e nem sempre o que me sabe azul saberá azul a todos. Então, tudo que posso, tudo o que devo fazer não é mais do que viver e partilhar meu olhar com quem porventura cruze seu destino com o meu. E talvez caminhar juntos dois passos desse caminho da vida. Sem lamentar. Sem culpar. Apenas viver.