Iara e o Horizonte
O dia ainda não nasceu, o sol insinua-se já por entre dois morros tingindo de lilás o horizonte. Iara fica um momento imóvel sobre o cavalo. Ajeita melhor o pala de lã uruguaia sobre os ombros, o frio é inclemente e o Vento Minuano sopra seu pungente lamento.
Os olhos da menina embebem-se da paisagem, lilás, verde, verde, verde...
- Iara porque tu selastes o baio? O baio derrubou o Tonico ontem, ele é peão experiente e tu só tens 15 anos! Fala seu pai, aproximando-se.
- Ora pai, o Tonico pode ser experiente mas não soube controlar o baio. A menina responde com um sorriso. Os dentes brilham muito brancos e o pai mais uma vez cede.
A menina consegue tudo o que quer. Inclusive levar o gado para a invernada junto com os homens, ao invés de ficar em casa com as outras mulheres. O pai pensa desconsolado que não sabe o que fazer com ela.
Conseguir que fosse á cidade estudar foi um custo, que usasse vestidos só foi conseguido com muita insistência da mãe, mesmo assim ela os abandonava pelas bombachas logo que voltava ao campo. Qual homem irá querer casar com esse serzinho selvagem pensa ele, os olhos fitos em Iara que está cercando, junto com os cachorros e mais um peão uma rês desgarrada.
Mas a perícia da menina sobre o cavalo acaba por enchê-lo de orgulho e ele não consegue evitar um sorriso.
Amanhã terminam as férias escolares e Iara voltará para a cidade. Vamos ver se conseguimos ajeitar essa selvagemzinha. E com isso ele arremata o pensamento e vai tocar o gado.
No outro dia ele leva Iara à cidade para o reinício das aulas.
Na escola, Iara, já se encontra em sala de aula sentindo-se extremamente desconfortável dentro do uniforme feminino. Olha para as unhas sujas e leva um susto vendo que não lembrou de limpá-las.
- Jovens! A professora fala. - Deixem eu lhes apresentar um novo aluno. O nome dele é Diego e ele está chegando da capital. Vamos falar Bom Dia ao colega:
- Bom Dia!! Todos saúdam e o menino entra na sala.
Iara não consegue fechar a boca depois da última letra do bom dia. A impressão que tem é que na sua frente está um daqueles anjos que viu nos quadros na casa de seu Orestes: O rapazinho tem os cabelos castanhos cacheados e os olhos mais azuis que ela já viu em sua vida, seus olhares se encontram e...algo de muito especial acontece. Iara sente a boca seca, o coração querendo saltar pela garganta e as mãos suando muito..apaixona-se! Como só acontece aos 15 anos: imediatamente, á primeira vista, desesperadamente! A menina torna-se adulta. O ser até então praticamente assexuado torna-se mulher! Ela está paixonada! E fará tudo para conseguir o objeto de seu desejo.
Nos próximos anos Iara dedica-se a conquistar Diego. Transforma-se! Muda a maneira de vestir-se, caminhar, tudo. Esquece os cavalos e as lides do campo. Torna-se íntima dos objetos do universo feminino: xampús, esmaltes, roupas.
O rapaz deixa-se conquistar, mas conforme torna-se homem adquire segurança e não se deixa dominar pela personalidade forte de Iara. Casam-se e apesar do amor a convivência é difícil.
Ao final de 10 anos Diego pede o divórcio e casa-se com a secretária.
Iara casa-se novamente, apesar do temperamento difícil ela é irresistível para os homens pois é bela e tem um brilho especial no olhar que a faz única.
Casa-se 3 vezes ao longo dos anos, tem 2 filhos, faz duas faculdades, pós-graduação, é feliz mas sempre sente que falta algo....
O tempo segue seu caminhar inexorável e passam-se os anos..
O dia está terminando, o sol se põe entre dois morros, tingindo de vermelho e laranja o horizonte. Iara fixa seus olhos no horizonte, no seu amado horizonte. A temperatura é amena pois é setembro, ela ajeita uma mecha de cabelo grisalho que escapou sob o chapéu. Os raios do sol poente brilham na pelagem negra do alazão que ela monta...
Muito custou comprar de volta a fazenda, mas ela o fez. Pensa no último marido falecido, nos filhos já formados e casados, nos netos.
Sorri! Porque ela saiu daqui? Se isso era tudo que ela sempre queria? Se seu coração selvagem só aquieta-se na imensidão? Se ela precisa dos horizontes para sentir-se livre?
Felicidade, é isso que ela está sentindo,liberdade, sensação de pertencer ao lugar.. e sai galopando em direção ao sol que se põe. E a tarde cai em cores no crepúsculo...vermelho, laranja, verde, verde...verde.
FIM