Crônicas de um literário - Parte I

17 de julho de um ano qualquer, ele levantou e olhou pela janela, estava chovendo uma garoa fina, mas não tirava a beleza do começo do dia. Eram oito horas da manhã, seria naquele dia... O dia em que tudo iria ter fim, logo se dispôs a tomar seu banho e fez o que tinha de fazer, se arrumou e logo foi tomar seu café da manhã, colocou sua melhor roupa, era um dia realmente especial, não sabia o porquê só sabia que era um dia muito especial, vestiu-se com uma camisa de seda branca sem nada por cima, que foi presente de sua amada avó, uma calça jeans escura com detalhes brancos do lado, um tênis branco, o cabelo estava pra trás como normalmente o deixava, saiu deixando seu irmão Fabio que ainda estava dormindo no sofá. A noite passada tinha sido de festa, era normal ele estar cansado pensou Fabrício. Começou a andar pela cidade e não demorou muito, logo se deparou com uma praça. Ficava no centro da cidade e era do lado da estação de metrô, olhou para a pequena praça com algumas árvores e poucos bancos. Devia ser promessa de campanha de algum político da região – acabou por pensar – sentou no banco central da praça, ficando assim de costa para a estação. Começou a observar as pessoas que passavam, ora pra lá, ora pra cá. Parecendo querer lhe hipnotizar, parou de pensar nisso e tratou de observar as pessoas que por ali passavam. Todas andando apressadas e olhando para o chão, achou interessante isso, logo seu pensamento é interrompido, com alguém lhe chamando olhou de lado a lado e não via ninguém, de certo achou que podia ter sido só força do hábito ate que aconteceu de novo, olhou mais uma vez e a viu. Era Letícia, uma amiga que estava passando, resolveu sentar e começaram a conversar, fazia tempo que não faziam isso.

– Como está o senhorito? – falou uma Letícia sorridente.

Fabrício que ate agora estava com uma expressão reflexiva respondeu – estou bem e você senhorita? Anda sumida, não fala mais com os amigos...

– Nada, só estava ocupada com alguns deveres da escola, sabe vestibular vem ai, to me preparando para ele. – respondeu Letícia.

– Legal, é bom ouvir isso, se interessa por qual profissão? – pergunta um curioso Fabrício.

– Medicina! Quero ser uma medica famosa. Igual meu avô foi um dia... – responde uma Letícia muito determinada.

O avô de Letícia, o Dr. Jorge Mendonça Filho. Tinha sido um dos mais renomados médicos da sua época, ate hoje vários de seus métodos ainda são aplicados, era um dos melhores ou quem sabe o melhor medico da sua geração! É um dos ícones da medicina do país, morreu faz três anos. Fizeram uma homenagem para ele ano passado, passou em jornais e fizeram um documentário sobre ele e sua importância para a medicina do país. Letícia se inspirava em tudo isso, dava pra sentir ao olhar em seus olhos.

– é bom se tornar uma excelente medica, me ouviu mocinha? – diz Fabrício em tom provocativo.

– pode deixar, vou me esforçar! Mas e você o que faz aqui, todo arrumado? Pergunta Letícia curiosa pela resposta

– (...) suspiro Fabrício –

– Vai fala, por que dependendo eu to livre e podemos sair juntos. – Falou uma Letícia apressada pela resposta.

Letícia se tornou uma pessoa importante em sua vida, digamos que ela teria se tornado uma espécie de conselheira para os mais variados assuntos, a conheceu na escola, estudavam em salas separadas, mas quando os colocaram na mesma sala a partir da oitava série não desgrudaram mais, e mantiveram essa relação, mesmo depois de dois anos de formatura do ensino médio, ele estava no meu primeiro ano de literatura, ela não tinha se dado bem no primeiro vestibular que tentou.

– desculpa, mas para o lugar que estou indo você só vai depois, não agora... – diz Fabrício com um tom sério.

– Que? Nada disso, eu quero ir também. Vai deixa, eu prometo que não vou atrapalhar. – implora Letícia aos berros.

– Não... – diz Fabrício calmamente, olhando cinicamente para ela, ele sabia que Letícia odiava quando ele a olhava assim.

– por que não? Deixa de ser chato... – diz Letícia já irritada.

– É uma coisa que tenho que fazer sozinho, é uma coisa intima... – diz finalmente Fabrício

– Sozinho? Coisa intima? Sei, deve ser alguma garota nova que não quer apresentar. – diz Letícia olhando cinicamente para Fabrício.

Quando escutou isso Fabrício começou a rir. Riu de um jeito sincero, mas logo que voltou o seu olhar para ela, se deparou com um olhar mortal lhe encarando, de certo não gostou da sua risada, de repente lhe sobe um calafrio nas costas, é! Ele estava com medo, mas tratou logo de se recompor e olhar seriamente para ela novamente.

– não, não é nenhuma garota... Só queria ficar sozinho durante um tempo e pensar um pouco... – diz Fabrício com olhar de sério.

– sei... Tudo bem então, se não quer que eu vá junto ok, já vou então, quando chegar me liga? – pergunta Letícia sorridente.

Fabrico que ate esse momento estava olhando o céu, parou e suspirou, apenas disse que não sabia se poderia ligar, disse apenas que estaria ocupado. Letícia apenas o observou. Ele está distante, está mais entranho do que o de costume. Pensei que ele tinha melhorado, mas acho que me enganei, ele ficou assim depois que aconteceu aquilo, gostaria de não deixá-lo sozinho - pensou Letícia, mas logo o pensamento dela é interrompido por um som, era o apito do trem, era o trem das dez horas chegando, levando e trazendo sonhos, pessoas iam e viam todos os dias. Era uma das mais antigas linhas férreas do país.

– então, meu trem chegou, preciso ir... – diz finalmente Fabrício.

– não vai mesmo me dizer pra onde vai? – pergunta Letícia

– not... – diz Fabrício novamente com aquele olhar sínico.

Fabrico se levanta e da um leve beijo no rosto de Letícia, depois começa a caminhar em direção à estação Gameleira. Letícia não Pôde fazer nada a não ser olhar ele partir, estranhamente ela estava com um mau pressentimento, mas não podia fazer nada, cada pessoa tem a sua escolha e se ele resolveu ficar um pouco só, podia ser que fosse uma boa para ele.

Fabrício agora estava dentro do trem, tinha entrado no último vagão e se sentado numa janela, ficando ali vendo a cidade passar, ele entrou no trem apenas para isso, ficar só e pensar um pouco, rodou a cidade toda e desceu na ultima estação, desceu na estação belo jardim – olhou o nome e achou engraçado não ter nenhum jardim por perto – saiu dela e deu de frente com um prédio, ficou ali num tipo de duelo invisível com ele, o prédio que se mostrava imponente, era um prédio alto, ficou certo tempo admirando sua altura e imponência. Quando resolveu subir e desfrutar da vista que tinha lá de cima, não encontrou muitos problemas para entrar, disse que ia fazer uma visita no apartamento 46, nem sabia se existia esse apartamento naquele prédio, mas o porteiro comeu a isca e deixou-o entrar, logo que chegou ao terraço do edifício ele olhou em volta, era bem alto, devia ter uns vinte e cinco andares, para ele era bastante alto, pra alguém que tem medo de altura é quase um suicídio, ele infamemente se aproximou da ponta e olhou para o chão, parecia encarar algo, dessa vez seu duelo invisível parecia ser com o ar, parecia estar em transe, ate que num determinado momento, lágrimas começam a descer pelo seu rosto, logo algumas gotas se transformaram em um mar de tristeza, ele não conseguia se controlar parecia que carregava uma dor aguda no peito, ate que em um momento de frenesi, guiado pela adrenalina da tristeza ele pula, E por alguns segundos se esqueceu de tudo, do seu medo de altura, da dor que sentia em seu peito e por um segundo chegou ate a esquecer que logo aquela sensação teria um fim. Aos olhos de quem estaria de fora à visão daquele ato seria rápido, uns meros segundos e logo acabaria tudo, mas para Fabrício, foram os mais longos segundos da sua vida, muitos dizem que nesses momentos você é capaz de ver um filme da sua vida, e esse filme Fabrício viu e reviu muitas vezes, desde os momentos mais difíceis ate os mais lindos momentos de amor, o mundo agora estava em câmera lenta, e por um instante ate pensou que poderia voar, mas logo a realidade retornou e o resultado? Bem. Todos já devem saber o que aconteceu, no dia 17 de julho morreu mais um jovem, mas a causa não foi uma coisa qualquer. Tudo foi por causa daquilo.