Se Arrependimento Matasse
Na Polônia, em uma época que as guerras infestavam o mundo, havia duas jovens muito amigas, Josefa e Justina, estavam beirando os vinte anos, eram deslumbrantes. Ganhavam algum dinheiro costurando fardas para os soldados poloneses que estavam na guerra, o dinheiro não era muito, mas precioso, pois era ele que ajudava quase que por totalidade no sustento das famílias polonesas da época, nesse tempo era muito normal que mulheres sustentassem a casa, pois os homens, estavam quase que todos envolvidos nos conflitos bélicos.
Em um dia que a princípio seria bem normal, Justina e Josefa estavam costurando costuravam, falavam sobre tudo, amores, trabalho, não havia segredos entre elas, as duas confiavam-se cegamente, Josefa vendo que seu novelo de lã estava chegando ao fim, resolveu ir ao povoado para comprar alguns, não era longe, quinze minutos de caminhada ela já estaria lá. E assim se fez, Justina, para adiantar o serviço ficou ali fazendo algumas coisas na ausência da amiga.
Depois de algum tempo Josefa voltou com a lã , daria para a confecção de fardas para uma semana. Como já estava quase anoitecendo, não fizeram mais nada, apenas guardaram e organizaram as coisas para o próximo dia que estava por vir.
Naquela noite, Justina passou mal, estava com muita febre e mal estar, passou a noite à base de remédios caseiros feitos por sua mãe. Por esse fato não foi trabalhar. Josefa estranhou que a amiga e companheira de trabalho não apareceu naquele dia. “O que será que aconteceu com ela?” Pensava.
Mesmo sem a amiga por perto resolveu trabalhar, mas ao ir procurar seus novelos de lã comprados no dia anterior, não conseguia encontrá-los. Procurou por toda a salinha de trabalho, embaixo da mesa, por sobre as roupas já feitas, em fim, em qualquer canto que pudesse estar, ela tinha visto.
“Só pode ter sido a Justina, por que ela não veio nem trabalhar, deve estar com a consciência pesada, e só havia ela aqui. Meu deus! Gastei meu ultimo dinheirinho para a compra dessa lã! Minha mãe vai ficar louca!” pensava e falava ao mesmo tempo.
Sem pensar duas vezes foi à casa de sua amiga, foi recebida pela mãe de Justina. Josefa, meio descontrolada por pensar que a amiga lhe havia roubado a lã ,e principalmente pelo dinheiro que havia gasto, começou a gritar para todo mundo escutar: “Quero falar com essa ladra! O que ela fez com as minhas lãs? Quero que ela me devolva já!” Justina que estava ardendo em febre escutou os gritos de seu quarto e foi ver o que se passava. Nem bem Josefa viu-a, partiu pra cima dela, pegando-a pelos cabelos e dizendo palavras de baixo calão, fez com que a jovem já fraca por conta da febre que a incomodava, caísse no chão. Sua mãe tentava impedir, mas Josefa estava descontrolada, continuava gritando, cada vez com mais força contra a jovem que chorava sem parar. Justina, sem saber bem do que se tratava, e falando que não tinha idéia de onde as lãs teriam ido parar apenas tentava se defender, estirada ao chão.
Josefa só parou quando chegaram algumas pessoas atraídas pelo tumulto, só depois de alguns minutos é que conseguiram separar as duas. Mesmo assim, Josefa não se continha, continuava amaldiçoando a ex-amiga, falando que nunca mais ela deveria por os pés na tenda de costura. “Nunca mais te quero ver na minha frente”, foi a última coisa que bradou.
Todos sabem como cidade pequena é, os boatos correm, e cada pessoa que ouve coloca mais um fato na história. Justina, ficou conhecida pelos quatro cantos da cidade como “a ladra”, aonde quer que ela fosse haviam olhares por sobre ela, olhares não muito amigáveis. Não poderia mais sair de casa, não enquanto estivesse sendo mal falada.
Justina não parava de pensar nisso, já não tinha mais sono, mais vontade de comer, nem de falar, não tinha vontade de fazer nada. Ficava trancada em seu quarto o tempo todo, já estava sem vontade de viver, isso a estava consumindo pouco a pouco.
Passaram-se alguns anos, Josefa continuava a costurar, agora sozinha, nunca mais queria ter alguém por perto. Justina estava cada vez mais fraca, não comia, não fazia nada, aquele dia, triste dia, ainda a assombrava, era como se sua vida tivesse acabado no instante que a ex-amiga tinha lhe caluniado de tal maneira, todo mundo se afastou dela. Justina se sentia um estorvo, não sorria mais, não falava nada, absolutamente nada. Até que chegou o dia em que ela não agüentou mais isso, quando sua mãe entrou em seu quarto de manhã para ver se sua filha precisava de algo, encontrou-a dormindo o sono eterno. Morreu dormindo.
Ninguém apareceu em seu velório, nem se quer o padre, que a considerava contra os princípios da igreja, apenas algumas testemunhas, que por acaso viam ao longe a mãe levar a filha nos braços para vela-lá em qualquer lugar que não tivesse ninguém para debochá-la do que supostamente tinha feito, essa cena era incrivelmente desoladora, pessoas ainda contam com lágrimas nos olhos o momento em que a mãe colocava a filha em uma cova no cemitério do povoado.
Josefa, mesmo sabendo que Justina havia falecido muito em causa de ter sido acusada de roubo, não teve se quer o luxo de dizer um adeus para a ex-amiga, achava que uma pessoa que tinha feito uma coisa daquela não merecia que alguém estivesse em seu último adeus, para ela , Justina já tinha ido tarde.
Passaram-se mais alguns anos, o pároco local resolveu que já era hora de construir uma nova igreja, haveria um mutirão para derrubar a igreja velha, que estava aos pedaços. Josefa, estava terminando de fazer uma gandola de combate para os militares poloneses, viu chegar ali uma criança, tinha por volta de dez anos, trazia um bilhete para Josefa, nele dizia que ela estava escalada para ajudar a desmanchar a antiga igreja. Sua tarefa seria a de servir comida para os homens que ali iriam trabalhar.
Chegou o dia que a igrejinha viria ao chão, todas as pessoas do pequeno povoado estavam ali para ajudar, havia gente até por demais. Muitas andorinhas voavam de um lugar para outro por sobre a cruz da igreja. Havia ninhos por sobre a cruz e o foro da casa santa.
Começaram a tirar as telhas, infestadas de teias de aranha, e ciscos dos ninhos que as andorinhas haviam feito, já deterioradas pelo tempo, muitas não resistiam e se quebravam.
Já era hora de levar uns biscoitos e um café para os homens que trabalhavam em cima da igreja, Josefa pegou uma linda bandeja e foi. Teve alguma dificuldade para subir a escada que ali estava, mas com algum esforço conseguiu chegar ate o alto, onde os homens faziam o seu trabalho.
Chegando lá, viu um ninho de andorinha no mínimo diferente, possuía fios de lã, muitos novelos, todos desenrolados e embolados, que davam a forma perfeita do ninho daqueles pássaros. Josefa reconheceu aqueles novelos, eram os mesmos que há muitos anos ela tinha ido comprar no povoado, enquanto a falecida Justina ficou costurando em sua ausência.
“Meu deus!” - gritou. Deixou a bandeja cair no chão pelo choque que tomou, nessa hora começou a empalidecer, suas mãos ficaram brancas, ela caiu de joelhos num misto de choro e grito, todos se assustaram. Justina estava fora do comum, seus lindos olhos já não tinham mais cor, estavam arregalados , suava por inteiro, passou um filme desde o dia em que acusou Justina do roubo dos novelos, da amargura que a amiga sofreu, lembrou de como as pessoas a tratavam, de como se deu seu velório, caiu de costas no chão, sua consciência pesada a fulminou, ainda algumas pessoas tentaram fazer alguma coisa mas ela não resistiu, morreu ali mesmo, sua expressão era terrível, morreu por saber que tinha cometido o maior erro de todos, matar a melhor amiga.. Não havia roubo, quem havia pego os novelos foram as andorinhas, simplesmente para construir ninhos. Não foi Justina, que passou a vida inteira sendo acusada de uma coisa que não cometeu.Todas as pessoas que ali estavam, todas que acusaram Justina alguma vez se recordavam do erro que haviam cometido. Todos se ajoelharam em sinal de arrependimento, mas agora de nada adiantava. A igreja que construíram, chama-se hoje, Igreja de Santa Justina*.
*Fato fictício