Alquimia

ALQUIMIA

23/04/2003

Era uma pequena concha, desgastada pelo volver das ondas. Suas cores estavam desmaiadas, pelo clamor do sol e um eterno se esfregar nas tórridas areias da praia.

Foi depois de um AI! que a vi. Uma forte pisada me fez percebê-la, ao espetar meu pé.

Com uma certa ira, a peguei. Uma nova espetada, desta vez na mão, me fez olhá-la com atenção.

Pude perceber que debaixo daquela aparência embaçada, haviam milhares de cores. Naquelas bordas quebradas haviam contornos de uma divina simetria. Guardei-a. Voltei a casa, busquei uma pequena lima, e com a paciência de um aprendiz, passei a buscar a simetria vislumbrada. Foram horas de um cuidadoso ir e vir e pequenas sopradas. Achei que era o melhor que conseguiria com o combustível de paciência de que havia me abastecido.

Agora me restava recuperar as cores. Não sabia como fazer. Pensei em passar uma camada de verniz, mas isso descascaria com o tempo. Limpar com estopa e flanela, já havia tentado, mas o resultado não foi suficiente para espelhar o brilho de tantas cores.

Lembrei de um pequeno truque aprendido com um relojoeiro, o Rocha. Ao levar para ele um relógio com o "vidro" todo arranhado, me assustei ao vê-lo arranhar ainda mais, até mesmo torná-lo totalmente opaco, com uma fina lixa d'água. Depois pegou uma pequena flanela, despejou algumas gotas de Kaol e passou a polir o "vidro" que voltou a mostrar sua brilhante transparência. Utilizei tal aprendizado com minha pequenina concha. Reluzente maravilha, era o que se via. Do mais tênue verde, até o negror verde do petróleo. Do rosa ao vermelho encarnado, do azul celeste, até o azul de uma celestial noite. E assim por todo o arco íris de cores.

A beleza dos detalhes era divina. Me orgulhei de ter contribuído. Mas ainda me restava uma ação que, para ser sincero, quase deixei de fazer. Vesti meu calção, abri a porta e olhei o céu. Maravilhosa festa de pontos luminosos com um arco central, qual uma boca a sorrir. Era um belo cenário. Caminhei até a praia, peguei o caiaque e com rápidas remadas cheguei ao coral. Lá deixei cair a concha "princesa", com um forte desejo de que um pequeno molusco a habite e se possível a traga até a praia para que novamente eu a veja.

Geraldo Cerqueira