Roda Gigante no Quintal

Eu retirava uns papéis colados ao redor do pau e assistia às notícias da suposta morte de um grande da música pop mundial quando ela levantou da cama e debandou, peladona mesmo, pra cozinha, com o celular pendurado no ouvido. Fiquei eu com aquelas imagens de helicóptero sobre uma mansão branca com uma roda gigante no quintal, com as especulações de um gordo chiliquento apresentador e com meus papéis colados - com suor, sêmen e fluídos vaginais - ao pau murcho.

"Piranha", pensei.

Voltou um tempo depois, enrolada numa toalha e com cheiro de banho.

- Por que você é tão filha da puta comigo? - Perguntei, mais por dramaticidade, mais por necessidade de fingir que me importava do que por qualquer outra coisa.

- Bebeu, meu lindo? - Ajoelhou na cama, se arrastou, deixando a toalha cair, e caiu por cima de mim, me cobrindo de beijos que carregavam as mais sombrias omissões que minhas paranóias tanto queriam ouvir.

Estalei um muxoxo. Meu celular vibrou debaixo do travesseiro. Ficamos nos olhando, com um fio de tensão invisível no espaço entre nossos narizes e olhos.

- Não vai ver de quem é a mensagem? - Questionou ela. Eu já imaginava de quem era. Já imaginava o conteúdo. E já sabia que provavelmente minha cara ao lê-lo me entregaria.

- Deve ser a operadora me oferecendo algum número pra bater papo em chat de gente carente. - Respondi, desinteressado. Realmente desinteressado em iniciar mais uma picuinha em que ela sairia na vantagem.

- Bom - iniciou ela, em mais uma de suas ponderações que não davam em nada -, então estamos zerados.

Eu não tinha mais o que falar sobre a droga da ligação do amante. Ou do namorado. Qualquer merda de personagem de alguma história incompleta daquela forasteira que havia me adotado em seu apartamento, me apartando de noites solitárias e calmas, ou de gandaias boêmias e cheias de putarias veladas que acabavam mesmo é em onanismo e vômito.

- Vou tomar um banho - Falei, desligando a televisão num segundo e me arrependendo no segundo subseqüente. Me adiantei: - Caralho, esqueci.

- Você SEMPRE esquece, né?

Corri pro banheiro, com meu celular zunindo pelos meus ombros e caindo no chão. Chip, bateria, tampa traseira: tudo espalhado no linóleo taqueado.

- Você é tão burra - falei - que bem poderia comprar uma televisão que não precisasse ficar ligada infinitamente pra não morrer em vez de ficar gastando com ligações interurbanas com quem não soube chupar sua buceta decentemente.

Tranquei a porta do banheiro. Liguei o chuveiro.

Tinha um tesourão em uma das gavetas do closet, que usei pra transformar em pedaços diversos as diversas calcinhas que estavam enroladas num suporte metálico que servia sabe Deus pra quê.

Era verão e o dia estava abafado. A chuva começou a cair.

Abri a tampa do aparelho de som que ficava no banheiro. Fechei-a.

Liguei o rádio. Com um volume bem alto.

E me enfiei debaixo d'água.

Tocava "Pede a Ela", do Tim Maia.

Me esfreguei e cantei, pranteando a perda da minha ex-namorada.

Pranteando o beco sem saída que estava sendo a relação com a dona das calcinhas que fiz picadinho.

Eu sabia que morreria sozinho. Sabia que todo e qualquer relacionamento que eu me enfiasse seria algo a mais para elevar a minha decadência.

Fechei o chuveiro, voltei a música e sentei na privada.

Fiquei observando uma aranha preta e graúda.

Alcancei a ponta de um beck. Acendi. Liguei o chuveiro.

Sentei na privada e voltei a música.

Fiquei olhando a aranha no centro das espirais da fumaça que eu soprava.

Curtindo a gaita e os trovões.

"O melhor momento de um relacionamento é aquele que com certeza acabará na derradeira briga ou na homérica trepada. Ou em ambos", pensei.

Repeti a música.

11/05/2012 - 00h05m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 11/05/2012
Reeditado em 11/05/2012
Código do texto: T3661230
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