Um Dia Destes

Sobre o chão sujo do meu quarto, respiro sob um silêncio sufocante, pois são noites e noites em claro com essa súbita sensação estranha em meu peito.

Descontrolado, caminho até a cozinha abro a geladeira e vasculho-a por inteiro – com uma raiva alucinante – “Maldita hora que escondi a garrafa de Whisky”. Sirvo-me de um gole e despejo um pouco mais da bebida em um copo sem gelo e com a certeza de que a “frida” irá me visitar na próxima manhã.

Deito-me no chão e num sonhar acordado entro num mundo desconhecido, como se á cada movimento respiratório minha mente fosse invadida por déjà vus. Primeiro meu nascimento, depois as festas de aniversários, os presentes e os balões coloridos. Em seguida, meus amores, meu casamento, mais noites em claro e um questionamento:

– Como cheguei a esse ponto?

Estranhas coisas têm me acontecido e, não sei se sob o efeito da bebida ou por estar sonhando acordado ouço o farfalhar do vento em meus ouvidos num doce tom de uma voz feminina a dizer:

-Levante-se. Está tudo bem com você.

-É fácil pra você dizer isso, pois seu coração nunca foi partido e o seu orgulho jamais foi roubado. – disse-lhe num tom austero.

- Um dia destes você vai esquecer a esperança e aprender a me temer, pois seus olhos fecharão e a dor desaparecerá. – retrucou-me num tom frio.

Mais uma vez, sou dominado pela estranha sensação no meu peito e minha respiração fica cada vez mais difícil. Não satisfeito, o ambiente torna-se gélido e eu não tenho mais certeza se estou sobre o chão do meu quarto.

Por fim, volto aos déjà vus de outrora, mas agora o meu sonhar acordado é inundado por imagens de funerais. Assusto-me com as cenas e tento recobrar a consciência e é, justamente, ai que percebo que estou sobre uma cama de hospital.

A doce e gélida voz feminina volta a assombrar-me com o seu sussurrar irritante em meus ouvidos, perturbando-os com frases desconexas, mas que arrepiam-me o couro cabeludo.

-É chegada a sua hora, os relógios irão parar e o tempo já não significará mais nada.

Amedrontado e sentindo o bafo putrefato da morte em minhas narinas, desespero-me com a notícia e debato-me sobre a cama, gritando e exclamando pela minha vida:

- Por favor, não me leve agora. Não quero ir embora. Tenho tanta coisa pra fazer, tenho um filho pra ter e motivos pra crer que ainda não é hora.

- Repare ao seu redor, todos aqui estão indo rumo ao ocaso, sem nunca ter escolhido se é cedo ou se é tarde. – respondeu-me com satisfação.

- Isso não é questão de sorte, pelo visto é jogo vencido. Por favor, não me leve agora, não quero ir embora. Tenho tanta coisa pra fazer. – repreendo-a em minha última tentativa.

- Não me importa. Você é carta fora do meu baralho, por isso, agradeça-me, pois seu coração vai parar, dar a última batida e....

Ao término de suas palavras o chão sob meus pés desaba, perco-me num beco escuro, onde ninguém me ouve e ao entrar em desespero, deparo-me com o copo virado, esparramando o Whisky pelo chão do meu quarto. Levanto-me, entorpecido pelo sono e pela bebida, praguejando qualquer coisa ininteligível tendo a única certeza - em meio a alguns devaneios: “De que nunca mais bebo Whisky sem algumas pedras de gelo em meu copo”.

Dr Vilela
Enviado por Dr Vilela em 07/05/2012
Reeditado em 08/05/2012
Código do texto: T3655580
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