RIO BRANCO e JOVITINHA, A MENINA DE CACHINHOS DE OURO

RIO BRANCO e JOVITINHA,

A MENINA de cachinhos de ouro

Dia de vontade de coisas boas da lembrança. Como Visconde de Rio Branco, com aquela praça quadrada central, onde quase tudo estava voltada para a sua periferia de quatro lados e neles distribuídos os pontos principais da cidade.

A igreja, o grupo Escolar Carlos Soares onde meu pai era o Diretor, o Dr. Jorge Carone e seu casarão, a ladeira que ia pra nossa última casa de moradia na cidade antes de irmos para Belo Horizonte, e as casas dos mais ricos, usineiros, dona Catarina Bouchardet, o lado comercial, o lado do cinema... AH! As matinês de domingo... Desta praça uma comunicação com outra praça menor e triangular, será que se chamava Praça Tiradentes?

Cheguei ao ponto deste momento de passado. Moramos no andar superior de um sobrado com sacada, onde eu via tudo que ocorria na praça e onde eu acho que sempre vivi, nas ruas. Nem me lembro onde eu dormia aos seis anos, se eu tinha um quarto meu ou se dormíamos todos juntos. Desta casa, o mais interessante era a área acimentada, comprida e aberta ao ar livre nos fundos e para onde davam as janelas da nossa casa, do lado oposto uma parede fechada que era de parede e meia com o vizinho. Mas era um espaço vazio só nosso, onde podíamos correr e soltar a imaginação e a alegria, Uma largura de uns dois metros a um e meio talvez. Ali, eu e meu irmão menor brincávamos e corríamos, quando eu não ia pra casa da Jovitinha.

Descia a nossa escadaria de madeira de acesso à rua e corria atravessando a rua para o outro lado onde, outra escadaria me levava à porta da casa da Jovitinha. A primeira amiguinha da minha vida. Eu ia entrando e atravessando a casa, imensa, de cômodos enormes, sobre o banco cujo gerente era o pai dela. Atravessava toda a casa até encontrar Jovitinha: vamos brincar? Eu dizia e ela prontamente vinha animada tanto quanto eu, e corríamos e atravessávamos aquela grande cozinha com cozinheiras, e descíamos a escada dos fundos que ia dar no grande quintal, o nosso lugar! Ali sim, num alvoroço tudo acontecia de alegria e imaginação de brincadeiras, durante o dia todo.

Dá pena ver as crianças de hoje, com ofertas de idéias que não as delas, é a TV, os DVDs, os jogos de internet, vídeo games, brinquedos de plásticos prontos para brincadeiras induzidas pelo próprio brinquedo e coisas de outros recursos comerciais que até nem sei e nem quero saber, pois não me contribuem em nada, que, ao que me parecem é mais um objetivo comercial do adulto fabricante, coisas tais que levam a criança a querer ter, igual a comprar, sem perceberem estar lhes sendo roubada a chance de criar, de desenvolver a própria inteligência e o próprio talento, exatamente no período mais puro e original, período em que elas produziriam as suas matérias primas de como nasceram, mas o sistema consumista e globalizado atuais lhes rouba todos esses valores próprios e únicos, que são absorvidos pela máquina comercial deste tempo de agora.

Nunca entendia porque os velhos só faziam recordar em vez de viver, de um modo geral. Não é por falta de vida ou esclerose. É que é tão precioso o tempo da infância e tão impregnado no indivíduo de coisas de vida alegres, genuínos e deliciosos, que mesmo passados longos anos de experiência noutras áreas profissionais e familiares, aqueles tempos tão breves de infância são fortes e ricos e guardam a mesma vivacidade e nos alegra lembrar renovados de reflexões e sabedorias. Aqueles tempos foram únicos de própria autoria. De liberdade, que nunca mais será experenciada plena e único autor.

Jovitinha, a minha primeira amiga. Eu tinha seis anos e tranças castanhas, e adorava os cachinhos dourados daquele cabelo dela saltitando pra lá e pra cá a qualquer movimento. Éramos duas crianças inteligentes e amigas, puras, inteiras, felizes, livres e criativas nas nossas brincadeiras, numa parceria total. Éramos especiais, só nós duas sabíamos. Adorávamos brincar de casinha.

Consistia em limpar uma área do chão e passar horas construindo a casa de tijolos que havia no terreiro. Primeiro cuidado era a porta da casa. Ali era o início da construção e era a passagem do entra e sai empilhando os tijolos maciços defasadamente, de modo que a primeira carreira era disposta com um intervalo entre cada tijolo, de modo tal, que a segunda carreira se apoiava nas bordas dos tijolos distanciados estrategicamente para suportar a carreira seguinte. Só armação. Não imaginávamos que aquilo era feito em casas pobres em que usavam massa de pedreiro para ir erguendo a casa. Na nossa casinha não tinha massa. A união de tijolo sobre tijolo era de puro equilíbrio que controlávamos com a nossa perícia de montagem dos tijolos. Era uma delícia e, enquanto íamos erguendo as quatro paredes iam conversando e planejando onde era o canto da cozinha, o canto da sala, o canto das bonecas dormirem e, quando chegava à altura já janela lateral, interrompíamos a seqüência de uns três tijolos para criar a abertura do que viria a ser a janela da casa. Era um encantamento total. Não víamos o tempo passar até que nos chamavam para o almoço. Atendíamos, subíamos à cozinha, comíamos e voltávamos disparadas para a nossa casinha. O nosso mundo infantil é que era nossa realidade. A realidade da felicidade num mundo encantado que criávamos para nós.

Meu irmãozinho vinha a reboque algumas vezes e ficava ali entre nós, participando do nosso mundo infantil. Chegava a hora de varrer a casa, que capricho! Forrar a caminha das bonecas com uns panos dobrados e onde sentávamos também batendo papo, Era pura criação. Inventávamos tudo. No centro da casa empilhávamos uns tijolos juntinhos que virava nossa mesa de almoço. Íamos lá fora à cerca com o vizinho, e colhíamos matinhos ou frutos de matinhos que comíamos com o sabor encantados de batatinhas, ou de frutinhas, Nossos Anjos da Guarda nos protegiam, pois nunca mal fizeram aquelas comidinhas. Ficávamos nesse afã o dia todo, até vir nos buscar pra casa.

No dia seguinte, começávamos tudo de novo. O recomeço era cheio de novidades, pois nossa imaginação não tinha limites. Os adultos devem respeitar a criança em seu mundo encantado, quando vêm interromper a brincadeira delas, pois elas estão num mundo maravilhoso construído por elas, uma felicidade insubstituível e que não volta mais; é a realidade delas. Então é chegar de manso, suavemente aproximar e se manifestar para os pequenos terem um tempo de passagem de sua realidade imaginada e vivida para a realidade da vida prática que os adultos conhecem, fazendo esta transição com harmonia e autoridade como muitas mães sabem fazer, sem destruir o mundo encantado da criança.

É o mundo verdadeiro em que elas estão em construção de si próprias.

MLuiza Martins