MAMÃE FOI ENSACADA PARA CASAR

O susto que ela levou, quase a fez desmaiar. Sem entender nada, ela estava sendo ensacada, a ação foi tão rápida, que nem mesmo teve tempo de ver quem estava fazendo aquilo. Dentro do saco ela foi carregada nas costas de um homem, não conseguia gritar, seus nervos faziam com que todo seu corpo tremesse e sua língua estava tão pesada que não conseguia fazer nenhum tipo de som. Andou mais ou menos quinze minutos de cabeça para baixo, nas costas do homem que não sabia quem era. Depois foi colocada no porão de uma canoa, na qual desapareceu rio adentro. Depois de alguns minutos ela foi colocada em um pequeno barco, até então sem ouvir uma palavra do seu raptor. Depois de algum tempoa foi tirada do saco.

João, lhe deu água e disse-lhe - Seja bem vinda a minha vida; fui lhe buscar para ser minha esposa...aceita se casar comigo?...

Mamãe contou que quase morreu, pensou estar na mão de um foragido de algum hospício, mas aquele homem ela já conhecia, e não entendia o que estava acontecendo. Seu sentimento de raiva, misturava-se com medo; permaneceu calada. Sua reação foi apenas chorar baixinho.

João e Catarina cresceram juntos em sítios vizinhos. Porém, suas famílias estavam sempre em conflitos. Algumas pessoas diziam que o motivo era racismo, mas nunca se soube a verdadeira razão. Por isso cresceram afastados um do outro, das poucas vezes que se aproximaram tentando uma convivência amigável, seus pais os proibiam de se falar.

Aconteceu que João se apaixonou por Catarina, e durante muito tempo guardou seu amor só com ele. Quando soube que Catarina ia se casar com um rapaz da redondeza, ficou desesperado, contou aos seus pais do seu amor por Catarina e tentou convencê-los a autorizar sua aproximação com a moça. Em vão, seus pais ficaram furiosos e mandaram-lhe para casa de uma tia em uma fazenda localizada em outro município.

Catarina casou-se com Valdemar, acatando ordem do seu pai, que já havia lhe prometido ao filho de seu amigo ha muito tempo; quando os dois ainda eram crianças. Valdemar não amava Catarina, mas tinha-lhe uma grande simpatia. Obedecendo a seu pai casou-se.

O casamento não passou de uma vida a dois sem emoção.

Valdemar, homem pacato sem perspectiva...nenhum interesse pelos trabalhos do dia a dia. Passava maior parte de seus dias tomando cachaça ou deitado em uma rede suja que ficava eternamente armada em baixo de uma árvore. Com chuva e sol, a rede estava lá à espera de Valdemar.

Catarina, não se importava. Cuidava da casa e alguns serviços da lavoura; plantava alguns legumes e verduras, pescava e preparava as míseras refeições dos dois. Quase não se falavam.

Passaram-se quatro anos, e a vida dos dois era a mesma ou talvez pior. Quase não se tocavam, exceto algumas vezes para cumprirem as obrigações sexuais de marido e mulher; que Valdemar lhe exigia; obrigações estas que causavam náuseas à Catarina, ao ter que se submeter aos gemidos animalescos de Valdemar, com seus bafos de cachaça podre em seu pescoço. Que vida! Dizia minha mãe ao me contar esta história.

João por sua vez, não se casou. Morava com sua tia, uma simpática solteirona, em uma fazenda no interior de Rondônia, em um Distrito de Porto Velho. Lá ele ajudava sua tia a cuidar da Terra e da plantação. Eles cultivavam cana, batata doce, macaxeira e mandioca para a fabricação da farinha d’água, a qual era vendida nas feiras de Porto Velho. João cuidava também de algumas cabeças de gado que sua tia havia comprado.

Quatro anos haviam se passado, e João não conseguia esquecer Catarina; chegava a chorar ao pensar nela.

Disse um certo dia a sua tia:

- Vou buscar minha mulher, tia.

Dona Ana ficou assustada (João teria conhecido alguma moça na cidade, quando levava os produtos para vender?) ficou calada, enquanto João repetia:

- Vou buscar minha mulher, não estou brincando. Quero que a senhora a aceite aqui conosco.

Não acreditando que fosse verdade, dona Ana concorda com João, dizendo que aceita em sua casa, a mulher que ele escolher para sua esposa.

Depois de alguns dias, João partiu em direção a localidade onde acreditava que Catarina ainda morava lá. Não tinha idéia de como a convenceria em vir com ele.

Era aproximadamente meio dia quando João chega na casa de Valdemar, esposo de Catarina, levando um saco de estopa nem uma das mãos, para pegar alguns cocos, se aproximou da casa. Valdemar como sempre, estava deitado na sua rede suja; ao avista-lo, foi dizendo:

- Oi João bundão, há quanto tempo? o que fazes por aqui? Gargalhou.

Como se estivesse dizendo a coisa mais natural do mundo, respondeu:

- Vim buscar tua mulher. Vou roubá-la de você.

Valdemar, sem se mexer da rede, deu outra gargalhada e respondeu:

- Pode levar meu amigo, ela está lá na roça, colhendo macaxeira. Gargalhou

novamente... vá lá e deixe-me dormir um pouco mais.

Sem falar mais nada, João se afastou em direção à roça.

Ao avistá-la, seu coração disparou. Tendo certeza de que Catarina jamais concordaria em ir com ele, olhou para o saco em suas mãos, e teve a idéia de ensacá-la.

E agora estava ali, com a mulher de sua vida, esperando o seu sim, quase impossível.

Catarina chorou durante toda a viagem, não falou nada, não sabia o que pensar, rezava para estar dormindo e vivendo um terrível pesadelo, mas logo acordaria e tudo estaria normal na sua mísera vida que levava.

Depois de cinco horas de viagem, o barco parou no porto de um vilarejo. João pegou nas mãos trêmulas de Catarina e disse: - Não tenhas medo. Você é o amor da minha vida, não vou lhe fazer mal algum. Porém, mesmo contra a sua vontade, a partir de hoje você vai morar comigo.

Catarina estava fraca, não havia comido nada durante as últimas seis horas. Sem saber o que fazer, pensando que se tratava de uma pessoa perigosa, resolveu não reagir e acatar o comando de João., apenas disse: - Não sei porque fez isso; mas sou uma mulher casada, não posso ficar com você, quero voltar para minha casa.

João fingiu não ouvir. E puxando-a com carinho, entrou com ela em um carro que já aguardava sua chegada . Nesse carro viajaram mais quatro horas.

Ao chegarem na fazenda da tia Ana, já era tarde da noite. João disse à Catarina: - É aqui que vamos morar. Tenho certeza que você vai gostar do nosso cantinho.

Dona Ana ao ver o sobrinho chegando, foi ao encontro dele, o qual lhe apresentou Catarina como sua esposa. Tia Ana que já conhecia a moça, quase desmaiou ao ver se tratava de Catarina. Então perguntou:

- Você não está casada menina?

- Não está mais, tia. Respondeu João.

- Ela agora é minha mulher.

- Dona Ana, não consigo entender o que está acontecendo. Seu sobrinho não está em seu juízo normal. Ajude-me a voltar para minha casa. Não quero ficar aqui. (chorava muito).

Dona Ana chamou João em um canto, e procurou saber o que realmente ele tinha feito. Mas ele não explicou, pediu apenas que ela deixasse ele resolver aquela situação. Então dona Ana disse à Catarina:

- Não se preocupe querida, ele não vai fazer mal algum a você. Venha comigo. Você vai dormir no meu quarto, enquanto se arranja um jeito de você voltar para sua casa.

E assim aconteceu. Catarina ficou morando com tia Ana.

Durante uma semana Catarina chorava sem parar. João tratava-lhe carinhosamente. Dona Ana tentou em vão a volta de Catarina; pois João fazia com que não desse certo. Depois de uma semana, Catarina já estava mais calma. Dona Ana sempre dizendo para não se preocupar que ela estava providenciando sua volta para casa. Catarina era tão bem tratada, e amada que aos poucos foi se acostumando naquela casa. Depois de um mês aguardando transporte para sair dali, veio um senhor lá vilarejo, dizendo que dentro de dois meses haveria a festa do Divino, e os foliões iriam passar na fazenda pedindo donativos e pegando pessoas para ajudar na festa. Catarina pensou consigo: - é a oportunidade para eu sair daqui. Aguardou os dois meses e não apareceram as pessoas que o tal homem havia informado. Ela foi ficando. Agora já conversava com João, procurava saber o motivo daquela loucura. Ele só dizia que a amava, e não podia viver a vida toda sem ela.

Depois de um ano convivendo com dona Ana e João, os quais a tratavam como uma rainha, Catarina percebeu que não sentia mais vontade de voltar para aquela vida monótono que vivia com Valdemar. Seus pais não eram mais vivos, o que ela iria fazer naquele lugar? Enquanto que estava morando com pessoas maravilhosas. Daquele momento em diante, começou a tratar João melhor. E João, notando a diferença, empenhava-se cada vez mais para agradá-la.

Saiam para pescar os três. Dona Ana sempre evitava deixar os dois sozinhos. Conversavam assuntos variados e até riam juntos.

Catarina falava com saudade, de seus pais; os quais haviam morrido logo depois que ela se casou. Contava histórias sofridas com Valdemar; dizia que só havia casado por amar muito seus pais e não ousar desobedecê-los.

Daí para frente, ela deixou perceberem que estava feliz ali com eles.

João falava de sua paixão por ela desde menino, e do desentendimento entre seus pais, o qual não sabia explicar o por que. Catarina também não sabia explicar o motivo que fazia a família LIMA não gostar da família MATOS.

Um certo dia quando Catarina fazia o almoço, uma panela de água quente caiu em seus pés , causando-lhe uma leve queimadura, mas infeccionou e começou a lhe dar febre. João preocupado com Catarina, pediu a tia para ir com ele levá-la no posto de saúde de Porto Velho. Foram. Catarina foi medicada, mas devido seus pés estarem inchados, o médico recomendou muletas para não forçar muito ao andar. Não havendo muletas, João carregava Catarina ou oferecia seu ombro para apoiar-se quando queria fazer pequeno deslocamento. Ficaram tão próximo, que João resolveu fazer de novo seu pedido de casamento. Desta vez foi aceito. Casaram – se dois meses depois, apenas na igreja, pois ela ainda era casada no civil.

CATARINA E JOÃO, viveram 43 anos juntos, tiveram 5 filhos. Quando João morreu, Catarina ficou inconsolável; dois meses depois ela adquiriu uma pneumonia e também morreu.

Sua filha, é quem conta a história. E QUE HISTÓRIA!