A Ditadura e o Grito
Viriato Pega-Birro tinha vinte anos na época em que os agressores de farda tomaram o poder no Brasil. Conta bem humorado que sempre foi dado a contar lorotas, uma mentirinha daqui, outra mentirinha ali, assim ganhava a simpatia dos que ainda não o conhecia e antipatia dos que não agradavam dos inventos orais. Besta de pai e mãe como dizia, trabalhava em uma padaria durante a semana e nos sábados era porteiro do Cabaré de Pagú, no centro de Curvelo. Quando perguntado se as gorjetas eram gordas, responde alisando o bigode que eram sim, gordas, magras, ruivas, brancas, pretas e etc... Na noite de trinta e um de março de 1964 estava vindo de um bar, altas horas da madrugada, de repente uma Veraneio lhe cruz o caminho, desce quatro soldados, cheios de vontade de bater; - documento! Mostrou o documento, foi apalpado no baculejo tomou ainda um safanão nos culhões e foi saindo. Lá na frente um deles gritou; - Fala viva a Revolução! Sem ver motivo para o contrário repetiu. Quando deu mais alguns passos outro mandou parar; - Grita Viva Castelo Branco! Mais uma vez sem ver motivo para o contrário, repetiu. Andou mais alguns metros e o carro parado no mesmo lugar, no próximo passo, aceleraram e ao seu lado um outro soldado vociferou: - Grita Eu te amo meu Brasil! Novamente sem ver motivos para dizer o contrário, falou naturalmente. E andou mais rápido o carro passou por ele em alta velocidade e foi embora. Ao dobrar uma esquina próxima a sua casa, a Veraneio estava parada. Olhou e viu que alguém fumava lá dentro por causa da fumaça que saia, mas continuou o trajeto, ao parelhar com o carro o motorista gritou: - Ei você! Parou e disse, pois não! O policial então gritou; - repita comigo, eu sou um subversivo e estou planejando um golpe! Seu coração bateu forte, sua boca secou, teve sensação de defecar, mas a voz não conseguiu sair para argumentar que não tramava golpe algum. O soldado abriu a porta, repetiu novamente separando as silabas para que ele repetisse. Ao tentar ficar mudo novamente os outros desceram de porretes na mão e começaram torturá-lo com os olhos. Sem outra opção ele pediu apenas para o interlocutor repetir as palavras; a seguir falou paulatinamente o que era pedido, ou melhor, forçado. Assim que ele terminou, o mesmo que lhe mandou dizer, foi para cima dele com o pedaço que aroeira que segurava e lhe bateu sem pena, repetindo; - SUBVERSIVO F.D. P! Então você está pensando em golpe não é? Nós acabamos de ganhar a liberdade para vocês e é assim que você retribui. Viriato pediu pelo amor de Deus que não lhe espancasse, já que só repetiu o que fora mandado. Nisso todos os outros em uníssono disseram que era mentira dele, que no novo Brasil as pessoas teriam liberdade para dizer o que pensavam. E após uma sessão de cruéis espancamentos, lhe jogaram na viatura o levaram para um lugar há muitos kilometros dali que mesmo sem enxergar o caminho sentia que era longe. Com uma toca na cabeça tapando os olhos e as mãos amarradas fora jogado em uma escada de cimento de mais ou menos vinte degraus. Embaixo gritando de dores, teve a roupa arrancada juntamente com a touca e ficou cara a cara com seus algozes. Relembra que na sua frente estava sentado um gordo, de mais ou menos 50 anos de idade que usava gravata sobre uma camisa branca, fumava um cigarro de maconha e tinha uma voz rouca. Ao lado dois policiais dos que o abordou na rua. O maconheiro de gravata como ele se refere mandou que os dois desse o chocolate para aquecer, quando menos espera, um chute veio na sua orelha que uma centena de grilos iniciaram um concerto na hora. O outro tratou de bater no seu estomago de murros. Após algumas sessões perdeu o sentido e só acordou no dia seguinte de sol quente na cara. Estava deitado em uma praça, todo sujo de fezes e urina. Depois deste dia saiu de Curvelo e foi morar na zona rural de Monte Azul, numa loca de pedras encravada no meio da serra. Viveu basicamente da caça e pequenas plantações. Em 1985 fora descoberto pelo Jornalista Arcelino Moravia do Estadão, que comovido com sua história de medo o levou para São Paulo e como o País vivia o clima da Anistia e das recompensas aos sofridos, a rede Record lhe pagou uma pequena fortuna para ter exclusividade na sua história.