LENDA DO CERRADO
Estas coisas aconteceram num antigamente muito antigo. Há muito tempo, pois, havia um país recém habitado pelos humanos brancos civilizados. Mas este só era um detalhe, pois conta a história a lenda de um país diferente dos outros. Era uma terra bendita e enorme, em que tudo o que se plantava crescia e dava frutos. Tinha riquezas vegetais e minerais para todos os que nela nascessem e vivessem. Tinha, também, vida selvagem m sua fauna. Eram tantas as riquezas que seu solo guardava sobre a terra e embaixo dela, que, os que vieram explorá-la, não conseguiram carregar em seus navios tudo. Em seu entender, os que nesse país chegaram, todo esse acervo presumiam ser de sua propriedade exclusiva.
Comparado ao tamanho de todos os outros países (ou quase todos) do mundo, este era de dimensões continentais. Tão grande era, que quase cabia o continente europeu, já conhecido, todinho dentro dele.
Era um país coberto por campinas verdinhas e florestas enormes, com árvores milenares de grande diâmetro, cuja madeira era muito nobre e valiosa. Contaram os que viram este país, in natura, enquanto não havia sido “descoberto” e explorado ainda, que as verdes florestas e os campos cheios de pasto alternavam-se de norte a sul, de leste a oeste. Estes pastos e matas estavam sendo irrigados por muitíssimos rios, largos e extensos e com águas limpas, onde plácidos caudais, correntezas impetuosas e enormes cachoeiras, mostravam seu belo caudal em longos percursos.
As divisas ao oeste eram formadas por linhas secas ou por rios, isto é, em intervalos, havia trechos em que o país encostava suas terras em outros países, igualmente virgens e quase não explorados. Mas, em outros trechos, os países vizinhos eram separados por rios enormes, de águas límpidas e potáveis. Por outro lado, parte do norte e todo o leste, era de formação litorânea, isto é, os extremos das terras eram banhadas pelo Oceano Atlântico.
Enormes lagos disseminavam-se pelo seu território. Com toda essa água, somadas as águas dos lagos, rios, igarapés e fontes, este país era uma potência em águas sumamente claras e habitadas por uma variedade infinita de peixes e de todas as espécies da fauna aquática imagináveis. Falando em fauna, temos, também, lembrar que nessas matas infindáveis, a flora medicinal estava presente em todo o território. A exemplo da fauna aquática de água doce e fauna marinha, a terrestre compunha-se de milhares de espécies de bichos, aves, passarinhos delicados, répteis e insetos, peçonhentos e isentos de veneno, que só existiam e sobreviviam nessas matas e campinas. Nos alagados, além de peixes em profusão, de variadas espécies e tamanhos, infestavam-nos os jacarés.
O clima tropical tornava-lhe a terra fértil e apta a produzir qualquer fruto de clima quente. Somente bem ao sul desse país havia clima temperado. Bem marcadas eram as quatro estações, sendo o inverno intenso, bem rigoroso, por vezes, com fortes geadas e, até, neves, em contrapeso dos verões, de temperatura bastante elevada.
Apesar de ser moldado seu solo em largas planícies, coxilhas, colinas e vales, estavam também povoadas suas terras, desde o litoral até suas fronteiras com os outros países, nas suas linhas geodésicas de latitude e longitude, por extensas e altas montanhas, serras e altíssimas rochas que, por si só, pareciam montanhas. Por isso, de norte a sul, de leste a oeste, em seu solo alternavam-se planícies extensas e sinuosidades escarpadas.
Mas as melhores fatias, em toda essa beleza e magnitude, via-se em suas praias, que beijavam seu litoral de norte a sul. Esses extensos e brancos areais que se deixavam acarinhar pelas ondas do mar, algumas revoltadas, de altas ondas surrando rochedos e, outras, de brandas e mansas marolas, no decurso de todo o litoral norte, nordeste, leste e sul.
Para efeito de contar esta lenda vamos dar mais ênfase ao litoral e interior norte e nordeste desse país. É ali que se alternam salinas e lindas praias de areias branquinhas, que faziam e ainda fazem a festa dos olhos de quem as admira, a cada vez que as visita e contempla e se extasia com elas.
Para quem veio do centro do país, tentando alcançar esse fabuloso litoral, degustando a beleza dos sertões nordestinos, há de ter-se admirado com a fartura de madeira de lei, aproveitável na indústria da madeira, que se mantinham garbosamente de pé naquela época, em enormes glebas. As grossas árvores tinham esse orgulho: faziam parte limítrofe da selva amazônica. Essa inimaginável floresta que se sobrepunha, em tamanho e importância, a todas as selvas do mundo. E isso lhes dava uma importância que consagrava e definia esse orgulho.
Aqueles que se dizendo descobridores, povoavam, desbravando e saqueando esse enorme país, não se cansavam de trazer autoridades. Era gente para representar o rei de lá; eram padres para ensinar a doutrina deles para os índios, que, na ideia deles, eram pagãos (por isso os fizeram escravos) e era gente de mão-de-obra especializada pra todo o tipo de trabalho, inclusive para construção de igrejas e catedrais.
Entre esses religiosos católicos veio o recém nomeado Bispo por “El Rei”, Dom Pero Fernandes Sardinha, da cidade de Setúbal.
Como, quem casa quer casa, quem foi nomeado Bispo pelo Rei, e ainda mais, para tão importante missão, qual seja, ser o primeiro prelado com o barrete do bispado a pisar em terras desse país, uma espécie de Bispo de anel, este Bispo quer sua catedral. E assim sendo, familiarizou-se devidamente com o material existente para a mais pomposa construção a ser erigida, vista e visitada em todos os tempos, no futuro. Escolheu os sertões nordestinos para lhe fornecerem a matéria-prima para a obra que deveria coresponder à importância da religião, à qual serviria de casa.
Os homens que lhe foram postos à disposição para o trabalho bruto e obtenção de mão-de-obra não paga, constituíam-se de um batalhão de filhos da terra, ludibriados com a promessa de “catequização” e consequente felicidade eterna no reino de Deus. Ordenou-lhes o Bispo que escolhessem a melhor madeira daqueles sertões. E assim foi feito. Sem mesmo saber quantas árvores fossem necessárias, assim mesmo quase todas foram derrubadas. Com elas construíram dos pavilhões os exteriores e interiores. Por sua vez os artífices e oficiais de carpintaria, com exímia arte gótica e detalhes e relevos igualmente pomposos, deram o acabamento àquela, que era a primeira e a mais primorosa das catedrais que surgissem naquele país. Encomendou vitrais de França; castiçais e ornamentos também europeus e preencheu todos os demais pormenores com caros e luxuosos artigos do velho mundo.
Vagarosamente foi surgindo um monumento ao status da Igreja, digno das dimensões do orgulho de Dom Pero Fernandes Sardinha. Em três anos de trabalhos sem interrupção, essa “Casa de Deus” encantou e maravilhou a todos quantos se aproximassem dela.
Em seu interior, o bispo sentia-se como o lídimo ocupante de um palácio real. Mas, como aquele palácio era de dimensões extravagantemente grandes, houvera sido gasto uma imensidão de madeira que, guardando as proporções, quase aniquilara quase todas as mais dignas árvores existentes nos sertões do nordeste do país. Sem se importar com o fato de estarem destruindo a natureza e as milenares florestas que a enobreciam, começaram a derrubar indiscriminadamente todas as árvores com porte de madeira a ser serrada para delas obter as tábuas de que necessitassem para a construção. E, assim, destruíram o mais belo dela, que são as suas matas virgens. Somente ficaram as árvores novas que não serviam ainda para a finalidade... e, mesmo assim, mutiladas pela queda dos pesados troncos sobre elas.
Das mais lisas tábuas, sem nós nem manchas, que saíram dessa madeira, foi construído esse palácio – o templo do primeiro bispo do país. As restantes, muitas, foram relegadas ao apodrecimento.
Dom Pero Fernandes Sardinha reinava em seu palácio/catedral com pompa e com a autoridade que lhe conferia o importante cargo.
Os povos indígenas, fiéis administradores e cuidadores das matas daquele país e hábeis defensores, camuflados por entre as folhagens dos arredores da florescente povoação onde foi construída a catedral, esperavam pacientemente. Aguardavam o momento propício, estudando os hábitos do bispo, para capturá-lo e castigá-lo em nome do deus da natureza e de seu povo, por ter extinto a floresta que lhes dava sustento todos os dias. Descobriram que, em intervalos de semanas, o Bispo navegava com sua comitiva as águas da orla, visitando pontos do litoral e os “fiéis” ali residentes. Planejamentos foram feitos em lugares ermos, distantes da catedral. Deixariam aos irmãos canibais fazerem a festa, quando se apresentasse a ocasião.
O tempo foi passando e o silêncio reinava na escura e temível floresta. Os indígenas canibais, da tribo dos Caetés, que se alimentavam de peixes, frutas e carne humana, espalhavam-se por toda a orla marítima do nordeste. Povoavam, também, esse litoral, perto das lindas praias, suntuosos e floridos bancos de coral. Para quem navegava, não conhecendo esse detalhe, corria grande risco de ser-lhe barrada a nau por esses monumentos que a natureza plantara no mar, em defesa da terra firme.
E Dom Pedro Fernandes Sardinha, Bispo nomeado pelo Rei para ser o primeiro a coordenar a catequese dos povos indígenas, navegava, ele e mais noventa e sete tripulantes e colaboradores, em águas perigosas, próximo à foz do rio Coruripe. E aconteceu o provável... o barco encalhou e naufragou.
Os índios, que ali na praia pescavam sua refeição, vendo a luta dos homens brancos para safar-se do naufrágio e morte iminente, despareceram por entre as folhagens da mata, tão silenciosos quanto aguardavam o momento exato de fisgar um peixe.
Quando o Bispo e seus acompanhantes finalmente estavam a salvo na praia, os indígenas caíram sobre eles e aprisionaram-nos. Desnudaram seus corpos; amarraram seus braços e prepararam caldeirões. Não atenderam seus lamentosos rogos; não respeitaram escalas hierárquicas e, um por um, foram devorados.
O triste fato constatado, após comunicado a El rei. entrou contristado para a história.
Contado foi, à meia boca, pelas gentes que conheceram e acompanharam a construção da Catedral, que Dom Pedro Sardinha, em seus últimos anos de vida terrena, andava triste, abatido, com remorsos da sua cumplicidade nos grandes estragos feitos, infligindo à natureza os vândalos atos de mutilação das suas matas. Agora, em suas preces ao Criador, prestes a abandonar este corpo para servir de refeição ao povo canibal da terra escolhida para seu reinado cristão, Dom Pedro pedia a Deus lhe cocedesse a graça de reparar o mal feito, obra do seu orgulho terreno.
Os indígenas banquetearam-se com a carne. O espírito, liberto desse rústico móvel de transporte terreno, sentiu-se confuso e mal direcionado. A princípio, na nebulosa da semi-inconsciência, valeu-se do tempo necessário para readquirir o estado normal da sua lucidez. Familiarizando-se com o seu novo status e com as paragens onde, em constantes buscas, procurou localizar-se para tomar pé da sua nova situação, pois, disso deu-se conta ao acordar – era só espírito novamente – Deu-se conta, também, que a expiação das chagas adquiridas pelo orgulho, recebeu uma importante missão: a de apaziguar a natureza e de adaptá-la ao novo comportamento e razão de ser naquelas terras.
Logo que lhe foi dado recuperar a força necessária, o espírito Dom Pero Fernandes Sardinha perambula, a pé e de pés descalços, no tempo dos homens, desde séculos remotos, para dar comprimento à sua nova missão. Por terras do norte e nordeste daquele lindo país, onde quer que nasçam novas árvores, exorta-as desse comportamento.
Conta-se por quem cruza o cerrado em noites do escasso palor da lua nova, agora aqui, depois acolá, ouve-se sua voz cavernosa, mas de potente virilidade, proferindo estas palavras:
– Por meu orgulho, criaturas amadas de Deus que perfazeis a natureza, fostes mutiladas. Peço-vos meu perdão e que me escuteis. Guardai-vos do orgulho de serdes a essência da natureza das coisas vivas vegetais. Não desenvolvei toda a vossa potencialidade. Crescei tortas, de menor diâmetro e estatura. Dai flores e frutos e abrigo para os animais selvagens e pássaros. Assim sereis louvados por preencherdes vosso espaço e caracterizardes nova categoria de matas. Ela, a natureza, vossa mãe, cuidará para que nenhuma serra vos serre o tronco e nenhuma brasa vos torne carvão, com as bênçãos de Deus, nosso pai.
Estas coisas aconteceram num antigamente muito antigo. Há muito tempo, pois, havia um país recém habitado pelos humanos brancos civilizados. Mas este só era um detalhe, pois conta a história a lenda de um país diferente dos outros. Era uma terra bendita e enorme, em que tudo o que se plantava crescia e dava frutos. Tinha riquezas vegetais e minerais para todos os que nela nascessem e vivessem. Tinha, também, vida selvagem m sua fauna. Eram tantas as riquezas que seu solo guardava sobre a terra e embaixo dela, que, os que vieram explorá-la, não conseguiram carregar em seus navios tudo. Em seu entender, os que nesse país chegaram, todo esse acervo presumiam ser de sua propriedade exclusiva.
Comparado ao tamanho de todos os outros países (ou quase todos) do mundo, este era de dimensões continentais. Tão grande era, que quase cabia o continente europeu, já conhecido, todinho dentro dele.
Era um país coberto por campinas verdinhas e florestas enormes, com árvores milenares de grande diâmetro, cuja madeira era muito nobre e valiosa. Contaram os que viram este país, in natura, enquanto não havia sido “descoberto” e explorado ainda, que as verdes florestas e os campos cheios de pasto alternavam-se de norte a sul, de leste a oeste. Estes pastos e matas estavam sendo irrigados por muitíssimos rios, largos e extensos e com águas limpas, onde plácidos caudais, correntezas impetuosas e enormes cachoeiras, mostravam seu belo caudal em longos percursos.
As divisas ao oeste eram formadas por linhas secas ou por rios, isto é, em intervalos, havia trechos em que o país encostava suas terras em outros países, igualmente virgens e quase não explorados. Mas, em outros trechos, os países vizinhos eram separados por rios enormes, de águas límpidas e potáveis. Por outro lado, parte do norte e todo o leste, era de formação litorânea, isto é, os extremos das terras eram banhadas pelo Oceano Atlântico.
Enormes lagos disseminavam-se pelo seu território. Com toda essa água, somadas as águas dos lagos, rios, igarapés e fontes, este país era uma potência em águas sumamente claras e habitadas por uma variedade infinita de peixes e de todas as espécies da fauna aquática imagináveis. Falando em fauna, temos, também, lembrar que nessas matas infindáveis, a flora medicinal estava presente em todo o território. A exemplo da fauna aquática de água doce e fauna marinha, a terrestre compunha-se de milhares de espécies de bichos, aves, passarinhos delicados, répteis e insetos, peçonhentos e isentos de veneno, que só existiam e sobreviviam nessas matas e campinas. Nos alagados, além de peixes em profusão, de variadas espécies e tamanhos, infestavam-nos os jacarés.
O clima tropical tornava-lhe a terra fértil e apta a produzir qualquer fruto de clima quente. Somente bem ao sul desse país havia clima temperado. Bem marcadas eram as quatro estações, sendo o inverno intenso, bem rigoroso, por vezes, com fortes geadas e, até, neves, em contrapeso dos verões, de temperatura bastante elevada.
Apesar de ser moldado seu solo em largas planícies, coxilhas, colinas e vales, estavam também povoadas suas terras, desde o litoral até suas fronteiras com os outros países, nas suas linhas geodésicas de latitude e longitude, por extensas e altas montanhas, serras e altíssimas rochas que, por si só, pareciam montanhas. Por isso, de norte a sul, de leste a oeste, em seu solo alternavam-se planícies extensas e sinuosidades escarpadas.
Mas as melhores fatias, em toda essa beleza e magnitude, via-se em suas praias, que beijavam seu litoral de norte a sul. Esses extensos e brancos areais que se deixavam acarinhar pelas ondas do mar, algumas revoltadas, de altas ondas surrando rochedos e, outras, de brandas e mansas marolas, no decurso de todo o litoral norte, nordeste, leste e sul.
Para efeito de contar esta lenda vamos dar mais ênfase ao litoral e interior norte e nordeste desse país. É ali que se alternam salinas e lindas praias de areias branquinhas, que faziam e ainda fazem a festa dos olhos de quem as admira, a cada vez que as visita e contempla e se extasia com elas.
Para quem veio do centro do país, tentando alcançar esse fabuloso litoral, degustando a beleza dos sertões nordestinos, há de ter-se admirado com a fartura de madeira de lei, aproveitável na indústria da madeira, que se mantinham garbosamente de pé naquela época, em enormes glebas. As grossas árvores tinham esse orgulho: faziam parte limítrofe da selva amazônica. Essa inimaginável floresta que se sobrepunha, em tamanho e importância, a todas as selvas do mundo. E isso lhes dava uma importância que consagrava e definia esse orgulho.
Aqueles que se dizendo descobridores, povoavam, desbravando e saqueando esse enorme país, não se cansavam de trazer autoridades. Era gente para representar o rei de lá; eram padres para ensinar a doutrina deles para os índios, que, na ideia deles, eram pagãos (por isso os fizeram escravos) e era gente de mão-de-obra especializada pra todo o tipo de trabalho, inclusive para construção de igrejas e catedrais.
Entre esses religiosos católicos veio o recém nomeado Bispo por “El Rei”, Dom Pero Fernandes Sardinha, da cidade de Setúbal.
Como, quem casa quer casa, quem foi nomeado Bispo pelo Rei, e ainda mais, para tão importante missão, qual seja, ser o primeiro prelado com o barrete do bispado a pisar em terras desse país, uma espécie de Bispo de anel, este Bispo quer sua catedral. E assim sendo, familiarizou-se devidamente com o material existente para a mais pomposa construção a ser erigida, vista e visitada em todos os tempos, no futuro. Escolheu os sertões nordestinos para lhe fornecerem a matéria-prima para a obra que deveria coresponder à importância da religião, à qual serviria de casa.
Os homens que lhe foram postos à disposição para o trabalho bruto e obtenção de mão-de-obra não paga, constituíam-se de um batalhão de filhos da terra, ludibriados com a promessa de “catequização” e consequente felicidade eterna no reino de Deus. Ordenou-lhes o Bispo que escolhessem a melhor madeira daqueles sertões. E assim foi feito. Sem mesmo saber quantas árvores fossem necessárias, assim mesmo quase todas foram derrubadas. Com elas construíram dos pavilhões os exteriores e interiores. Por sua vez os artífices e oficiais de carpintaria, com exímia arte gótica e detalhes e relevos igualmente pomposos, deram o acabamento àquela, que era a primeira e a mais primorosa das catedrais que surgissem naquele país. Encomendou vitrais de França; castiçais e ornamentos também europeus e preencheu todos os demais pormenores com caros e luxuosos artigos do velho mundo.
Vagarosamente foi surgindo um monumento ao status da Igreja, digno das dimensões do orgulho de Dom Pero Fernandes Sardinha. Em três anos de trabalhos sem interrupção, essa “Casa de Deus” encantou e maravilhou a todos quantos se aproximassem dela.
Em seu interior, o bispo sentia-se como o lídimo ocupante de um palácio real. Mas, como aquele palácio era de dimensões extravagantemente grandes, houvera sido gasto uma imensidão de madeira que, guardando as proporções, quase aniquilara quase todas as mais dignas árvores existentes nos sertões do nordeste do país. Sem se importar com o fato de estarem destruindo a natureza e as milenares florestas que a enobreciam, começaram a derrubar indiscriminadamente todas as árvores com porte de madeira a ser serrada para delas obter as tábuas de que necessitassem para a construção. E, assim, destruíram o mais belo dela, que são as suas matas virgens. Somente ficaram as árvores novas que não serviam ainda para a finalidade... e, mesmo assim, mutiladas pela queda dos pesados troncos sobre elas.
Das mais lisas tábuas, sem nós nem manchas, que saíram dessa madeira, foi construído esse palácio – o templo do primeiro bispo do país. As restantes, muitas, foram relegadas ao apodrecimento.
Dom Pero Fernandes Sardinha reinava em seu palácio/catedral com pompa e com a autoridade que lhe conferia o importante cargo.
Os povos indígenas, fiéis administradores e cuidadores das matas daquele país e hábeis defensores, camuflados por entre as folhagens dos arredores da florescente povoação onde foi construída a catedral, esperavam pacientemente. Aguardavam o momento propício, estudando os hábitos do bispo, para capturá-lo e castigá-lo em nome do deus da natureza e de seu povo, por ter extinto a floresta que lhes dava sustento todos os dias. Descobriram que, em intervalos de semanas, o Bispo navegava com sua comitiva as águas da orla, visitando pontos do litoral e os “fiéis” ali residentes. Planejamentos foram feitos em lugares ermos, distantes da catedral. Deixariam aos irmãos canibais fazerem a festa, quando se apresentasse a ocasião.
O tempo foi passando e o silêncio reinava na escura e temível floresta. Os indígenas canibais, da tribo dos Caetés, que se alimentavam de peixes, frutas e carne humana, espalhavam-se por toda a orla marítima do nordeste. Povoavam, também, esse litoral, perto das lindas praias, suntuosos e floridos bancos de coral. Para quem navegava, não conhecendo esse detalhe, corria grande risco de ser-lhe barrada a nau por esses monumentos que a natureza plantara no mar, em defesa da terra firme.
E Dom Pedro Fernandes Sardinha, Bispo nomeado pelo Rei para ser o primeiro a coordenar a catequese dos povos indígenas, navegava, ele e mais noventa e sete tripulantes e colaboradores, em águas perigosas, próximo à foz do rio Coruripe. E aconteceu o provável... o barco encalhou e naufragou.
Os índios, que ali na praia pescavam sua refeição, vendo a luta dos homens brancos para safar-se do naufrágio e morte iminente, despareceram por entre as folhagens da mata, tão silenciosos quanto aguardavam o momento exato de fisgar um peixe.
Quando o Bispo e seus acompanhantes finalmente estavam a salvo na praia, os indígenas caíram sobre eles e aprisionaram-nos. Desnudaram seus corpos; amarraram seus braços e prepararam caldeirões. Não atenderam seus lamentosos rogos; não respeitaram escalas hierárquicas e, um por um, foram devorados.
O triste fato constatado, após comunicado a El rei. entrou contristado para a história.
Contado foi, à meia boca, pelas gentes que conheceram e acompanharam a construção da Catedral, que Dom Pedro Sardinha, em seus últimos anos de vida terrena, andava triste, abatido, com remorsos da sua cumplicidade nos grandes estragos feitos, infligindo à natureza os vândalos atos de mutilação das suas matas. Agora, em suas preces ao Criador, prestes a abandonar este corpo para servir de refeição ao povo canibal da terra escolhida para seu reinado cristão, Dom Pedro pedia a Deus lhe cocedesse a graça de reparar o mal feito, obra do seu orgulho terreno.
Os indígenas banquetearam-se com a carne. O espírito, liberto desse rústico móvel de transporte terreno, sentiu-se confuso e mal direcionado. A princípio, na nebulosa da semi-inconsciência, valeu-se do tempo necessário para readquirir o estado normal da sua lucidez. Familiarizando-se com o seu novo status e com as paragens onde, em constantes buscas, procurou localizar-se para tomar pé da sua nova situação, pois, disso deu-se conta ao acordar – era só espírito novamente – Deu-se conta, também, que a expiação das chagas adquiridas pelo orgulho, recebeu uma importante missão: a de apaziguar a natureza e de adaptá-la ao novo comportamento e razão de ser naquelas terras.
Logo que lhe foi dado recuperar a força necessária, o espírito Dom Pero Fernandes Sardinha perambula, a pé e de pés descalços, no tempo dos homens, desde séculos remotos, para dar comprimento à sua nova missão. Por terras do norte e nordeste daquele lindo país, onde quer que nasçam novas árvores, exorta-as desse comportamento.
Conta-se por quem cruza o cerrado em noites do escasso palor da lua nova, agora aqui, depois acolá, ouve-se sua voz cavernosa, mas de potente virilidade, proferindo estas palavras:
– Por meu orgulho, criaturas amadas de Deus que perfazeis a natureza, fostes mutiladas. Peço-vos meu perdão e que me escuteis. Guardai-vos do orgulho de serdes a essência da natureza das coisas vivas vegetais. Não desenvolvei toda a vossa potencialidade. Crescei tortas, de menor diâmetro e estatura. Dai flores e frutos e abrigo para os animais selvagens e pássaros. Assim sereis louvados por preencherdes vosso espaço e caracterizardes nova categoria de matas. Ela, a natureza, vossa mãe, cuidará para que nenhuma serra vos serre o tronco e nenhuma brasa vos torne carvão, com as bênçãos de Deus, nosso pai.