Coronel Joselino de Freitas
O coreto no centro, enfeitado de pedra sabão,
Piso preto e branco, cercado de ferro forjado
Antigo, enferrujado, circulado, pintado no natal.
No centro: Um busto de Getúlio Vargas,
Sisudo empertigado, solene e engravatado.
Do lado, o corpo caído do Coronel Joselino Freitas.
A casa grande, onze quartos, quatro salas,
Batente de mogno e jacarandá, banheira
De água quente, um luxo. “A esposa não sai de dentro”
O quintal é piscina, amigos abastados. Tudo
Bonito e amado.
Um filho é doutor. Movél de imbúia. Cristaleira,
A cadeira é toda acoxoada.
É amigo do governador.
Viagem, foto de Portugal.
“Até massagem recebe ”
Ao lado do coreto: O corpo caído de coronel
Joselino Freitas:
Tão poderoso.
- Não passa aqui sem perguntar!”
- Quem?
- Toda gente importante da Bahia.
Outro filho é deputado, coisa fina. Só usa
Terno e gravata. Tudo novinho. Nesse calor? Sim.
Até gente da televisão conhece! Deveras. Deveras.
Casou a filha com Advogado, é senhor, tem qualidade
Cidade é sitiada, é terra que não acaba. É vaca
É boi, é cabrito. Carro é do ano. Um pra cada coisa.
O avião quando passa
Deixa os meninos doido. Em tempo de cair
E machucar a cabeça.
Não lambe o chão, é gente rica,
É generoso na política. Já deu comida, emprego,
E fogão a gás. Aperto de mão, é simpático
Até abraço, acredita? . Que simplicidade!
É homem de trato, nem parece rico.
Dá até carro pra levar doente pra Conquista.
- Como pode ser bom assim?
-Parece coisa de Deus...
- Não gosto da filha mais velha. É muito metida!
- É porque você não conhece direito. É tudo gente boa!
Da venda de Lourival Coelho, se vê
No final do corredor do Jardim:
Dá de frente. Bem olhando no meio. É só reparar bem.
Lá, do lado do coreto, antes do pé de bambu.
Uma mancha no chão, parece gente.
Caído, sem ninguém ver, perdido:
O corpo do Coronel Joselino de Freitas.
A rua toda calçada, antes era só buraco!
- Povo fala que roubou. - Essa gente
Fala demais. - Olha como agora a vida
É boa. A menina está engordando de tanto
Que come e gosta da merenda da escola.
- O dinheiro é do Estado.
- Não é dele?
- Você parece que não sabe das coisas...
Os meninos estuda fora, não sai
De casa, nem joga bola, não se mistura
Não dá mole, vive dançando
Só bebe água se for comprada.
Filtrata, empacotada, gosta de limpeza.
Nunca teve um dente estragado.
A fala é diferente como nos filmes
E nas novelas. E já viajou para os estados unidos
Pra aprender inglês. A namorada parece uma princesa,
Tão bonita que é!
- E você viu?
- Como não...comprando creme pra passar na pele.
- E passa?
- No cabelo também!
- Nossa senhora!
O sol se deita lá na serra.
E conforme dorme, amarela
A calçada, de bronze são banhadas
As árvores, que flutuam com o vento
Morno e as andorinhas tropeçam
Nelas mesmas. É bonito de se ver.
E o chão fica todo cagado.
Começa uma chuva de trovoada,
As pessoas tentam se esconder. Lourival
Vende mais cachaça, o pão está saindo.
Um cheiro bom de fermento assado.
A meninada já chega pra buscar.
Pão e manteiga.
O vento empurra com violência
As amendoeiras que populam
A praça, frutos caem pelo chão
Avermelhados e até verdes,
As folhas. Outro espetáculo:
Quando mistura com as merdas
De passarinho
E os meninos limpam na ponta da camisa
E comem até epazinar...
- Eu que não tenho dó, tudo tem pai e mãe.
Na casa grande. A lareira é ligada
Café com leite, quentinho!
- Uma quentura dessa e eles usam
Lareira, os pauzinho tudo cortadinho, precisa ver.
Parece um forninho na parede.
- Eu nunca vi um troço desse.
- No dia que eu fizer um serviço lá eu te mostro.
- O pão é levado lá...
- Entrega é?
- Todo dia...Todo santo dia...
Do lado do coreto, reformado
no natal, com banda de música
e discurso. Um homem dorme
ao relento, molhado: Coronel Joselino de Freitas.