A Nua.
Sor Luci nos seus últimos momentos de religiosa, conversa livremente no seu aposento como si estivesse dialogando com seu confessor, o padre Recinto.
- Depois de umas atitudes minhas durante alguns meses, começou a chegar-me cartas, chamadas de atenção, conselhos, até por fim, a retirada da congregação – sei irmão, já tinhas-me dito, sempre tens dito – a noticia era conhecida em todas partes e as irmãs andavam preocupadas comigo, não podia confiar nelas, Sor Constância é quase minha sombra, sabeis que me tiraram as chaves e o comando de algumas atividades?, Se antes queria fazer mais, agora não posso fazer nada. Será uma noite longa e sem trégua.
Necessitava contar com o apoio de alguém neste retiro - Por isso digo-te, embora somente escutes.
Como teria suportado? Estaria eu entorpecida? Cega?,
Como explicar-me tanto tempo revestida neste manto; sinto-me um fiasco correndo atrás de um coelho branco, letras soltas em um bloco sagrado de capa dura… Dar-me-ia conta agora?
Não sei, uma hóstia apimentada tal vez? ou o rosário e suas múltiplas funcionalidades?
Oh não irmão – preciso ser sincera agora e não medir-me mais ...
Certo é que tinha-me cansado de varrer o pó da igreja, de continuar lendo coisas decoradas, podia recitar sem ver-las, Por que me negar a celebrar uma missa?; era a mesma essência em outras roupas… Mas eram outras vestes aos olhos santos e a seus ouvidos.
Este é meu último lamento entre estes quatro ângulos, minha mala esta quase pronta, o que deixe não mais me servirá, este velho hábito de noiva e esposa de Deus não lhe pertence a uma divorciada. A bíblia a levo, sempre é útil para quem sabe recobri-la, e a você meu querido irmão! Deixo-o com seus grandes votos, estas paredes sabem absorver nossas estações. Para você fica um outono esperançoso.
Nesse momento, escutam-se passos acercarem-se.
- Digo-lhe irmão, deve ser Sor Constância a dar-me sua finita companhia.
- Boa noite irmã Luci
- Boa noite irmã Constância.
- Vim trazer uns objetos seus, a irmã Consolação me disse que esta pequena caixa guardou desde que entrou ao convento.
- Pois nem lembro seu conteúdo, devem ser velhas cartas e fotografias.
- Sim e uns naperons rendados que teria sido claro, é uma pena que não se tenha podido conservar nesta embalagem.
- Oh o vestido branco!
Um silêncio precipitado invade a conversa. Sor Constância sabe que não pode mais permanecer, pede licença gesticulando sinal da cruz ao distanciar-se. Luci dorme de olhos abertos sobre o vestido que em outro calendário marcara ilusões, ilusões de outros. Para não casar-se com um homem, decide casar-se com um Deus. Agora estava sentada no leito, em uma mão a renda desluzida cheirando a papelão, em outra, um hábito preto sem odor algum. Tentou provar o vestido sem sucesso, não há noiva, nunca seria boa esposa; de alguma forma ou de outra era a mesma essência em diferentes tons e este seria seu retrato em branco e preto.
- Sim irmão Recinto, ainda estou aqui; porém devo confessar que antes que estas velas consumam seu pavio, meus sonhos não mais adormeceram sobre estes lençóis e partirei com o único bem que me resta. A metade de uma noite deva servir para uma viagem, é assim meu prezado irmão, como quero recostar a cabeça em uma janela fria onde já fixaram reflexos. Outro dia é amanhã para uma mulher separada de vestidura sem aparências.
Ela soltou as roupas, recolheu a bagagem e retirou-se do quarto, passou pelos corredores, fez sinal da cruz diante a capela, cariciou as paredes em quanto enfrentava a porta principal, abriu-a devagar e sem olhar atrás foi andando até a próxima estação.