CONSCIÊNCIA



Por Walter de Queiroz Guerreiro



Estavam no centro da nave principal, os pilares em toda volta unidos em arcos de ferradura, as abóbadas em ogiva cruzadas formando figuras geométricas, quadrados dentro de quadrados, círculos dentro de círculos cortados por arcos, e acima das arquitraves a iluminação suave e rebatida da luz zenital. As colunas principais, de mármore verde, suportavam os arcos, alternadamente listrados com mosaicos brancos e pretos. O piso, todo em mármore quadriculado em branco e preto repetia o padrão da alternância, que os arquitetos tinham dado àquela mesquita em Konya na Anatólia, o motivo da luz e escuridão, a luz sendo compreensão e o negro sabedoria, a expressão viva do Sura 24: “os atos dos que se regem por si sós são como a escuridão, treva sobre treva, não tem luz alguma o que não tem a luz de Allah”. Saber o significado real da sabedoria é o que eles buscavam: Luz sobre Luz, Allah é a Luz dos céus e da terra. Chegaram de todos os lados, deslizando suavemente nas babuchas,altos,muito altos e magros,jovens, todos vestidos de branco,em suas longas túnicas e jalecos,as cabeças alongadas por enormes barretes como capitéis,tais como colunas que subitamente adquirissem vida pelo movimento, mas não nos rostos impassíveis.Um a um,dois,dez, até perfazer treze,o número de discípulos daquele dia,igual aos outros,treze,o princípio da atividade do três da manifestação divina com o dez da conclusão e da volta à Unidade, perfazendo assim o número do renascimento. Eram treze, entretanto poderiam ser apenas dois, pois quando vês junto dois Sufis,vês os dois e vinte mil.
O dhikr estava para principiar. O mullah dervixe, coberto pelo manto azul escuro, com os remendos cuidadosamente costurados e usando o alto fez branco, acenou para os treze mevlevi que se dispuseram em duas fileiras, as longas túnicas brancas até o chão, as cabeças cobertas de altos barretes negros. A um repentino bater de palmas do mestre, começaram a oscilar, para a esquerda e para a direita, acompanhando a palavra Hoo , do mestre, os braços cruzados sobre o peito, as mãos espalmadas para cima, no estado de contração. Imperceptivelmente principiaram a se deslocar, o som das flautas e dos tamborins vindo através dos arcos, imprimindo o ritmo. Cada homem com o pé esquerdo firmemente apoiado, representado o eixo central, movimentou o direito iniciando um giro, como um planeta em torno de seu eixo, o conjunto dos treze homens girando em torno do mestre, no centro do círculo como um sol. Gradualmente foram se expandindo, abrindo os braços e abaixando a cabeça sobre o ombro direito, a velocidade aumentando, o braço direito subindo para receber a Emanação Divina, o esquerdo abaixando em direção ao solo, para devolver seu dom à Terra. A dança como estado de circulação do espírito em torno do ciclo de existência de todas as coisas, recebendo os efeitos das sucessivas revelações, como estado místico.
A velocidade cada vez maior, as túnicas voando paralelo, o corpo cada vez mais preso ao solo e o espírito cada vez mais livre em busca da fonte divina, atingindo o mistério, tirando da escuridão visível o bastante para mostrar, e o suficiente para esconder a verdade profunda.

Notas do autor: Dhikr - Exercício dos dervixes, de recolocação, no sentido de tomada de consciência, através da baraka, a transmissão espiritual.
Mevlevi - Uma das principais ordens de dervixes, a dos dançarinos, pela especialização nesse exercício de tomada de consciência.
Hoo - Palavra litúrgica dos dervixes, usada para produzir estados místicos, Hoo é a energia do Criador, parte do mantra sufi : Allah hoo.