O menino, o demônio e a loucura.
Filhos de pais católicos Francisco de Assis sempre foi um menino especial. Quando se entendeu por gente já estava na missa de domingo cantando as tradicionais canções católicas. Na escola, era um ás. Aprendia tudo com facilidade e, numa velocidade que surpreendia os professores e despertava inveja nos pequenos colegas da sala.
-" Quando Jesus, passar, quando Jesus, quando Jesus passar eu quero estar no meu lugar"-
Cantava Francisco naquela manhã de domingo com os outros colegas de catecismo, antes do início da missa.
Sabia todas as músicas da liturgia da tradicional missa das crianças. Idade para fazer a Primeira comunhão não tinha mas, foi tanto seu interesse, tamanha participação no dia -a -dia da Igreja, que os catequistas, com a anuência do pároco , permitiram- no , aos nove anos de idade, fazer a Primeira Eucaristia sendo o mais novo da sala. Era um marco na vida do menino, uma alegria sem tamanho.
No domingo seguinte àquela missa seria o grande dia. Os pais dividiam com o pequeno Francisco toda alegria. No quintal da casa engordavam um Capão e um leitão. A festa seria grande.
" Quando Jesus passar, quando Jesus passar eu quero estar no meu lugar" cantava mais forte e mais alto a criançada.
De repente um silêncio total. As crianças pararam de cantar diante de um Francisco caído no chão tremendo todo o corpo.
Alguns coleguinhas assustados correram. Outros ficaram ali enquanto os catequistas e o padre que se preparavam para iniciar o oficio religioso, correram em seu socorro. Era, sem duvida, um ataque epiléptico, mas, naquele tempo quase ninguém naquele lugar saberia identificar o que seria aquela doença.
A vida de Francisco mudou radicalmente a partir daquela manhã. Naquele tempo as informações não tinham a mesma velocidade de hoje. Ainda imperava a ignorância e Francisco começou a sentir isso na pele.
Por recomendação do padre os pais levaram o garoto no dia seguinte, depois da crise, ao posto de saúde.
Medicamentos eram raros. Medico era a coisa mais difícil do mundo e quem acabava consultando o povo eram mesmo os auxiliares de enfermagem. Alguns, por acertarem com os remédios para verme, dor de barriga e dor de cabeça acabaram ficando mais famosos e mais importantes do que os raros médicos que apareciam ali uma vez na vida e outra na morte. Foi um desses auxiliares que " consultou" Francisco.
- Besteira, isso não é nada não. Não mande mais esse menino sem tomar café para Igreja “-
Disse o “doutor enfermeiro” insinuando que o desmaio tinha sido de fome. Não foi. Os pais de Francisco eram pobres, porém não passavam fome. Eles tentaram retrucar aquele diagnostico precipitado, no entanto “ o doutor” tinha pressa. Havia outros para consultar.
" Vá para casa e alimente direito seu filho" disse o auxiliar quase que empurrando pai, mãe e filho do consultório.
"O demônio tinha se apossado do menino" diziam os moradores mais antigos e ignorantes do lugar.
De tanto falarem que o diabo tinha tomado posse do menino, por pura ignorância, os pais, sentindo-se pressionados, o tiraram da escola e não permitiram que ele fosse mais à Igreja. Tinham medo, tinham vergonha. Temiam algum tipo de agressão contra o menino.
Sabiam que não tinha nada com demônio. Sabiam que era uma doença só não sabiam qual. Davam todo topo de beberagem para o garoto e nada. Uma agitação, por menor que fosse, lá estava Francisco caído, babando pelo canto da boca diante dos pais assustados. A rezadeira mais famosa do lugar não saí a da casa de Francisco. Rezava, rezava e nada da cura.
Isolado, discriminado por quase todos os moradores daquele lugar distante e, o pior, sem o devido tratamento, o juízo de Francisco foi embora anos depois.
Ficou para trás a lembrança daquele menino bonito, inteligente, que não perdia uma missa e que um dia chegou a dizer aos pais que queria ser padre.
Mesmo insano Francisco desenvolveu o hábito de aos domingos fugir de casa para a porta da Igreja. Ficava ali do lado de fora ouvindo de longe as antigas canções dominicais.
- Quando Jesus passar, quando Jesus passar...-
Francisco ouvia, e misturava riso com choro.
Um dia, nas suas andanças pela ruas do lugar, já com os seus 30 anos, Francisco se encantou com um caminhão que entregava mercadoria numa quitanda. O encanto foi tão grande que passou o dia inteiro seguindo discretamente o carro; foi tão grande o fascínio que do alto da sua insanidade, ao perceber que o veiculo deixaria a cidade, começou a correr atrás dele.
Francisco correu desesperadamente. Não se sabe como encontrou tanta energia para alcançar o veiculo e, sem ser visto, subir e se esconder debaixo da lona que cobria a corroceria. Ali ficou ali dormiu até chegar ao desconhecido destino.
Quem passa hoje por aquela praça da maior cidade do Brasil, nem imagina que aquele homem, já com os seus 50 anos, sujo, andrajoso, com uma barba até a altura da barriga, um dia foi um bela criança, que cantava as musicas da Igreja, era o melhor aluno da sua sala, que queria fazer a Primeira Comunhão e que um dia sonhou em ser padre.