Um rosto ainda jovem
- Caiu no meio da praça. Coitada!
Entrei acompanhado de meu pai. As paredes velhas e vários pôsteres do Flamengo, um verde esmaecido cobria os tacos estragados.
- É esse ai?
- Sim
- Primeira vez, rapaz?
- Sim, senhor!
- Cresceu seu filho em Joaquim.
- Viu só? Quase da minha altura
- Ai todo mundo correu pra socorrer. Ainda bem que não aconteceu nada. Gosto daquela velhinha...
- Gente boa – respondeu o homem que estava sendo barbeado.
- Só ele Joaquim ou você também?
- Só o menino, Nel.
Nel continuou a contar o caso. Minha barba estava grande, primeira vez que faria na barbearia. Estava nervoso. Ele se aproximou da prateleira dos fundos e abaixou o volume do rádio. Um semp de quatro botões.
- Chiadeira nojenta!
- É o tempo que está ruim – respondeu de novo o homem
- Gosto de sol.
- Esses dias tem chovido muito na cidade.
- Estranho nessa época do ano. Olha esse vento....
- Ou será que você deveria ter trocado esse rádio?
- Troco não. Isso foi de mamãe. Meu xodó.
Meu pai abriu o jornal que estava no tamborete. Enquanto lia eu observa a paciência de Nel Barbeiro. Fazia seu trabalho, conversava e quando se distraia punha a assobiar. Era um tipo baixo, com a barriga caída sobre o cinto, os cabelos encaracolados e bonitos não combinava muito com seu corpo. De camisa branca e uma caneta azul espetada no bolso. Quando ria uma dentadura alumiava dentro da boca. Óculos sobre o nariz. Afastava, a cada momento, um pouco da cadeira pra ver melhor a qualidade do seu trabalho.
- Já está namorando, menino?
- Mais ou menos.
- Ele é tímido – Atravessou meu pai.
- Mas não pode. Mulher gosta de homem atirado. Eu e seu pai apavorava, lembra, Joaquim?
- Oh.
- A gente saia numa quinta feira, nessa época eu tinha uma namoradinha em Jequié. Lembra, Joaquim? Só voltava no domingo. Assim mesmo porque tinha jogo e meu pai tinha uma barraca no campo. Seu pai não ficava atrás. Nos micaretas. Só pegava as bonitas. Lembra, joaquim?
- Meu pai?
- Sim. A gente queria morrer. De raiva, sabe?
Pegou um espelho na parede e colocou atrás do seu cliente. Recebeu um sinal positivo.
- Pronto. Agora é sua vez – disse isso enquanto guardava o dinheiro que recebeu. Meu pai parecia não ligar para os movimentos. Sumia a cabeça nas páginas do Correio da Bahia. Eu sentei. Ele levantou a cadeira com uma maçaneta. Enquanto rodava via no seu rosto um sorriso congelado. Cobriu com um toalha branca meus ombros.
- Só a barba?
- Cabelo também né, pai?
- O que? Há sim. Péla ele Nel...
- Espera um pouco...
Foi até uma porta lateral e trouxe uma tigela com água quente. Tirou de dentro uma toalhinha branca, que foi torcida. E colocou sobre meu roso. Deitei minha cabeça no encosto da cadeira... Fiquei nesse aquecimento bem uns cinco minutos. De olhos fechados eu ouvia o folhear do Jornal e o rádio distante, tocando uma canção de Nelson Gonçalves...
- Tá tudo bem?
- Sim.
Bateu a espuma e depois passou no meu rosto. Tive a fantasia daquilo ser uma barba branca. Aproximou a navalha. Olhei de novo meu pai. Continuava escondido. Percebi que estava confiando naquele homem truncado com navalha afiada no meu rosto. Quando acabou:
- Joaquim, sem barba é sua cara quando mais moço...
- Eu era mais bonito – rindo - Quanto foi?
- Você era sortudo, isso sim!
- Pode ser .
- Cinquenta cruzeiros
Meu pai pagava a conta e eu olhava no espelho.
“Se seu Nel Barbeiro estiver certo, meu pai era muito bonito!” – Pensei
enquanto alisava meu rosto ainda jovem.