O troco

Calixto era um sujeito mulherengo contumaz. Sua fama de Don Juan já ultrapassava os limites da minha querida Soterópolis. Ganhava o mundo... Como dizem por aí a fora que malandro de mais se atrapalha, a vez dele se atrapalhar quase chegou. Digo quase porque Marilda, morenaça matreira e sua mais recente conquista, tentou deixa-lo em maus lençóis. Porém, ele foi mais esperto e deu troco. Num domingo, terceiro dia após o início do namoro, dia convidativo para um belo relax nas areias salitrosas, e de apreciar o marzão azul turquesa, ele a convidou para um banho de mar. Calixto propalava em alto e bom som que toda moça que ele conquistava tinha que passar pelo teste do biquíni. Era uma estratégia que ele utilizava para observar se a futura namorada estava com tudo dentro dos conformes. Cavalheiramente deixou a critério dela a escolha da praia. Ela não se fez de rogada e elegeu a Praia da Penha, no bairro da Ribeira como a sua praia favorita. Era uma mulheraça de fechar o comércio! É bom, que se diga.

Chegaram. A praia estava lotada. Ambulantes, num frenético vai-e-vem, vendendo bugigangas, batuques, e o alarido produzido pelo grande número de banhistas contribuíam para uma imensa algazarra. O dono de uma barraca que já o conhecia, gentilmente, lhe arranjou uma mesa para sentarem-se. Devidamente aboletados nas suas cadeiras, deram início à degustação de saborosos frutos do mar: ostras, caranguejos, lambretas e peixes. Cardápio este regado a cervejas estupidamente geladas. De vez em quando faziam uma pausa na esbórnia e se deslocavam até o mar para um justo e merecido mergulho. Voltavam à mesa e reiniciavam prazerosamente o ritual dos comes e bebes.

Como eu disse, a moça era matreira. Se batesse o olho num rapaz e este lhe interessasse, mesmo estando acompanhada, flertava-o furtivamente na maior sem-vergonhice. Calixto não contava com a audácia da morena. A dosagem etílica que ela já havia ingerido subiu-lhe à cabeça, deixando-a eufórica e encorajando-a a uma sutil troca de olhares com um rapaz, que se encontrava não muito distante da mesa onde eles estavam. A desfaçatez da moça continuou com a troca de sinais, pedidos mútuos do número de telefone, enquanto Calixto, absorto, contemplava algumas mulheres vestidas em sumaríssimos cordões cheirosos e fios dentais, que passavam ao seu derredor. Ele ficou tão entretido com as beldades que o cercava que se esqueceu de tomar conta da que estava ao seu lado. Tendo percebido a ardilosa manobra da moça, Valmir, o barraqueiro, disfarçadamente o chamou até à barraca e lhe abriu os olhos para o que estava acontecendo.

- Não há de ser nada Valmir. – Disse após ser alertado.

- Vou dar o troco na sem-vergonha. E quero contar com sua ajuda. E detalhou o seu plano de vingança: Vou chamar o rapaz para ficar na mesa com ela e vou embora. Você vai cobrar dela tudo que já consumimos até o momento e o que ela vier a consumir a partir de agora.

- Pode deixar comigo. - Falou o barraqueiro.

Aproveitando que o mequetrefe foi ao toalete, numa rua próxima à praia, ele o seguiu sem que Marilda percebesse, e o interpelou:

- Bom dia camarada!

- Bom dia.

- Aquela moça que está na mesa comigo quer conversar contigo.

- Ela não é sua namorada?

- Não. É só uma amiga.

Vá lá rapaz, ela está te dando mole.

Após o rápido diálogo Calixto acompanhou atentamente o deslocamento do rapaz, até que ele chegasse à mesa onde Marilda estava. Cumprimentaram-se, trocaram os costumeiros beijinhos na face, e em seguida ele tomou a iniciativa de sentar-se.

Sem entender o motivo daquela repentina aparição, Marilda ficou cismada olhando para todos os lados, temendo ser surpreendida por Calixto. Mas, o rapaz tratou de despreocupá-la, informando-lhe que estava ali porque Calixto o confidenciou que ela havia pedido a sua presença ali na mesa. Ela entendeu o recado. Por alguns segundos ficou muda e pensativa. Não contava com esse revés.

Sentindo-se recompensado, e rindo a toa pelo troco que aplicou na sirigaita, Calixto entrou no seu carro e tomou o caminho de casa.

Soube depois, por intermédio de Valmir, que houve alguma relutância da moça em efetuar o pagamento da conta, porém, o novo pretendente a namorado que já nutria inconfessáveis desejos por ela, não titubeou e assumiu toda despesa.

Valmari Nogueira
Enviado por Valmari Nogueira em 03/04/2012
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