SER TÃO MINEIRO

Ouvi de um taxista em Brasília, “eu saí da roça, mas a roça não saiu de mim”. Comigo também tem disso. Quando me sinto esmorecido tenho que voltar para meu sertão para ser tão só eu.

Numa destas crises, nos finais da década de oitenta, resolvi adentrar aos sertões de Guimarães Rosa.

Estava em Pirapora, na véspera, fui ao mercado municipal, comprar mantimentos de boca para fazer a matula: Farinha de milho, carne de sol, rapadura e cachaça. À tardinha fritei a carne de sol e fiz uma paçoca no pilão.

Bem de madrugada, meio desacordado, passei um café no coador de pano, a fumaça perfumada me acordou por inteiro, forrei o estomago com as quitandas mineiras.

Encilhei meu cavalo, olhei a corrente, verifiquei as luzes dos pisca-piscas e dos freios. Dei a partida e a deixei em marcha lenta. Peguei a baldrana abastecida de paçoca, rapadura e cachaça, ajeitei tudo na garupa.

Subi neste cavalo de aço, tomei a direção da ponte sobre o velho Chico, águas esfumaçadas, curiangos despedindo-se da noite, atravessei-a sob as luzes do crespúculo matutino em direção a Buritizeiro. A cidade estava despertando, percebi os bóias frias nos seus pontos esperando o pau de arara, que os levariam à sua labuta diária, no corte de cana ou no plantio de eucaliptos. Não era este sertão que procurava. Queria os sertões dos buritis, das cagaitas, dos marolos, dos ipês, das veredas, das porteiras e mata burros, das vendas nas encruzilhadas.

Peguei as trilhas menos batidas, passei por campos de árvores retorcidas contrastando com bosque de eucaliptos retilíneos. De repente uma codorna disparou seu vôo barulhento de uma moita, mas aquele cavalo não refugou.

Sol alto, chão sem sombra, parei numa venda dos sonhos dos meus cafundós. Cheiros que me levaram para o sertão criança, rolo de fumo, cebolas, resmas de alho, cachaça aspergida pelo chão para o primeiro gole do santo. Pedi um prato feito. Não tem, respondeu o vendeiro. Proseei com ele, falando das minhas lembranças, das minhas querenças de sertão, ser tão só eu! Ele me entendeu e me convidou para almoçar, chamou discretamente a mulher, mandou por mais água no feijão e matar um franguinho e caprichar no pequi do arroz. Tudo isto aguçou meu apetite, que havia perdido há muito.

Comido, ele me ofereceu uma rede estendida debaixo de uma enorme seringueira. Não fiz desfeita, tirei uma soneca sobre o ciscar e cacarejar das galinhas carijós. Kilo feito. Procurei o vendeiro para acertar meu almoço, ele se ofendeu. Amigo, aqui não é restaurante, você foi meu convidado. Fiquei constrangido, mas não insisti, pedi licença para afundar no meu cafundó.

Segui a trilha, de repente, pensei que continuava no meu sono debaixo da seringueira. Deparei-me com um bando de cavaleiros paramentados a antiga, roupas de couro, laços nas cacundas das montarias, burros enfeitados com muitas argolas nos arreamentos, homens barbudos e fisionomias familiares. Passou bem próximo de mim um peão que atraiu meu olhar, ele sorriu, dentes perfeitos, olhos claros.

Credo! Preciso de mais sertão, estou achando homem bonito!

Confuso, acelerei a marcha, em seguida encontrei a parafernália da Globo. Perguntei, o que eles estão fazendo aqui? São as filmagens das cenas do “Sertões Veredas” de Guimarães, respondeu um transeunte. O vaqueiro bonito era Bruna Lombardi, travestida do peão Diadorim. Ah bom! Respirei aliviado.

Fiz o caminho de volta, na entrada de Pirapora, empinei meu cavalo, andei alguns metros na roda trazeira. No Jangadeiro, já energizado, voltei a sorrir, pedi uma bebida para brindar a vida.

Passaram-se 25 anos, estou precisando voltar ao meu “Sertão Gerais só”!

Defranco
Enviado por Defranco em 03/04/2012
Reeditado em 30/10/2022
Código do texto: T3591774
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