Caffe Bordeaux - Parte 5
Dez minutos depois, chego a casa de meu amigo no Jardim Social. Fazia frio, garoava. Via as folhas se desbotarem dos árvores. Peguei as malas, paguei o taxista e apertei o interfone. Eram nove da manhã. Quem atendeu foi a mãe do Luciano, dizendo que ele estava tomando o café, mas que logo viria me receber. Dez minutos depois, Luciano abriu o portão e me cumprimentou:
- Como você tá, cara... porque você sumiu da cidade...
- Luciano, é uma longa história. Entrando eu te conto.
Entramos na casa. A decoração parecia um tanto quanto antiquada, parada nos anos 90, mas de bom gosto. A sala de estar era grande, espaçosa, e os sofás, que apesar de meio velhinhos, estavam bem macios.
- Mas, e daí, o que aconteceu pra você sumir da cidade, Rodrigo...
- Tudo começou no dia do meu aniversário, quando o meu pai quis me levar no Caffe Bordeaux...
- Peraí... seu pai não seria louco de levar você lá... ele era tão tradicionalista...
- Pois é, Luciano. Mas eu não queria ir nem a pau, não queria mesmo. Mas era o dia do meu aniversário e eu não podia fazer isso com ele.
- Vai, continua a história.
- Daí eu fui lá. No início eu não tava gostando, não suportava aquele cheiro de charuto e tudo o mais. Mas de repente, apareceu uma puta linda, linda mesmo. Não resisti e fomos pra cama. Ela era linda demais pra ser puta... Quando a gente terminou, eu ia pagar ela, mas ela nem quis que eu pagasse. Daí a gente se apaixonou. Nós nos encontrávamos toda Quarta no Caffe Bordeaux. A gente era muito feliz... Mas daí o cafetão de lá descobriu que a gente tava junto e expulsou eu e ela de lá, e ainda contou tudo pro meu pai. Daí ele me mandou pra São Paulo, lá na casa do meu primo. Lá eu encontrei um vizinho meu daqui, o Panatelli, que me deu duzentão pra fugir de São Paulo. Daí, ontem de madrugada, peguei o ônibus de volta pra Curitiba, e cheguei hoje de manhã.
- Nossa... mas essa puta era linda mesmo ou não...
- Muito linda, Luciano. Morena, olhos azuis, alta, corpo de deusa... – e lágrimas vertem dos meus olhos.
- Então ela devia ser muito linda mesmo... Rodrigo, vou te dizer uma coisa. A vida continua, então bola pra frente. Não precisa chorar por causa disso. Ela pode ser linda, mas infelizmente era uma puta. Tinha que se manter dando pra todo mundo. A vida é assim mesmo. Nem sempre a gente pode estar com a pessoa perfeita. Cara, lava esse rosto e vai tomar o café. Quero te ver de cabeça erguida!
Lavei o rosto e tomei um bom café. Eu não estava agüentando de fome, aquela barrinha da Cometa não dava para nada. Como era Domingo, eles deveriam fazer um belo churrasco, já que o pai do Luciano era um churrasqueiro de mão cheia. E a profecia se cumpriu. Belos pedaços de picanha, alcatra, maminha e cupim. Suculentos e saborosos. Valeu pelo dia esse almoço.
No dia seguinte, comecei a procurar casas pra alugar. Eu ainda tinha a minha poupança, meu pai tinha esquecido de fecha-lá. Fui no banco para conferir o dinheiro. Doze mil reais. Estava intacto desde Novembro, quando eu comprei um iPod. Respirei aliviado. Na minha busca por uma casa, achei uma no Pilarzinho, que não era mal. Quatrocentos reais o aluguel. Depois mobiliei ela inteira. Isso custou três mil reais. Para finalizar, decidi comprar um carro usado. Não tinha carteira, mas eu também comprei a carteira. O Monza 84 e a carteira custaram quatro mil reais. Pronto.
Depois de tudo isso, comecei a minha busca desenfreada por Penélope. Revirei as boates do Centro atrás dela. Nenhum sinal. Nem na Cruz Machado, nem na XV, Guadalupe e cercanias. Fui em lugares nada seguros, me envolvendo com pessoas nada confiáveis.
Era Julho. Fazia o maior frio. Via mendigos encolhendo-se em um pedaço velho de papelão, afligidos pelo inverno e desprezados pelas autoridades. Estava no começo da Cruz Machado. Estava a pé. Virei na Augusto Stellfeld, tentando achar a Saldanha Marinho. Daí, chegando perto de um flat, meu celular vibra. Paro. Pego o celular e aperto o botão verde. Nem vi o número no identificador de chamadas. Estava tenso.
- Alô... – uma voz aveludada, jovial na outra linha. Não poderia ser Penélope.
- Quem é... – respondo com uma dúvida e uma ansiedade inquietantes, querendo logo saber quem está do outro lado.
- Rodrigo, sou eu, a Penélope!
- Não acredito! Onde você está...
- Tô aqui num apê da Saldanha Marinho, vem aqui, amor!
- Tô indo... mas onde é que é...
- É bem no fim, perto do tubo do biarticulado. Tô esperando aqui na frente!
- Tô indo!
Finalmente todo o meu esforço para voltar a Curitiba valeu a pena. Encontraria a mulher dos meus sonhos em poucos segundos. Guardei o celular no bolso e fui correndo, mas de repente tropeço na calçada. Nenhum arranhão, ainda bem. Prossigo em frente. Penélope não disse qual edifício era, então tudo ficava mais trabalhoso e difícil. Chego na Saldanha Marinho. Olho em frente a um edifício dos anos 60 e a estação tubo. Nada de Penélope. Mas eis que, de repente, vejo uma pessoa com um roupão de seda frente ao edifício sessentista. Sim. Era ela. Era Penélope com seus cabelos negros e miraculosos olhos azuis. Corri na direção dela e a abracei forte. Aquele momento não podia acabar nunca.
- Pê, por mais que tentem nos separar, a gente sempre vai estar unido. – e nos beijamos, como da primeira vez lá no Caffe Bordeaux. Senti o forte sabor limão de seus lábios.
- Rodrigo, vamos entrar... lá vai ser melhor pra gente... – e nós entramos no edifício.
O apartamento de Penélope era modesto, como todos os outros do Centro. Tinha uma sala, cozinha, um quarto e um banheiro, tudo muito apertado, diminuto. Mas, pelo menos, era limpinho, bem arrumado. Os móveis eram velhos, pareciam vindos dos anos 80. Sentei num dos sofás, velho e duro.
- E daí, Rodrigo, o que fizeram com você todos esses meses...
- Nossa, Pê, eu nem te conto. O cafetão de lá do Caffe dedurou a gente até pro meu pai, que me mandou pra casa de um primo meu, lá em São Paulo. Mas eu encontrei um vizinho meu, que deu dinheiro e eu consegui voltar pra cá, sem meu pai saber. Mas, e você...
- Foi muito difícil... O Breno, cafetão do Caffe, me expulsou de lá, sem mais nem menos. Fiquei vagando pelo Centro, procurando um apê... Rodrigo, teve dias que eu tive que dormir na rua, e fazia muito frio... – lágrimas escorrem dos olhos azuis – mas graças a Deus consegui achar uma amiga minha de colégio, que falou que tinha um apê na Saldanha Marinho pra alugar, e eu tô aqui...
- Não precisa chorar, Pê, eu tô aqui, do teu lado...
Penélope enxuga o rosto coberto de lágrimas. Mais calma, ela faz um capuccino, pois fazia frio.
- Pê, eu posso te fazer uma pergunta...
- Qual, fala... – ela disse, abraçada comigo no sofá.
- Você quer morar comigo, começar uma vida nova, só nós dois...
- Claro que eu quero... mas como a gente vai planejar tudo...
- Calma... A gente vai morar lá na minha casa, no Pilarzinho, vai ser mais seguro pra você e pra mim, vamos poder ficar longe do Centro, aqui é muito perigoso. A casa tá toda mobiliada, e eu já tô procurando o que fazer, ainda tenho um pouco do dinheiro que restou da poupança que o meu pai abriu.
- Hum... Mas o que nós vamos fazer...
- Tive uma idéia! Que tal a gente abrir uma lojinha de R$1,99...
- Boa idéia! Mas quando a gente vai começar tudo isso...
- Se quiser, você pode se mudar amanhã...
- Então tá, amor... – e ela me dá um beijo, que acaba numa prazerosa transa naquele sofá duro.