Fanática ambição, falta de visão.
Rubinei caolho, apelido de infância. Assim é que todos o tem. Foi uma farpa ao acaso arremetida. E deu no que deu.
Cresceu, e disso aprendeu a tirar partido.
A deficiência garantia quase tudo, até a meia-entrada. Entrava pela frente, e na frente não esperava o andar da fila; nunca habituou-se com as roletas, as longas esperas e com as últimas cadeiras.
Coitadinho para alguns, sempre proveitoso para ele.
Sabia e fazia muito bem o papel da sua vida, um astuto caolho.
Um grande negócio a falta do olho, pensava com mente também caolha. E o era por excelência, e agradecia; indisfarçável o orgulho, sobremodo por ser o único.
Dia outro, lua nova, percebeu céu mais escuro. Intrigado, comentou, e caiu na troça: caolho observador, desde quando? Caolho sim, cego não, respondia.
Isso passou, mas o hábito ficou. Observava as estrelas e as contava como podia. Totais sempre desiguais, e para menor. Intrigou, quebrou a cuca, concluindo algo furtá-las.
Mas será mesmo isso possível? Perguntava-se. Tanto perguntou que pirou. Passou a brinquedinho mais novo dos doutores.
Não entendiam Rubinei. Na cabeça, fora o olho, nada aparentava faltar. E dele desistiram.
Daí para frente quem pagava - e não mais a meia - foram as idéias. Com o passar dos tempos, convicto e mais gentil tornou-se. Buscou a espiritualidade. Ao início dizia, em tom profético de caolhando para uma pequena platéia aos pés, que o “caolho mano era essencial entre as pessoas”, pois só o “caolho dado ao próximo aqueceria o frio coração”. Fez admiradores. Entre esses, um sem braço de excelente aquerenciar. Cobiçando sua condição, coçou o próprio.
Veio a inspiração maior. Fundou a própria igreja e nela pregou. Trouxe os admiradores, ganhou fiéis e muito dinheiro. Noutro dia, do nada e ao piscar o olho, percebeu que do mundo não tinha exatamente uma boa visão. Concluiu estar fazer muito menos do que podia; e a cupidez lhe propôs reformá-lo.
Aprimorou seu talento; se lhe faltava o olho, ainda sobrava muita ambição. A julgar por tudo que antes conquistou, enquanto caolho, encontrou rápida solução para multiplicar o sucesso com a crença e com os dinheiros do mundo.
Outra, então, pequenina farpa se fez lançar, agora arremetida não ao acaso, mas pela própria mão, e deu no que deu.
Até os dias de hoje, embora a tastaviar entre assentos da pomposa assembléia, Rubinei feito pastor crê na profecia de que, se a perda de um olho na infância foi bom para a vida, ótimo esta agora sem os dois será , pois cego é quem não quer viver. E disso convicto, algo ainda pensou, um novo apelido, e deixou para lá, já coçando o braço ávido e enciumado do carisma daquele que não o tinha.