Arapão

A gente ficava por ali na calçada do mercadão . E depois, jogo, papo furado. Futebol e punhetagem coletiva atrás do muro do banco. O muro já andava amarelado de tanta porragem. Eu, Pesão e Alfredo. Vez ou outra, Jair aparecia. Com cara de sofrido.

- Quanta espinha, Jair! Vai morrer de tanto solar!

- Vai dar um pouco de cus por ai.

Jair sempre foi essencial nas suas colocações.

Escola que nada. Entrava e saia, pulava o muro. Mulherzinha chata aquela professora Alda. Lição de moral. Suporto não. Mandar chamar minha mãe na sala e me expor daquele jeito. Piranha gostosa aquela. Só me causou vergonha.

A gente só pega alguém quando a sorte batia de frente. Pesão era o mais feio de todos e o que mais se dava bem. Sabia conversar. Eu não. Mas eu era bonito, isso me deixava bem.

- Pesão, como pode ser tão feio.

- Vai se foder, maricas!

Aquele era homem, devolvia tudo na cara, foi expulso duas vezes da outra escola, veio parar aqui. Não escreve nada direito, mas manda bem na rua. Conhece os trechos, e conversava com essa gente velha, que só contava vantagem e quer te colocar num lugar. Comeu a professora de natação. Ficou famoso por causa disso. E ela envergonhada.

- Teve que se mudar, acredita?

- Você é um viado sortudo...

- E essa menina nova, o que vocês acham?

- Nem vi ainda.

- Ta na sétima série

- É filha do pastor Nelson

- O professor?

- Sim. De religião.

Bonita mesmo. Alfredo conversava com ela no intervalo. Só ele. sensível, falava de pai, de mãe, de solidão. Quem quisesse saber como ser infeliz, era só dá atenção pra ele. E as mulheres adoravam isso. falar de tristezas. Cara de menino. Quanta coisa estranha. Eu não. Me ferrava. Já chegava falando dos peito e do rebolado.

- Que merda, Alfredo. Onde aprendeu falar dessas coisas?

- Falo o que sinto. Ela também. Mulher gosta dessas conversas.

Eu não sentia porra nenhuma. Só fui saber disso quando precisei deixar umas coisas pra trás. Mas ai, a vida já era outra. Só sabia falar da escola, da praça e das farras. E de ser direto com as meninas. Assim, fácil. Me ferrava. Tudo na real mesmo. Nada de coisas ocultas. Ali, na dianteira, pulando pra ser visto. Alfredo dizia que mulher gosta de falar de coisa invisível. Fodeu! Eu só pensava no rabinho dela marcado pela calcinha apertadinha. Nada mais material do que isso. Esse pastor Nelson era um cego mesmo. Cuidava tanto de Deus, que deixa o diabo apoderar da menina. Ainda bem. Graças a Jesus!

A coisa ficou feia quando Pesão foi embora. Arrumou um trabalho no porto de Salvador. Fizemos uma baita festa. Vinho barato. Tinha feito 18, homem já. A gente tudo magrinho e ele grande e forte. Bebemos muito. Nem sabia quando veria de novo. Amigo desde criança. Protegia mesmo nas brigas. E compartilhava nossa falta de dinheiro. A gente era mais duro. Roubei dinheiro da minha mãe pra comprar a bebida. Apanhei. Mas valeu.

Ele queria mesmo era trabalhar. O pai arrumou com um conhecido. “Lá vai ser melhor pra você”. Jair bebeu seu primeiro copo de cachaça. E não deixaria de fazer isso por toda vida. “Que merda!. Era o mais bobinho. Na rodoviário: Robson chorou na janela do ônibus. “Chega de Pesão. La quero ser Robson”. A cidade ficou bem pequena. Não imaginei que fosse capaz fazer isso.

No enterro do pai de Jair descobrir que gente morria. Até que demorei muito pra ver essa bela senhora. Passei um tempo aterrorizado com isso. Até que me estrepei de vez, quando meu pai caiu morto na porta do trabalho. É. É mesmo.

Alfredo namorou depois a filha do pastor. Pra fazer média não saia da igreja.

Chegou uma hora que ele foi capturado. Eu vi ele numa janela imaginária também chorando. Sonho meu esse. Apenas se afastou, quando aquilo penetrou sua inteligência.

Deixei a escola depois da oitava série. Não fazia mais vantagem. Tive que trabalhar. Mãe estava velha e a porra da vida se mostrava com a boca escancarada. Arrumei um emprego no açougue de seu Ernécio. Uma merreca. Mal dava pra comprar comida. O gosto de salmora na boca.. Minha mãe não aguentava fazer mais nada. Meu irmão se mandou pra São Paulo. So chorava a velhinha de saudade. Aquilo me cortava.

Jair morreu atropelado. Já não era mais o mesmo. Um farrapo. Não senti nada. Nem fui no enterro. Só serviu pra me lembrar daquela época da escola. A professora Alda continua bonita. Sobe a rua da minha casa até hoje. E ri. Talvez nem se lembre do que me disse. Escola ainda, a mesma. Tem gente que não muda nada com tempo.

A gente só pega alguém quando a sorte batia de frente. Pesão era o mais feio de todos e o que mais se dava bem. Sabia conversar. Eu não. Mas era bonito, me deixava bem.

- Pesão, como pode ser tão feio.

- Vai se foder, maricas!

Aquele era homem, devolvia tudo na cara, foi expulso duas vezes da outra escola, veio parar aqui. Não escreve nada direito, mas manda bem na rua. Conhece os trechos, e conversa com essa gente velha, que só contava vantagem e quer te colocar num lugar. Comeu a professora de natação. Ficou famoso por causa disso. E ela envergonhada.

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 30/03/2012
Código do texto: T3584928