INDIGENTE
 
     Lá estava ele, deitado de lado, pernas um pouco recolhidas, mãos sobre o ventre, o rosto virado pra baixo. Os policiais que isolavam a área aguardavam apenas a chegada da perícia técnica, sem nada tocar, para confirmar o que já era quase uma certeza: Pelas vestes, a cabeleira, o tom de pele... Sem dúvida era ele, ali, caído atrás de um abrigo de parada de ônibus, morto. A notícia logo se espalhara pela vizinhança. “Quem e por que haviam feito aquilo com o Zé Castelo”. Especulações e teorias começaram a se formar sobre o sucedido, assim como acontecera desde que aparecera por ali.

     Zé Castelo aparecera pelo bairro a cerca de três meses. Um bairro com comércio movimentado, poucas residências, mas Zé Castelo nunca causou problemas por ali. Pelo contrário: Sempre que podia, à sua maneira, procurava ajudar, é claro, esperando alguma recompensa, um salgado, um suco, uma gorjeta, que seja. E quando recebia algum salgado como recompensa, limpava bem as mãos, sentava-se e estendia o guardanapo de papel sobre os joelhos e consumia o salgado como se estivesse em um fino restaurante, ou mesmo em seu próprio castelo, daí seu apelido. Enfim, era um “mendigo de classe”, com gosto refinado. Todos por ali gostavam dele. E como não era muito de falar, respondia por monossílabos, ás vezes, o que lhe perguntavam, e a assim as fantasias sobre suas origens foram surgindo.

     Dizem alguns que fora um fazendeiro rico e se apaixonara por uma donzela filha de um pistoleiro da região e após seduzi-la, achara como única solução, para fugir da vingança do pai da moça, se esconder por aí. E como saíra na pressa, não pegara dinheiro suficiente e viera acabar na sarjeta, com medo de voltar pra pegar mais, ficando toda sua fortuna pra felizarda ex-donzela e seu agora conformado pai.

     Outros dizem ser um industrial que arriscou e perdeu tudo que tinha na Bolsa e pra não perder tudo na falência, passou o pouco que restava para seus parentes, sendo que estes de posse de seus bens lhe deram um belo pontapé nos fundilhos, vindo ele findar na mendicância por ali.

     A traição pela esposa com o melhor amigo dele é a história menos difundida, vindo ele a se entregar à bebida deixando toda sua fortuna pra trás. Essa estória não “vingou” por muito tempo porque Zé Castelo tinha uma peculiaridade: Mesmo sendo um mendigo, ele detestava cachaça. Aceitava um bom vinho, com moderação, quando lhe ofereciam, mas pinga não.

     Uma coisa que era comum em todas as estórias inventadas era de que ele pretendia um dia voltar a rever toda sua fortuna, se é que ela existia.

     Fato agora interrompido pelo trágico acontecimento, descoberto naquela manhã. Ritinha, funcionária da padaria ali da esquina é quem primeiro percebeu o ocorrido, quando chegava pra trabalhar, bem cedinho. Fica imaginando, o que haveria se passado na vida de tão enigmática pessoa. Com quem havia brincado na infância, seus amigos. Haveria freqüentado uma escola? Com certeza sim. Casado? Teria filhos? Que trajetória teria ele percorrido nesta vida? Teria alguma coisa a ensinar, alguma história a contar? Que mistérios e segredos ainda escondia tal figura?

     Após a perícia técnica analisar o local, concluem que ele morrera após consumir um pão com um suco, ao que parece de laranja. Removem o corpo. Sem nenhuma identificação positiva.

     No dia seguinte, é emitido um laudo pelo legista, tendo como causa da morte o envenenamento por aldicarbe – “chumbinho”. O corpo é levado ao Cemitério Santo Ângelo, dez dias depois, sendo sepultado na quadra 117, cova 37. A vida segue seu curso normal, não se ouvindo mais falar em Zé Castelo.
 
Walter Peixoto
Enviado por Walter Peixoto em 30/03/2012
Reeditado em 30/03/2012
Código do texto: T3584848
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.