Rio na sexta - 03
Rio na sexta – 3
Valdemiro Mendonça
Hoje é novamente sexta feira neste meu Rio das mil histórias! Marcelo tem treze anos, Juscelino quinze, Leandro “apelidado de bocão” é o mais velho com dezesseis. Saíram cedo para a escola desceram o morro da tia marta e deveriam pegar o ônibus lotado, atravessarem a ponte Rio Niterói onde ficava o colégio Lacerda num dos edifícios tipo Brizolão único lugar onde conseguiram vagas para a sétima série do segundo grau.
A fila do ônibus estava quilométrica e depois de ficar por vinte minutos à espera, Leandro deu a idéia sempre bem aceita de matarem aula e subirem o morro até o cristo Redentor para aliviarem alguns turistas de suas carteiras. Marcelo era o mais novo e só lhe cabia acatar a decisão dos amigos. Juscelino topou na hora e seguiram os três em direção ao ponto turístico mais visitado do Rio.
Leandro resolveu mexer com os brios de Marcelo e disse - quem sabe o tota “este era o apelido do garoto” arranja uma turista para quebrar o cabresto do pau, riu com gosto e ouviu de Juscelino – qualé bocão ele já arrancou o cabresto com a Lilita boca mole! Leandro fingiu um assombro e segurou a nuca de Marcelo com o polegar e o dedo indicador era, doído, mas ele não apertava muito e disse, - quer dizer que comestes aquela pinguça e nem me falou nada?
Tota safou-se dos dedos de Leandro e respondeu - ela me deu dez paus, e desde quando tenho que lhe dar satisfações das negas que eu como? Leandro segurou de novo o amigo fingiu bater na sua boca dizendo, - tem que passar o recado crioulo, tu és mais novo e tem que obedecer sem reclamar não é Jussa? “Jussa era o apelido de Juscelino” – claro que é bocão e se ele chiar a gente da uns cascudos nele. Riram os três, foram criados, até agora juntos! Suas mães eram vizinhas no morro e viviam no maior pindura.
Roubavam tudo que o que não representava riscos e apesar de não terem ainda se metidos com os milicos, (policiais) eles já tinham usado até armas em arrastões nas praias onde entre mais de cem garotos atacavam nos lugares que houvesse menos policiais. Nestas ocasiões não se importavam muito com o risco, sempre davam um jeito de se safarem sem serem pegos pelos homens. Suas mães sabiam que elas aprontavam, mas comida era tão escassa, que qualquer ajuda, mesmo ilegal, eram bem vindas.
Ficaram meio escondidos num ponto onde havia algumas pessoas esperando para embarcar e quando o coletivo estacionou e os passageiros subiram, eles se aboletaram no para choques do veículo e só desceram um ponto antes do final. Ficaram escondidos e observando o movimento dos turistas, nenhum deles parecia ter muito dinheiro, e não valia o risco de um ataque. Entraram na mata que margeia a estrada e ficaram brincando de subir em árvores, pendurando-se nos cipós até que o ônibus partiu.
Quando outro coletivo subiu o morro e encostou-se ao ponto, voltaram a observar os turistas desta vez tinha um casal que pareciam ter dinheiro, mas mesmo assim todos os turistas eram jovens e fortes, se reagissem eles poderiam levar a pior. Decidiram não fazer nada e estavam dispostos a esperar outro ônibus, tinham o dia todo e queria dar um golpe, mas com a certeza do sucesso. Ficaram surpresos quando o ônibus partiu e o casal de turistas ricos ou... “Parecendo ricos” resolveram esperar o próximo ônibus. Isto era uma sorte, se fossem roubá-los junto dos outro, teriam que agir rápido tomar o que pudessem e correr até se perderem no mato, ninguém os perseguiria, pois era só um roubo e ser apenas roubado no Rio era premio.
O par certamente foi avisado pelo motorista dos riscos, mas como o tempo entre um veículo e outro era de no máximo vinte minutos acharam que não haveria perigo de curtir mais um pouco a vista espetacular da cidade. Havia o guarda do local, mas sumiu logo depois que o carro partiu. Esta foi à tônica para que os moleques de atalaia resolvessem atacar. Combinaram um plano às pressas e bocão com um punhal na mão, seguiu do lado da estrada onde não seriam vistos pelo par de namorados, Jussa com uma faca de cozinha de ponta aguda e tota com um estilete seguiram atrás, prontos para o bote.
Bocão agarrou o pescoço da garota e com o punhal encostado na sua garganta a arrastou para longe do companheiro avisando que a mataria se ele tentasse alguma coisa. Jussa e tota se aproximaram do rapaz por trás e com as armas brancas junto ao corpo do incauto o obrigaram a acompanhar a decida do morro às pressas e entrar no mato atrás da mulher e do companheiro deles. Afastaram-se uns vinte metros para dentro da capoeira e bocão sempre com o punhal ameaçando à moça mandou os comparsas revistarem a bolsa dela e a carteira do homem.
Ficaram satisfeitos com o botim, os dois turistas tinham quase mil reais com eles, tomaram os relógios, os brincos e a pulseira da mulher. Descuidaram olhando os objetos caros e o rapaz cometendo à imprudência de pensar que podia dominá-los reagiu dando um soco em bocão, o mais forte do grupo. Acertou o soco, mas Jussa que ficara atrás dele desferiu uma facada nas suas costas abaixo do coração. O rapaz com um gemido rouco e abafado tombou no solo, rolou pela ribanceira e caiu na margem da estrada batendo a cabeça e perdendo o sentido. Bocão disse – otário, só porque reagiu vamos comer sua vagabunda e rasgou a blusa da moça iniciando uma ação de sanha imitada pelos dois garotos mais jovens.
Neste instante ouviram o som de outro veículo subindo o morro, eles ficaram com medo de algo dar errado e bocão riscou o rosto da garota com o punhal e avisou: se gritar a gente mata você e o seu macho, vamos ficar escondidos aqui perto. O grupo saiu pelo mato e sumiu, a moça resolveu se arriscar e saiu da mata correndo e gritando por ajuda, depois de explicar para o motorista do coletivo o acontecido eles foram procurar o namorado dela, ele estava caído na calha de escoamento de águas pluviais e escondido de quem passasse na estrada. Se não fosse a sorte do ônibus chegar naquele instante poderia até morrer e sua namorada provavelmente seria morta também depois de estuprada.
O socorro chegou quase uma hora depois, o rapaz recobrara o sentido e jurava que nunca mais viria ao Rio. O motorista do ônibus riu e falou aqui se turista der mole viaja mais cedo pro andar de cima. Os três garotos se safaram sem serem molestados, apesar da busca de policias na mata, eles conheciam os caminhos mais recônditos e saíram tranqüilos na cidade, pegaram um ônibus para casa e desta vez pagaram a passagem, felizes pela grana que já estavam planejando como gastar. Ao chegarem ao morro dona Marta, foram procurar um marginal que vendia armas de todo tipo, os três queriam estar preparados para novas aventuras, o feito lhes deu coragem e já se achavam perigosos bandidos.
Bocão negociou o preço das armas automáticas e pagou com a pulseira e os brincos da garota, o vendedor vendo que os rapazes tinham dinheiro, resolveram tentá-los mostrando uma mini metralhadora e dizendo-lhes que venderia por oitocentos reais. Os garotos se assanharam, mas bocão esperto resolveu oferecer os dois relógios de boa qualidade em troca da arma, com o acerto de mais cento e cinqüenta reais comprou munição para as quatro armas. Após mandar o tota ir numa boca de fumo que ficava num dos becos perto do local onde eles moravam e comprar três buchas de maconha seguiram em direção aos barracos que moravam.
Entraram para o barraco de Jussa que ficava vazio durante o dia, pois, sua mãe trabalhava. Escondidos das mães ascenderam e fumaram enquanto dividiam o restante da grana em partes iguais. Bocão falou que iam assaltar a padaria do português Saraiva, os dois garotos relutaram dizendo que o padeiro pagava o grupo de proteção e seria perigoso. Bocão convenceu os dois de que era mole, na sexta o pessoal da proteção ia para as quadras dar proteção nos bailes funks mandados pelos generais do tráfico, se eles agissem um pouco antes do estabelecimento fechar, seria um sucesso e eles iam ficar famosos. Diante desta possibilidade Jussa e tota toparam o assalto. Detalharam o plano de bocão até que acharam que era infalível e aguardaram a noite.
Tota entregou parte do dinheiro à mãe e disse que era presente do sarará maluco, por ele ficar de soldado durante uma reunião da gang do pó. Sua mãe para não dizer que era omissa, ralhou com ele dizendo que não o queria mexendo com drogas. Falou, mas guardou o dinheiro. Era o destino de todos os garotos das favelas, se não fosse por bem era por mal, eram ameaçados de morte se não entrassem para os bandos que dominavam os morros, Dona Vânia e as outras mães que moravam ali não esperavam outra coisa. Tinham medo de qualquer dia receber a terrível noticia que o filho tinha sido caçado pelos homens ou por traficantes rivais. Viviam assim com o coração aos saltos, mas cientes de que não poderiam mudar seus destinos e se resignavam sem lutar contra esta permanente sina.
Quando à noite chegou viu tota saindo de fininho, resmungou já vai né seu filho da ingratidão, tota riu e saiu assim mesmo, dona Vânia pensou que ele ia só fumar um baseado com os amigos já que estava com dinheiro. Não se importava, eram os prazeres que podiam ter naquela vida miserável, ela mesma iria daí a pouco no forró da Zilda mãe de bocão. Quando tinha dinheiro fumava também e às vezes comprava um papelote de pó e cheirava enquanto bebia cachaça dando mole para algum negão velho com quem acabava indo para a cama pelo simples prazer de ir, já que não sabia mais o que era prazer sexual.
Bocão e Jussa já estavam esperando e ralharam quando tota chegou. Que é moleque, ta com medo? Só chega atrasado, porra! Tota só resmungou algo entre dentes e desceram até o ponto do coletivo, subiram e viram que o carro estava vazio, deram um real cada para o trocador, saltaram por cima da roleta rindo da proeza. O trocador acostumado com estes lances ficou na sua, depois daria a metade para o motorista e estava tudo certo, era a herança do Rio que vivia a lei de Gerson o grande craque de futebol que fez uma propaganda mandando o povo levar vantagem em tudo. Acredito que se ele soubesse quanto mal estaria fazendo ao país, voltaria atrás e desistiria do dinheiro da empresa de cigarros que o patrocinou. Será? Ele, um atleta, fez a propagando para uma companhia fabricante de drogas aceitáveis. Acho que ele dorme tranqüilo e pensa... Que se dane o país e suas mazelas!
Um ponto antes da padaria os garotos saltaram, bocão estava com sua mochila escolar onde carregava a USI com o pente cheio de balas, subiram a pé escondendo-se ao máximo nas beiradas das casas até chegarem quase defronte à padaria, sentaram na calçada e ficaram fumando um baseado, eram quase nove horas e logo o estabelecimento fecharia as portas, quando viram a loja ficar sem fregueses atravessaram a rua e entraram, estavam com os rostos cobertos com meias pretas e buracos cortados em frente aos olhos para não serem reconhecidos, cada qual sabendo o que deveria fazer. Bocão apontou a metralhadora para o português e Jussa com o revolver engatilhado percorreu a loja rapidamente mandando uma empregada ficar de mãos para o alto, saltou o balcão e fechou a porta de acesso aos fundos da padaria onde eram confeccionados os pães. Tota também pulou sobre o balcão e abriu à registradora pegando todo o dinheiro que estava dentro. O que eles não viram foi a empregada esperta pisar no botão de alarme ligado á delegacia que ficava dois quarteirões abaixo.
Bocão ameaçou o senhor gorducho dono da loja espetando o cano da arma no seu peito dizendo: estou doido para experimentar esta belezinha, portanto dê logo a grana dos bolsos ou será em tu que o pipoco vai explodir primeiro. Jussa enfiou as mãos nos bolsos do português e foi tirando o dinheiro por sinal uma grande quantia, neste momento um carro da policia disparou o alarme e dois policiais saltaram se escondendo atrás do veiculo e fazendo disparos para o alto mandou os garotos se entregarem, um terceiro pediu reforço pelo rádio alertando para o assalto. Os garotos quando se viram entre os policiais e a rua começou a se desesperarem, menos Bocão que gritou para os dois, - vamos sair matando e disparou a metralhadora em direção ao veículo policial. Jussa e tota fizeram o mesmo. Na calçada tinham dois carros estacionados e ficaram protegidos dos disparos dos policiais, mas ao correrem na direção que alcançariam acesso ao morro com mais facilidade, ouviram o grito de Bocão que soltou um palavrão e disse me pegaram, mas continuou correndo disparando a metralhadora em rajadas pequenas. Entraram numa rua estreita que poderia ser a liberdade, pois, sairiam na beira do mar e ali se misturariam as pessoas inibindo os policiais que não atirariam com medo de ferir inocentes.
Ouviram um tiro de rifle e o grito de tota que caiu morto, apenas olharam e continuaram correndo, conseguiram se perder no ror de gente que estava por vários motivos nas calçadas, encontrou um ponto de taxi e entraram no veículo que estava à frente dos demais mandando que o motorista desse a partida. Ele não discutiu quando percebeu que os meliantes estavam armados, rodou em direção a linha vermelha, por algum tempo dirigiu sobre os elevados, logo que viram uma saída mandaram o motorista entrar e fazer retorno. Quando chegaram perto do morro que moravam, mandou o taxista encostar e deram uma nota de cinqüenta reais para o rapaz e bocão falou: - vaza e segura à boca senão apago você depois. Assim que começaram a subir o morro bocão caiu ao chão e Jussa parou para ajudá-lo.
Bocão disse, - para mim acabou Jussa pegue a USI e coloca na mochila e se algum dia tiver um tira na sua frente apaga ele pra me vingar. Jussa fez cara de choro, mas ele disse chore não neguinho, morrer assim é pra macho, tire a grana do meu bolso e passa pra minha mãe. Suspirou profundamente e virou à cabeça para o lado, estava morto, Jussa pegou a mochila, guardou a USI e sua automática lá dentro, pegou a automática na cinta do bocão e o dinheiro que ele tinha, subiu o morro e foi dar conta das duas mortes para as mães deles. Antes escondeu as armas e o que tinha de dinheiro num canto seu e depois procurou dona Vânia e falou do acontecido, omitindo sua participação mesmo sabendo que era uma bobagem, todos sabiam da amizade entre eles e teriam certeza que ele estava na empreitada.
As duas mães armaram um escarcéu, e desceram o morro atrás dos corpos dos filhos. Eva mãe de Jussa estava desesperada pensando em como tirar o filho dali, os homens iam apertar as mães dos outros garotos para darem conta do terceiro elemento, e elas poderiam entregar seu filho até sem querer ao serem ameaçadas de morte pelos policiais, mesmo porque já tinha ficado sabendo que na fuga os garotos mataram um deles e feriu outro. Estava remoendo o que fazer quando bateram à sua porta, levou um susto e viu Jussa se esconder atrás do armário enquanto destravava a arma automática teve medo do próprio filho e não ousou mandá-lo guardar a arma. Abriu a porta e viu entrando no seu barraco o maior traficante do Rio de Janeiro. Em outra circunstância teria achado que ganhara na loteria, pois, qualquer mulher do morro se dava bem com os maiorais do trafico. Sarará maluco perguntou pra ela – cadê seu garoto valente? Jussa saiu de detrás do armário e se apresentou.
Sarará sentou-se na cama de casal de Eva e disse – tu ta numa roubada malandro, mas vou tomar conta de tu, vai fazer parte da minha comunidade e vai ser meu braço direito, topa? Jussa olhou para a mãe e depois respondeu para o marginal: topo! O chefão falou dirigindo-se à Eva, - aí madame não se preocupe que tomo conta do seu garoto e... Fez uma pausa estudada chasqueando depois, da mãe também, soube que tu és solteira? Ela respondeu com um risinho de satisfação, - Sou sim, porque está interessado? - A gente sempre se interessa por mulher bonita, não é Jussa? Jussa acenou com a cabeça, não se metia nos negócios da mãe e fazendo parte da comunidade como pessoa de confiança do chefe, seria respeitado o resto era só isto, resto. - Juntem suas coisas e vamos subir pra minha maloca de agora em diante estão comigo. Amanhã vamos para Volta Redonda, o Mengão joga lá e vamos nos divertir, torcem pra qual time? Mãe e filho responderam - Mengo, claro! Ouviram... – Demorou, (vamox nox dar bem até quando Deux quiser).
FIM
Trovador