Rio na sexta - 0 1
Rio na sexta - 01
Conto de
Valdemiro Mendonça
- Cacete, como queima este pipoco que os caras me mandaram cumpade, porra... Deveria ter ficado dormindo ou ido com a Luzia para as Minas Gerais. Dizem que quando vamos pra cidade dos pés juntos, a vida passa todinha diante dos nossos olhos, sendo assim eu não vou, pois, só estou me lembrando de hoje depois que saí do barraco pensando em me divertir numa boa, que merda que eu fiz...
Quando eu entrei decidido no bar das putas da esquina das ruas Jamelão com Patativa; Dei de cara com a Maria bunda cinco ponto zero que estava ali esperando algum freguês, ou desconhecido que se dispusesse a trepar com ela e lhe dar alguns trocados com os quais encheria o rabo de cachaça e depois iria para seu barraco de telha de zinco. “Este era fincado no pé do morro da gafurinha, nome advindo da quantidade de crioulas que residiam no morro e tinham os cabelos afros, algumas ostentando o apelido de picumã”.
Ela nem esperou que eu me aproximasse, já me deu logo um ultimato: aí, quero aquele arame que tu ficaste me devendo da última vez que aliviei tua pressão e fiz fiado pra ti malandro. Tive que usar de muita lábia para convencer a piranha de que eu estava sem nenhum dinheiro, mentindo descaradamente que meu patrão o Zé da Pinha tinha furado com a turma e viajado, deixando a negrada no maior pindura.
Eu estava a fim de tomar uma cachaça, uma ceva gelada e comer um daqueles torresmos carnudo que o Chico broa fazia, mas com a nega Maria no meu pé tive que dar uma de pindura com o Chico. Ô crioulo burro, porra! Eu piscava o olho e dizia que tinha a grana e depois pagava para ele, pelejava pra fazer o cara entender que eu não podia mostrar a grana perto da nega Maria e o cara só respondia. Aí malandro tem fiado não, tu me deve tem uma ano e não comparece, porra.
O jeito foi fingir de rato pôia, sai pisando no sapatinho branco, chapéu de panamá gaseificado quebrado na soleira, camisa de seda verde soró e calça de linho de barra dobrada, cor de sapucaia madura. Na passagem falei pra Maria - aí nega, não da pra segurar um amargozinha ai nesta espelunca do Chico Broa até eu receber meus pixulés com o Zé da Pinha? Não é que a nega tinha gostado da minha penca, falou que segurava, mas eu tinha que fazer uma promessa, levar a crioula no Maráca se o Mengão e o Bota fizessem a final.
Porra era a sorte grande, o Bota Fogo não ia chegar de jeito nenhum, era o time da Maria e o meu era o Mengo, qual é cumpade onde que meu Mengão ia dar refresco praqueles otários. Topei na hora e voltei pro balcão, ela foi generosa mandou encher dois vidros de amargozinha e mais! Pediu dois torresmões carnudos e macios. Quando eu pensei que os dotes que tinha jogado na crioula tinham acabado o crédito, a nega me surpreendeu e pediu uma Brahma, mais torresmo e mais duas amargozinhas.
Foi um esquenta rabo de primazia! Eu ia ao samba no quintal de uma neguinha que estava me jogando rebolado. Ia ser minha mijadinha de fim de semana já que a Luzia viajou pra Minas Gerais, pois a mãe estava doente, eu não podia proibir a nega de visitar, né meu camarada? Bendita mãe, tomara que a coroa não embarque, ela é minha folga do feijão com arroz. Já tinha terminado meu lance com a Luzia umas dez vezes, mas sempre voltava. A neguinha cozinhava bem e me dava mole. Um dia a gente ia separar de vez, mas enquanto desse eu ia levando. Terminamos a seva e a Maria mandou descer outra, tive que agradecer e dar uma de crioulo mole, senão a neguinha Judite ia me apertar por causa do bafo.
Agradeci de coração beijei a nega Maria, tive que me curvar, pois a pretinha, era baixotinha e o negão aqui mede um e noventa esticando bem a trena. Acho que é por isto que meus dotes agradam. Mesmo assim ela me lembrou a promessa e jurei “beijando a figa mão fechada” que eu estava amarrado no santo. Sai pisando no sapatinho ensaiei o passinho do urubu quando chega junto e desci a Rua do Jamelão solto que nem papa capim no arrozal, quando passava perto do bar do Leitão Português, escutei o assobio do Para Fina, “inconfundível marca de registro do sacana”.
Fiz o parangolé do olho arteiro, dei o rapa de lado e me dirigi para o bar do portuga. Para fina já estava enchendo um copo de Brahma e deixando o colar que era o jeito que seu chegado gosta, preguei a bunda no banco fixo do balcão, bati o vidro com o Para fina e desci duma vez a cachoeira gelada que fazia até doer o gogó. – Qual é Para Fina, que moleza é esta cumpade? Hoje não tem Maráca... Porra para fina, tu mataste a Margarida? Que nado brother, Magá ta de boi e me liberou. Porra brother demorou! Eu to indo pra uma quebrada moderna na Tijuca malandro. Ta afim?
- Pô Valdo, aquela boca é da pesada, malandro, só se eu levar o cano. - Porra demorou. Aqui brother, o meu três oito ta na correia. - Então segura aí que é dois tempos. Para Fina fumegou o Monza a gás e cinco minutos depois encostou de novo ao meio fio, desceu pagou a conta sem aceitar meu pequeno cacife e comentou: - peguei uma parada aí na semana, to calibrado. - Porra para fina uma parada boa e me deixou de fora? - Tinha para mais de três não, e Juca Foto e Gringo é que me colaram. Coisa fácil, mas fechou o tempo, eu tive que apagar um coroa meu brother, ele reagiu... Babaca, se ferrou com a porra da cartucheira na mão, mas antes meteu uma chumbada na perna do Gringo.
-Fiquei três horas tirando chumbo da perna daquela bicha. - Porra tomara que infeccione e o desgraçado morra eu falei e para fina retrucou. – Porra Valdo se eu não seguro malandro, o cara tinha metido a merda dos chumbos no peito dele. – Brother, e rastro? - Não, o único que tinha a chuva quente apagou! Tocamos fogo naquela merda cara, esquece. Hoje é sexta nesta porra deste meu Rio. – É, e, domingo tem Maráca com Mengão comendo bacalhau. Qual é Valdo, meu vascão ta afinado, vamos comer urubu assado com cachaça de macumba que é pra segurar à final.
Então fechamos? Meia dúzia gelada na saída do Maráca, - beleza! Ta amarrada, o tira gosto é bacalhau! É nada malandro, urubu na brasa! Aí cara, tem mais mulher sobrando no quintal, ou é pagode de rala peito? Qual é crioulo a nega Judite é enfermeira formada e ta com muito, até rei de escola pinta no quintal da neguinha. - E cumé que tu descolaste esta parada negão? Cara foi num desaperto, tava na pior e agüentei um taxista e o cara tava segurando um cano de chumbo pesado, eu tava de espeto, tive que me mandar.
O sacana aprontou um fuzuê e tive que fazer carreira, eu pulei o muro do hospital Belo Vista e quase caí em cima de uma velhota numa cadeira de rodas. Judite estava sentada lendo uma revista e tomando conta da mulher que estava apagada e nem acordou. Falei pra ela que estava numa furada ela nem pensou, mandou eu me enfiar no corredor e entrar na primeira porta a minha direita, era o sanitário, fiquei lá suando mano e pensei que a sacana ia me entregar.
Quando o taxista mostrou a cara por cima do muro e perguntou, ela disse que um negão tinha pulado e passado correndo pulando do outro lado do muro, fiquei ali dentro um tempo. Até que ela me chamou e me levou para uma enfermaria que estava desocupada. Fiquei até na hora dela terminar o plantão, saímos juntos e descemos o elevador até a garagem, entramos no carango dela e aí fui até o canto aonde ela se esconde. Paguei o favor, mas recebendo em troca. Contei a apertura pra ela e me adiantou uns trocados, depois deste lance estamos numa boa.
- Porra tu te aperta por que quer mano Valdo, se mulher me desse mole assim eu só ficava encostado nas saias, ta cheio de mulher querendo homem só pra foc-foc e ainda te trata na boa meu brother. Deus só dá asa a quem não quer voar. - Ai brother encosta ali perto daquele povo. É ali o barato da Judite. - Porra brother saca os caras que estão na maloca, ta todo mundo de canhão! - E daí brother não quer ver Deus? Então... Para ver Deus tem que subir! Esquenta não hoje é dia de paz, a Judite sabe se conduzir e pensou... Deve ser povo dela.
- Ai cumpade, a gostosa vindo no requebro é a Jú. - Porra sacana, casa com esta mulher brother. Te segura brother. - Aí minha flor, eu não falei que estaria aqui, trouxe o brother para fina comigo, tem rolo? Judite falou – tem nada meu nego, mas segura tua onda que o dono do pindura, o marechal do branco ta aí e ele pegou no meu pé, porra seja um bom crioulo senão a gente arranja pipoco. – porra Jú, ta queimando meu filme? – To não brother, mas não quero embarcar no balão que só sobe. Te segura meu nego, depois eu te dou a recompensa.
- Ta legal Jú. Tem uma geladinha? Claro, tudo pra meu rei! Vou pedir a mana pra te trazer uns tacos de gato que ta macião! Aí brother para fina esteja em casa, Tânia minha irmã esta sem bigode, mas tu meu rei, segura tua onda, tu é meu. - Ah é? Então vem me dar um cheiro Jú. - Porra brother, não complica a mulher caralho, estes caras são da pesada, olhe lá, deve ser o manda chuva e foi falar com ela. – Legal brother, vigia o sacana sem encarar, vamos tomar nossa gelada e ficar de molho, - falou brother é isto aí, temos uma aposta no Maráca e eu vou ganhar.
Duas horas depois eu já estava enrolando a língua e para fina já tinha se arrumado com a Tânia, eu sacaneado, pois a Jú estava com o dono do branco no pé e só me olhava no rabo de olho. Fui me invocando e aí o cara pegou a Jú e sentou no colo. Pior furada pra mim, não agüentei a parada e me levantei. Para fina tentou me segurar, mas os comandos do chefão já tinham percebido e puxaram os berros.
Tombei uma mesa, já puxando o trinta e metendo bala, para fina fez o mesmo, mas já caiu sangrando perto de mim. A fumaça subiu e o cheiro de pólvora invadiu meu nariz. Disparei na direção do dono do pó, percebi seu paletó branco de linho ficar vermelho na altura do coração. Dei mais dois tiros e tive de recarregar o berro, me descuidei e quando vi a Jú levantar e correr para o lado de onde eu estava, atirei para tentar proteger a neguinha, mas vi a mulher cair antes de chegar perto de mim.
Um safado que tinha contornado o muro me pegou de jeito, senti a bala queimando minhas costas e caí ao lado do para fina, ele falou com a boca cuspindo sangue, - te vejo no andar de cima brother, o vascão vai ganhar, tentou rir, mas fez foi um careta e virou o branco dos olhos. Porra que merda que eu fiz, escutei a sirene dos meganhas e um monte de pipoco, e a malandragem queimando pneus.
Os meganhas tomaram conta do barraco. Um deles meteu o pé na minha barriga e disse - este já era! Ainda ouvi os da farda falando o nome do cara, Marcuse, “o dono do pó” e dizendo para alguém avisar à imprensa, outro perguntou se tinha grana e alguém responde: - Pô cumpade tem que dá para gente ver o Mengão e Vascão no domingo e ainda sobram dois quilos de pó. Maraca pra todo mundo, - vistes as duas neguinhas furadas de pipoco? – Vi sim, um desperdício de mulher. Agora a voz dos caras está baixa e estou vendo as luzes muito longe. Que cagada que fiz, será que meu Mengão leva esta?
Trovador
FIM