Valor

Tio Zé foi o primeiro homem da nossa família a usar uma gravata. Eu fazia sacrifício pra acordar cedo só pra vê ele se arrumar. Eu do lado da minha vó assistia tudo de perto. Ele tomava seu banho. Na cozinha ela fazendo o café, e eu ali, captando tudo. Era mesmo . Depois de vestido a calça e a camisa, ia até o espelho que ficava no corredor. Nesse momento o mundo parava quando ele laçava o pescoço e começava a fazer o nó. Ficava encabulado de tanta volta e no final depois entrar e sair, a puxada final. Agora parecia um doutor, bem arrumado e ia pra cozinha tomar seu café. Eu ia junto, mas o sensação da gravata, não saia da minha cabeça. Tomava seu café sem dizer quase nada. Se sentindo muito importante. A gente olhava como se fosse o futuro que estivesse na nossa frente.

Minha vó ficava na porta até ele dobrar a esquina em direção a rodoviária. Na rua era só isso que se falava: “Maria tá querendo ser boa, só porque o filho agora usa gravata”. Não sei se era isso, mas ela estava muito feliz é verdade, todo lugar que chegava comentava como é difícil lavar as gravatas: “É um cuidado que tem que ter comadre Zelita, precisa ver. O tecido é fino de um jeito”. Pra secar colocava no varal da frente. Todo mundo que passava olhava, querendo entender o que era. Quando voltava a noite, depois de uma dia todo de trabalho, a nossa rua se curvava pra ele, com olho grande. Antes ninguém dava nada. E todos queriam saber o que ele estava fazendo. “Como conseguiu esse emprego?”.

- José, acho que a partir de agora não é bom você andar no bar com essa gente...

- Porque?

- Não fica bem. Pode prejudicar seu trabalho...

Quase não saia mais de casa protegendo sua imagem, e quando perguntava o que estava acontecendo com José, minha vó falava: “Comadre, é tanto trabalho que trás pra casa.” E prosseguia: “ É muita responsabilidade. Não é atoa que precisa se vesti daquele jeito”

Ia gente chamar na janela como nos velhos tempos e logo saiam desanimados, porque minha vó nem sequer dava o recado. “Ele não pode sair, porque está muito comprometido com o trabalho.”

Tio zé já nem estava mais feliz, colocava a gravata sem vontade, e se irritava quando minha vó demorava com os olhos sobre ele. As pessoas foram se afastando, não via mais nele o homem que era. “Só pensa na carreira”. “Cresceu a barriga. “. “Tem gente muda quando melhora de vida.”. ” Nunca gostei dele”. “Nem parece nosso amigo”. Em casa passava a maior parte do tempo, lendo, escrevendo, ou perdido como se algo estivesse fora do seu alcance.

Uma vez voltando das minha férias com minha tia, indo para Macaraní, descemos no Carquejo, Parada de entroncamento obrigatória. Uma chuva terrível. Os ônibus atrasados. Uma ventania gelada de dar medo, coisa rara naquela região, cheia de calor e pernilongo. Parou o ônibus da Rio Doce, empresa que operava naquele trecho. Quando entramos, lá estava meu tio. Ele não cobrou minha passagem.

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 28/03/2012
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