In Perfeito Amor

In Perfeito Amor

Ainda menina começou a plantar amores-perfeitos. A mãe trazia-lhe os envelopes cheios de sementes junto com os panos riscados para bordar. Um estratagema para mantê-la quieta, desconfiou anos depois. Obediente ou talvez apenas presa de um enorme desejo de dar certo, seguia religiosamente as instruções do verso. Depositava as sementes nos buracos cavados com os dedos na terra fofa da sementeira, em intervalos regulares. Quando as mudas atingiam o tamanho certo, transplantava-as para o chão onde deveriam ficar e esperava. Esperava que florissem só pelo prazer de ver as flores abrirem-se e acreditar, para si mesma, que as tinha feito nascer. Nunca duravam muito as lindas flores parecendo pintadas a mão. Delicadas, efêmeras, e tanto mais o eram tanto mais as amava. E replantava, replantava, replantava...acalentando o sonho de que um dia durassem para sempre.

Talvez por ver crescerem as flores, decidiu dar ao mundo algo de si. Cedo, ouviu rudemente de alguém que não sabia o que era amar: era jovem demais. Cresceu e disseram-lhe que falava demais, perguntava demais. Conteve as dúvidas e esperou diligentemente que se revelasse o amor que preenchesse os espaços aqui e acolá entre as paixões que a fizeram sangrar e deram vida ao desencanto. Difícil dizer em que momento desistiu, convencida que estava de que jamais seria ou teria um amor assim. Disseram-lhe que era exigente demais!

Quando o filho nasceu, fruto de um amor que a manteve em suspenso por quase quinze anos, presa na teia das imperfeições, amou-o desejando dar-lhe tudo e ser-lhe tudo: terra fofa, água, luz, calor e o lugar onde, por fim crescido, permaneceria. Em vão. O menino tinha asas e desejos, tanto ou mais que ela, vida e amor intensos, únicos, parecendo pintados a mão. E, apenas porque o amou demais, se demais existe em questões de amor, recolheu-se a bordar sonhos, exatamente como fazia com os panos trazidos com os envelopes, sempre que a floração acabava.

E talvez por ver crescer a flor de sua carne e antecipar que nunca haveria um para sempre, desconfiou. Não seria aquilo tudo um estratagema para mantê-la quieta? Um estratagema estranhamente arquitetado por ela mesma, agora mãe e ainda prenhe de tantas dúvidas e tantos desejos?

Aos quarenta anos a vida pareceu sorrir-lhe e, ainda que procure ao redor, à primeira vista, nada mudou. Mas, tocando deliciada o exemplar de amor-perfeito, colhido na última semeadura e ironicamente esquecido entre as páginas de um dicionário, súbito compreende: amar não se define, mas pode dar certo. E ela também!

Janeiro de 1999.

Raquel DPires
Enviado por Raquel DPires em 27/03/2012
Reeditado em 08/04/2012
Código do texto: T3579841
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