Só depois da porta abrir
Lá em casa ninguém falava mais alto que meu pai. “anda, logo”. Apressava o passo, tremendo quase. Homem brabo. Era. Minha vó não ligava, na cozinha fazendo suas comidas, não se importava. E meu pai batia na gente, cascudo, só pra fazer minha vó ficar com raiva. Ele sabia que ela morreria pra nos proteger. Um dia ela colocou o dedo na cara dele dizendo que não permitia que batesse nos meninos, que a mãe morreu mas ela não.
Nunca vi um homem com tanta raiva. Bateu o prato no chão dizendo que os filhos era dele, e que ele batia na hora que quisesse. “Bate, então, Paulo, bate se você for homem!”.
Ele parou de xingar a gente só pra provocar e se sentir vivo. Sua queixa era que a gente não gostava dele, que somente minha vó era importante.
- Vó, onde está meu pai?
- Sei lá, onde está aquele mandu?
- Vamos procurar, Miro?
- Não vai não. Já tenho preocupação demais.
- Deixa vó?
- Já disse que não, se insistir vai apanhar. Você quer isso?
- Não.
Mesmo agente saia escondido, de mãos dadas, pra um não se perder do outro.
Subia a rua da igreja. Passava pela praça e olhava nos fundos de todos bares.
E se visse algo dele, voltava pra casa aliviado e tranquilo, mas se não achasse, nossa angustia só aumentava. Sentia Miro apertando minha mão, tão preocupado quanto eu....
- Porque agente tem tanto medo assim, Jonas?
- Não sei. Acho que é porque nossa mãe morreu.
- Mas já faz tanto tempo..
- Eu sei. Mas ela dava muita força pra gente. Entendia as coisas que eu falava.
- E meu pai só fica na rua.
- daqui a pouco ele chega.
- Você me ajudar a limpar o quintal quando chegar em casa?
- De novo?
- Só hoje...
- Eu tenho minhas coisas pra fazer...
- Eu te ajudo também.
Agente preenchia nosso tempo com os afazeres da casa. Limpando o quintal, lavando pratos, ou mais tarde correndo pelo terreiro. Meu irmão mais velho fica na rodoviária pegando carrego com a galiota. tem dia que ganha algum dinheiro e leva a gente pra comer na lanchonete de abdias...
O quintal tinha hortas e algumas árvores onde ficava muito tempo de baixo da sombra. E quando a noite, se meu pai chegasse tarde, minha vó deixava brincar na rua com os meninos. Depois da escuridão, servia o jantar e ia pro quarto dela rezar, até bem tarde, quando se levantava pra botar a gente pra dormir e meu pai nunca chegava cedo. Só de madruga, dormia ali mesmo, jogando no só sofá de correia. Roncando, acordava todo mundo. dava pena de ver meu pai tão isolado. nesse momento nao sei onde ele está...
- Jan, já dormiu?
- Ainda não.
- O que você está pensando?
- Em nada . Só não consigo dormir.
- Eu estou pensando.
- Em quê..
- Quando a gente morava na roça. era mais divertido
- Tinha a mamãe...
- Jan?
- O que é?
- Você ainda pensa na mamãe.?
- Quase nunca, não lembro do rosto dela.
- Eu lembro todo dia...
- É que você ainda é criança
- Mas você também é..
- Sou mais velha
- Só um ano..
- Grande coisa...
- Vai dormir. Estava quase conseguindo.
- Ján?
- O quê, me deixa...
- Amanha vamos no rio?
- Se vovó deixar...
- Você já tem namorado?
- Fica quieto, vai dormir...
Jan era nossa única irmã, quase não conversa com ninguém. Mas parecia entender de tudo que se passava na nossa casa. Sempre tinha algo pra confortar a gente. Gosto muito de Jan, se não fosse o tamanha dela, poderia ser a nossa mãe, pois até o jeito de andar ela tem... Ela só consegue dormir quando ele abre a porta.