Como poderia falar (te amo)?
Ou como poderia amar um homem se o amor dele estava extinto? O homem que aniquilou tudo, exceto sua penúria destrutiva, que para mim é o fim, um espelho sob o reflexo de outro espelho e apenas eles num ato de contemplação silenciosa, perene, atemporal. De longe, eu pareço estar concentrada nessa visão, e só me vem o vácuo daquilo que é forasteiro, porque não existe alma que seja estrangeira, nem própria nem alheia. Nada. E apesar de estranhos, de ser Outro, nunca é plural. Não se constroem no que sou. Ai, desse modo, minha construção de mim fica à mercê dos eus multifacetados que pairam entre as esferas do real e do sonho. É tão difícil tocá-los. Assim, como posso falar? Ninguém vai ouvir. Um espectro dentro de mim há de negar-se. Afora isso, e fora de mim, os outros homens não vão ouvir, não vão escutar por mais clara que eu seja. São homens de cinzas, sem sopro, são homens sonhados por uma consciência anônima e de um lugar sem passado. Neste sentido, como posso ser, se estou em meio ao nada e se minha história foi devorada pelo estéril deserto canibal. A devoração vai se fazendo num ato vampiresco (e aqui o vampiro morre, não é imortal): o homem devora o homem, o homem devora tudo. Os dejetos contagiaram o solo, a efígie, restou em infertilidade. A aridez dos pensamentos e sentimentos humanos destruiu o que havia de humano neles e, em concomitância, destruiu o lugar e tudo isso era o fluxo que sou. Esmaecida e esmagada, suspiro, sonho o homem e tento sê-lo. Malograda, como sentir o homem que vai se rompendo em tiras brancas sem esboçar-se? Como não ser mais uma subalterna de mim mesmo, se a possibilidade de gritar volta-se para mim? E, ao ouvir, o próprio clamor, resigno-me. Uma espécie de resignação bravia, posto que há a certeza de que, apesar de subalterna, ainda humana. Com a capacidade de ser, de saber e sentir.
Como poderia falar...