PSIQUIATRAS

Psiquiatras

“ Quem é você? ”

Pensei por uns instantes numa resposta que fosse madura, mas que não tivesse o peso

dos meus 45 anos. Não é que eu me sinta velho, longe disso. É que já passei por grandes transformações ao longo da vida e definir, assim de pronto, quem sou eu sem uma análise profunda de tudo o que mudou em mim e de tudo o que precisa ser modificado não dá. Dei-lhe uma resposta tão “batida” ...Uma pessoa comum, respondi. Fiquei com a impressão de tê-lo decepcionado. Fez uma cara de quem esperava uma resposta mais complexa, com as firulas próprias dos egos mais inflados.

- Só isso? – Perguntou – Isso não responde minha pergunta.

- Então preciso de mais tempo pra pensar – Respondi – Mas sou franca em dizer que quando eu tiver uma resposta, talvez não tenha tempo de lhe responder.

- Essa eu não entendi. Como não vai ter tempo? Sua vida é tão corrida assim?

- Muito!Estou sempre entre um aprendizado e outro. Isso, quando não estou ensinando ao mesmo tempo. São tantas informações, tantas coisas a serem processadas por esse pobre ser, que ás vezes a mente nem se dá conta de tanta coisa que se acumula.Para você ter uma idéia, às vezes penso coisas que eu nem tinha consciência que conhecia, ou faço coisas inconscientemente, sem perceber que faço.Acho que vai ser assim até o último dia da minha vida...

- Hum...Agora você está sendo meio enigmática. Não conheço nenhuma profissão assim...

- Talvez. No fundo, todos nós somos um enigma a ser desvendado e isso nos torna comum. Já se perguntou quem é você?

- Ora, respondo com facilidade... Não é preciso me conhecer muito para perceber que sou comprometido com a verdade, que comigo é preto no branco, que não levo desaforo pra casa e que quando amo me dedico de corpo e alma, entre outras coisas que poderia dizer e me descrever para você.

- Perceber. Essa palavra tem a propriedade de modificar o sentido das coisas sabia?O que vejo, pode ser a mesma coisa que você, mas o que eu percebo, pode ser muito diferente.

- Pronto. Lá vem você de novo...

- Mas é verdade ué. O que quer que eu diga? Percepção é como um perfume...Muda de acordo com características da pele. As pessoas são diferentes em suas identidades, mas têm percepções diferentes, independentemente da cor da sua pele. Percebe que o que você vê e percebe pode não ser o que eu vejo ou o que os outros vêem e percebem?

- Entendo...Mas se pensarmos assim, concluímos que não conhecemos ninguém de verdade.

- Exato. A única pessoa que podemos conhecer de verdade somos nós mesmos e isso requer um interrogatório diário do “Eu”, afinal no fim de cada dia, qual de nós é o mesmo?

- Então as outras pessoas não são o que dizem ser quando se propõem a ser sinceras?

- São, claro que são, mas com a visão e a compreensão que têm de si mesmas, o que torna a auto descrição sincera, mas nem sempre verdadeira se considerarmos que as declarações serão julgadas sob outra visão de mundo e percepção de outras pessoas, o que equivale a dizer que “parte de mim é o que é e outra o que vêem ou percebem.”

- Sei. O bem e mal que vemos no outro, pode estar mais em nós do que nele.

- Viu? Sou uma pessoa comum.Uns amam, outros nem tanto.Erro muito, acerto ás vezes e aprendo sempre, sentindo a vida e o tempo passar ligeiro, guardando na alma o mundo inteiro sem ninguém perceber.

Ele coçou a cabeça, enfiou as mãos nos bolsos frontais de sua calça Jeans, olhou bem no fundo dos meus olhos e disse:

- Ninguém responderia essa pergunta tão simples dessa maneira... – Ele riu. Pegou o bloco onde fazia anotações e colocou sobre a mesa.

Agora, fiquei com a impressão de que botei firula demais. Mas também, vai entender. Fez aquela cara de decepcionado com a simplicidade da minha resposta e quando respondo detalhadamente o que penso, faz cara de surpreso e ri?

Despedimos-nos e achei por bem não nos vermos mais.

Quem ele pensa que é?

Elicia Dock Holtz
Enviado por Elicia Dock Holtz em 21/03/2012
Código do texto: T3567530
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