NA MARGEM DO RIO DAS ANTAS, SENTEI E CHOREI

Que sorriso encantador quando ela deixa sua boca entre aberta para sorrir, tenho a impressão de ver a face de Deus de tão bela que ela fica. Seus olhos esverdeados, seu cabelo curto e com aquele óculos de armação preta, deixa-a mais atraente ainda. Chego a esquecer que ela é casada e é apenas minha amiga. Quando suas mãos macias me tocam tenho a sensação de já ter partido para outra vida, sinto um prazer indescritível, acho que é semelhante a que se deve sentir quando se atinge a plenitude na vida após a morte. Sinto tudo isso no curto espaço de tempo, no qual ela me da um belo sorriso, pergunta como estou, e me faz uma injeção ou apenas troca o soro. Cada vez que ela me toca eu lembro muitas coisas, penso na minha vida e em tudo o que renunciei. Lembro-me de minha infância, do primeiro dia de seminário: eu era muito jovem, jovem de corpo e alma. Tenho algumas lembranças boas, como por exemplo: a vitalidade da juventude, as divertidas partidas de futebol. Mas, o que mais me vem à tona são as dores que passei. Nunca me saiu da memória as restrições, humilhações e submissões que tive de passar.

Na época, década de 60, entrei no seminário com mais 150 seminaristas, deixei minha família com apenas nove anos de idade e, segui para o seminário com o propósito de servir a Deus, sabendo que só voltaria ao aconchego de meu lar depois de ordenado padre, ou seja, depois de muitos e longos anos.

Minha infância e adolescência no seminário foram marcadas por uma disciplina austera e pela convivência com outros meninos, éramos proibidos de conversar com garotas. A recomendação dos superiores era de termos cuidado até com nossas mães, não tocar, tampouco olhar, para não dar espaço a vontade do “inimigo”. Passei toda minha juventude escutando que a mulher é uma criação satânica para nos tirar do caminho de Deus. Dizia o orientador espiritual: “O homem é a palha, a mulher o fogo e o diabo o vento. Portanto, não se aproximem delas. Se, porventura achares uma mulher bonita é porque esta faltando oração, vá a capela e reze, reze muito guri”.

Nosso dia-a-dia era marcado por muito trabalho na lavoura, orações e o melhor momento do dia: o futebol de fim de tarde. Em todas as atividades usávamos o hábito: trabalho na lavoura, no jogo de futebol e, até mesmo para tomar banho não podíamos tira-lo totalmente. Teríamos de confessar ao padre responsável, para não irmos para o inferno ou para que o diabo não viesse a ter conosco, se acaso, ao tomar banho olhássemos para o pênis, ou ainda se à noite enquanto dormíamos colocássemos a mão debaixo das cobertas, ou seja, tínhamos de dormir todas às noites com as mãos para fora da cama para evitar tocar na genitália.

Lembro também que era lei: se alguém quebrasse alguma coisa, por exemplo, uma xícara, mesmo que por acidente, tinha de reparar o erro publicamente quando todos estivessem reunidos no refeitório. O mais humilhante era carregar por uma semana pendurado no pescoço um pedaço do objeto quebrado.

Passei minha infância e juventude neste ambiente “formativo”. Aos vinte e um anos, fiz meus primeiros votos (castidade, obediência e pobreza), passei a ser chamado: Frei Amadeu, eu gostava muito de filosofia, teologia e já falava com facilidade o latim, muitos confrades teciam comentários que eu era inteligente e que era um forte candidato a estudar teologia na Gregoriana em Roma. Realmente eu era muito dedicado, todavia, ficava completamente atordoado na presença das mulheres, me sentia um bebê indefeso, de nada adiantava minha inteligência. Tinha muito medo de ser castigado por Deus se sentisse qualquer coisa por elas. Completei duas décadas de vida e nunca tinha olhando diretamente para meus órgãos genitais. Fui tomar consciência de sua real existência em um passeio que realizamos. O passeio foi no dia de São Francisco de Assis, dia 04 de outubro. Era comum realizarmos passeios nas margens dos rios, passávamos o dia tomando banho de rio e jogando futebol. No dia em que comemorávamos o santo padroeiro e fundador da Ordem dos Franciscanos, fomos passear no Rio das Antas, próximo da capital da longevidade, Veranópolis – RS.

Por volta das 15hs aconteceu algo que jamais esqueci em minha vida. Enquanto tomávamos banho com os demais “freizinhos” senti meu pênis aumentar de tamanho, eu fiquei horrorizado, achei que o “encardido” tivesse tomado conta do meu ser. Procurei sair discretamente e me distanciei do grupo. Longe do grupo sentei na margem do rio e observava meu pênis ereto, eu rezei, fiz o possível para ele voltar ao seu estado “normal”, mas nada adiantava, então fiquei por alguns instantes olhando-o e chorando até que para minha tranqüilidade ele voltou a seu estado de “pureza”.

Depois deste dia, muitos outros dias sucederam-se em minha vida, mas penso que foi naquele momento que comecei a pensar em minha vida sexual e perder parte de minha ingenuidade. No entanto, a verdade é que jamais consegui perder as marcas da educação que tive. Ordenei-me padre, trabalhei muitos anos para a Igreja, não me arrependo de meu trabalho prestado a Igreja, penso que dei minha contribuição para a construção do Reino de Deus. Porém, hoje neste leito de hospital, concluo que nunca fui vocacionado a ser celibatário. Fui à vida toda, mas por medo de Deus, dos superiores e de mim mesmo, compreendo que Deus jamais quis que vivesse na solidão. Hoje, estou velho, sem perspectiva de vida, sou um alcoólatra em estágio irreversível, meu fígado esta acabado, sei que fiz coisas boas, mas ao contemplar a beleza sobrenatural desta enfermeira que vem ao meu encontro todos os dias, penso que eu poderia ter feito todas as coisas boas que fiz na companhia de uma amável e dedicada esposa. Que tristeza sentia ao terminar uma bela missa, ao receber inúmeros elogios pela bela homilia proferida, mas após, todos retornavam ao aconchego de seus lares e eu ficava com a solidão e o silêncio da Igreja vazia, restava-me fechar a Igreja e ir para casa curtir meu maior prazer: tomar muitas taças de vinho; pois, não sei explicar a razão, mas sempre que pegava uma taça de vinho imaginava a sensação de algo que nunca fiz, parecia estar pegando o seio de uma mulher.

O interessante é que as pessoas não vão lembrar de mim por nunca ter tido uma mulher nos braços, mas vão lembrar de mim pelas boas obras que fiz ou então por ser um padre dependente do álcoo. Portanto, urge manifestar o que penso indo além dos meus meros pensamentos:

- Enfermeira!

- Sim padre, o que o senhor deseja?

- Gostaria que você tomasse nota de algumas considerações que irei fazer acerca do celibato na Igreja católica e, depois de minha morte entregue ao meu superior.

Ela tentou motivar-me dizendo que eu ainda viveria muito tempo, de que não havia razão de pensar em deixar algo escrito já, naquele momento. Eu insisti. Então ela sentou cruzou suas lindas pernas e pediu para eu ditar.

- Primeiro: Caro provincial, descobri neste leito de morte que tudo o que aprendi sobre as mulheres no seminário está errado. Na verdade, como elas são meigas, simples, atenciosas, dóceis, amáveis, belas... elas estão muito próximas do conceito que tenho de Deus.

Segundo: Tenho convicção que a maior lei de Deus é o amor, o celibato é uma lei terrena, criada pela cúpula católica na Alta Idade Média com fins humanos e não divino.

Terceiro: Muitos são chamados ao sacerdócio, pouquíssimos têm vocação ao sacerdócio celibatário.

Quarto: Não há argumentos convincentes na Tradição da Igreja e nem na própria Bíblia que justifiquem o celibato. Com exceção de João que era um adolescente entre os apóstolos de Cristo, todos eram homens casados. Na bíblia, São Paulo na carta a Timóteo pede para que os bispos sejam um exemplo de conduta, que tenham apenas uma mulher.

Quinto: Infelizmente a Igreja de Cristo está pecando por farisaísmo, está dando muito mais atenção a uma lei do passado ao bem-estar e equilíbrio psicológico de seus lideres; pois existem inúmeros padres com família às escondidas que não têm coragem suficiente para assumi-las e lutar para que possam haver padres com família legalmente e aceitos pela Igreja. Como também, existem, como em qualquer outra área, mas poderia se evitar significativamente, muitos padres desequilibrados sexualmente, que acabam caindo na pedofilia, homossexualismo ou até mesmo tornando-se ninfomaníacos. A Igreja que é santa e pecadora, que é humana e divina, está pecando por achar mais importante manter o celibato a zelar pelos seus fiéis. Se o celibato fosse facultativo na Igreja quantas pessoas a mais teriam a oportunidade de escutar a mensagem de Cristo, poderiam fazer sua iniciação cristã por meio dos sacramentos, quão mais eficiente seria o pastoreio.

Caro superior, refletindo detalhadamente sobre cada um destes aspectos que deixo escrito, pergunto-me: Por que os padres são condenados a viver na solidão? Por que, ainda, os padres não podem casar?

Eleandro Carlos Rossatto
Enviado por Eleandro Carlos Rossatto em 22/01/2007
Código do texto: T355232