Seu Ézio

Eu conheço seu Ézio desde menino, gosto de ouvir suas estórias. Sempre que chego da escola, saio na varanda do prédio onde moro, no 78 C, para ver se encontro com ele que fala mais do que aquela mulher da novela das oito.

Tenho só dez anos, mas a mamãe acha que pareço gente grande, porque vivo dentro do meu quarto, lendo e escrevendo. Leio de tudo, gibi da Mônica, turma do Cebolinha, mas o que gosto mesmo, é de ouvir seu Ézio.

Antes dele começar a contar suas estórias, ele me dá sempre um pedaço de chocolate. Parece que ele adivinha o meu pensamento. Eu perguntei pra ele porque ele me dava chocolate toda vez que me contava uma estória, e ele respondeu assim:

__ Se você não gostar da estória, pelo menos do chocolate vai gostar.

Era sempre assim, eu na varanda de casa, seu Ézio sentado na sua cadeira de balanço na varanda dele. Ah, eu não falei que ele era meu vizinho, NE? Pois é, ele é meu vizinho já faz um tempão, ele é meu vizinho mesmo antes de eu nascer. Papai um dia no almoço, me falou que seu Ézio mora aqui no prédio faz tanto tempo, que as pessoas acham que ele nasceu aqui. Mas eu não acredito nisso.

Seu Ézio me disse que morava sozinho, porque muita gente no mesmo lugar deixa a sua cabeça confusa. Nunca falou sua idade, mas acho que ele deve ter mais de cem anos, porque ele é todo enrugado.

Mas o que eu quero contar, é a estória que ele me contou, ele contou um monte de estórias, mas a que eu mais gostei foi a estória da formiga e do passarinho. Eu não entendi direito, mas foi a qual eu mais gostei, e seu Ézio naquele dia tava esquisito e falou que tinha compromisso. Mas mesmo assim, ele contou a estória pra mim.

Como eu tinha chegado mais cedo da escola, eu fui correndo pra chamar seu Ézio. Ele saiu e perguntou por que eu estava em casa tão cedo, aí eu falei:

__Os professores estão de greve.

Aí ele perguntou:

__O que você quer?

Eu respondi:

__Conta uma estória pra mim?

Ele contou, mas antes, ele foi trocar de roupa, porque tinha um compromisso importante. Ele colocou um terno bonito, daqueles que tem listras, e voltou pra varanda e começou a contar. Olha, acho que naquele dia seu Ézio bateu recorde de contar estórias, contou um montão e aí falou que ia contar a última, ele tinha um compromisso. E aí ele contou assim:

__Era uma vez uma formiga e um passarinho, a formiga era velha e solitária, ela tinha fugido do seu ninho porque não gostava do barulho que as outras formigas faziam quando estavam trabalhando, e quando estava caminhando pela estrada, ela viu um passarinho jovem que estava preso numa arapuca.

Ele me perguntou se eu sabia o que era uma arapuca.

__É uma gaiola? Eu respondi.

Aí ele explicou que arapuca é uma armadilha pra pegar passarinho. Ela tem uma forma de cabana com um graveto que deixa ela levantada e aí o caçador põe uma comida pro passarinho. Quando passarinho vai pra debaixo, ele puxa o graveto e o passarinho fica preso. Então, seu Ézio continuou a estória.

__A formiga então pergunta pro passarinho o que aconteceu e o passarinho falou que tinha ido comer e quando percebeu ele já estava preso dentro da arapuca. Daí a formiga velha, então falou que ia ajudar o passarinho se ele prometesse que depois ia levar ela em suas costas pra voar. Que era um sonho dela.

__Então, a formiga cavou, cavou, cavou, até abrir um túnel que o passarinho podia escapar. O passarinho ficou tão feliz que levou a formiga em suas costas e voou bem alto pra mostrar como era o mundo ele via lá do alto. A felicidade era tão grande do passarinho, que ele começou a cantar. Mas a formiga, como ela não gostava de barulho, começou a ficar desesperada, ela pediu pro passarinho parar com aquilo e como o passarinho não parou, ela pulou e acabou morrendo.

__Então o passarinho falou, __ Coitadinha da formiguinha, era tão velha que não conseguiu agüentar a música da juventude.

Eu gostei dessa estória, mas fiquei confuso quando seu Ézio me mandou entrar, me chamando de passarinho.

E eu estou contando tudo isso também, pra falar que estou muito triste, porque depois que eu entrei em casa, seu Ézio saiu, e nunca mais voltou.

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Alexandre Cardoso de Oliveira
Enviado por Alexandre Cardoso de Oliveira em 11/03/2012
Reeditado em 11/03/2012
Código do texto: T3547601
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