BOMTEMPO NOS CAMPOS DA FRANÇA
Gustave consulta o relógio. Nove e vinte da noite. Já estava quase na hora. Segundo a mensagem recebida por Bonanza Bomtempo, o salto estaria previsto para dali a dez minutos. Dentro de um galpão ele olha para o vulto dos outros integrantes do grupo de apoio. Além dele, o grupo era formado por dois homens e duas mulheres. Cada um deles, até então, observando por uma janela, buscando por algo fora da normal, algo que pudesse lhes indicar algum perigo, algo que os obrigassem a abortar a missão. Desde que a França havia se rendido, assinando um acordo de armistício, permitindo que os alemães ocupassem e controlasses o norte do país aquela passou a ser a forma mais comum de entrada e saída de agentes ingleses em solo francês, e feitas em horários específicos e controlados, pois o espaço aéreo era constantemente vigiado pelos alemães; além de usar esse mesmo espaço para incursões a bombardeios em solo inglês.
Bonanza havia recebido uma mensagem codificada, via rádio, e após procurar no pentagrama a linha correspondente, começara a decifrar a mensagem: “Em dois dias, horário sempre, receber e acompanhar agente em missão. Outros detalhes com agente. Chegada sem pouso”. Bonanza havia levado a mensagem já traduzida a Gustave, seu controlador, que a destruiu em seguida. Agora, ali, naquele galpão, através da janela, Gustave observa ao longe, até onde o luar permite ver com segurança. Ao que parece tudo está normal. Nenhuma surpresa à vista. À sua frente, um pouco mais abaixo, um vasto campo de aproximadamente duzentos metros de extensão, suficiente para o pouso de uma pequena aeronave se o piloto souber o que está fazendo, o que se daria normalmente, com agentes dispostos com lanternas em filas ao longo de cem metros orientando o piloto no pouso e em seguida descarregando e recarregando a aeronave rapidamente, mas não naquele dia. Segundo instruções recebidas e por não haver nenhum agente retornando ao solo inglês, não haveria pouso. O agente esperado saltaria de paraquedas e seu pouso seria orientado de forma semelhante ao pouso de uma aeronave, com lanternas acesas. Gustave imagina ser uma missão extremamente importante pra mover todo aquele aparato no deslocamento de apenas um agente. Ele olha novamente para o relógio e dá a ordem para preparar a recepção ao paraquedista:
- Está na hora! Creio estar tudo em ordem. Em suas posições. Já sabem o que fazer.
Rapidamente o grupo sai e se posicionam formando um quadrado de cerca de vinte metros de lado com Gustave no meio deles, todos com suas lanternas acessas. Três minutos se passaram e nem sinal do avião. Gustave começa a ficar preocupado. Poderia esperar no máximo por mais dois minutos. Depois teria que abortar a missão. Seria arriscado ficar ali por mais tempo. Um minuto depois ele surge a baixa altitude, um C 47, que a RAF chamava de “Dakota”. Gustave acena com a lanterna levantando-a por três vezes e em seguida a mantém no alto, sinalizando ao piloto que estava tudo em ordem.
O C 47 passa por eles fazendo um reconhecimento do terreno. O piloto, identifica o sinal feito por Gustave e impulsiona o avião ganhando um pouco mais de altitude, faz o giro mais adiante e retorna. Pouco depois ele dá o sinal. O passageiro empurra uma caixa, lançando-a no vazio abaixo, cujo paraquedas se abre assim que é puxada pelo gancho preso no cabo, em seguida conta até cinco e também salta. Observa a trajetória realizada pelo pequeno container que jogara pelo avião. Não iria cair muito longe do alvo. Perfeito. Embora seu paraquedas não permitisse grandes manobras ele busca pousar no centro do quadrado formado pela equipe de apoio.
Assim que pousa, Gustave e uma acompanhante se aproximam dele.
- Olá. Seja bem vindo! – diz Gustave.
- Olá. Eu sou Cooper...
- Sem nomes. Sua missão não é comigo. Minha função aqui é apenas lhe dar apoio inicial. Quanto menos soubermos um do outro melhor. Questão de segurança.
- Claro. Eu entendo. Trouxe algum armamento e munição para seu grupo. Joguei pouco antes do meu salto.
- Sim, eu percebi, e já mandei alguns agentes cuidarem disso.
- E trouxe comigo, nesta mochila, algo que não arriscaria jogar junto naquela caixa.
Cooper abre uma aba lateral da mochila e retira duas pequenas garrafas de whisky e dois charutos. Artigos raros naquele local em tempos de guerra.
- Um pequeno presente, e... Se você não vai me acompanhar em minha missão então não é Bonanza. Eu esperava encontra-lo aqui pra me receber e daqui seguirmos a nosso destino.
- Não se preocupe. Esta é Annette – diz Gustave, indicando a agente ao seu lado – ela o conduzirá até ele. Agora vão. Não convém perderem mais tempo.
- E vocês?
- Daqui seguimos a outro destino. Temos outra missão a cumprir.
Annette e o agente se afastam dali, pela estrada, e andam por cerca de quinhentos metros, onde alcançam um arbusto, atrás do qual estão duas bicicletas, com duas varas de pescar e novas vestimentas; como previra o novo agente não usava um traje adequado ao disfarce. Annette também troca a camisa e deixa ver uma pequena tatuagem em seu ombro esquerdo: duas letras entrelaçadas, “BB”. Agora sim, com novas vestimentas, um disfarce perfeito caso fossem surpreendidos por alguma patrulha. Teriam que pedalar por cerca de vinte e cinco quilômetros. Dobraram a barra da calça para não agarrar na corrente e se puseram a caminho. Faltando cinco quilômetros pra chegar a seu destino percebem a aproximação de duas viaturas vindo ao seu encontro. Para pessoas como eles se fazia sempre necessário agir com cautela. O disfarce estava perfeito, mas se podiam evitar aquele encontro com quem quer que fosse, assim deveriam agir; não havia necessidade de se arriscarem. Afastam-se da estrada e deitam-se no chão, cobertos por alguns arbustos, ficando invisíveis para quem passa pela estrada. Pouco depois eles observam dois Citröens passarem rapidamente à frente deles. Aguardam alguns minutos e seguida se põe novamente em movimento.
Walter Peixoto – fevereiro/2012
OUTROS ARQUIVO:
- Bonanza Bomtempo
http://www.recantodasletras.com.br/contos/3511101
- Sombras de Bomtempo
http://www.recantodasletras.com.br/contos/3597634