IRA

Não te apresses no teu espírito a irar-te, porque a ira abriga-se no seio dos tolos. Eclesiastes 7:9

IRA

João estava em um quarto de motel de periferia descansando de mais um exaustivo dia de trabalho. Havia acabado de tomar um banho e jantado frango assado com ervilhas. Fumava um cigarro e tomava um café forte. a TV estava ligada no telejornal, para onde ele olhava de vez em quando. Estava mais interessado no produto dos assaltos que fez durante o dia inteiro e que estavam jogados sobre o lençol branco da cama: um celular com câmera, um rolex, jóias, dinheiro e uma maleta.

As jóias foram roubadas cedo pela manhã de uma ricaça que morava perto da orla. João a abordou assim que ela abria a porta do Mercedes para ir trabalhar. Será que ela não sabia que era perigoso estacionar um carro daqueles na rua? Pegou o trinta e oito de cano curto, sua arma favorita, encostou no pescoço da madame e anunciou o assalto. Numa reação típica de mulher, ela ficou histérica com susto e tentou bater em João com a bolsa de grife. Ele não hesitou e atirou na testa. Jorrou sangue para todos os lados e a mulher caiusobre os bancos da frente do carro. João não gostava de matar. Era um profissional. Preferia que o "serviço" ocorresse numa boa, sem problemas. Mas também não pensava duas vezes em estourar qualquer um que reagisse. Na última vez em que contou, já havia matado uns cinquenta e oito. Também não gostava quando o "freguês" chorava. Matava sempre. Talvez por causa de algum trauma de infância do qual ele não se lembrava agora. Ou apenas para acabar com o choro irritante. Depenou a mulher, que estava vestida como executiva. Pegou dois brincos, um colar e uma pulseira de ouro mais oitocentos em dinheiro. Arrancou os pesados brincos das orelhas da mulher sem a menor pena. "Já era defunto mesmo" pensou. Pegou a moto e foi para um lugar seguro lavar o sangue que havia respingado na camisa. O serviço dera muito trabalho.

No quarto de hotel, João pensou em Betânia, a namorada que conhecera há seis meses. Ela era doce e carinhosa. E nem ligava por ele ser um assaltante. Só queria amar e ser feliz, com dinheiro no bolso, é claro. Ele estava até pensando em morar com ela. Estava apaixonado. Por isso havia chamado ela para o motel para comemorar o "apurado" do dia.

Abriu a maleta que estava em cima da cama e encontrou quase dez mil dólares em notas novinhas. Sabia que ia valer a pena seguir o gringo nervoso que tinha visto no banco. Abordou o loiro de olhos azuis dentro de um edifício garagem, quando entrava em uma caminhonete. Gostava deste tipo de abordagem, assim poderia empurrar o infeliz para dentro do carro e ninguém via mais nada. Deu uma coronhada na nuca do gringo com toda a força que tinha, tirando muito sangue. O otário desmaiou dentro do carro com as pernas abertas, feito um frango assado, sem nenhuma reação. Pegou a maleta, trancou o carro com o alarme e jogou a chave no lixo.

João ligou para a recepção do motel e avisou, pela terceira vez, que assim que a moça morena chegasse era para liberar a entrada. Estava ansioso e solitário. Sentia saudades de Betânia. Desde que se conheceram, ele não havia passado um dia sequer sem vê-la.

Depois de roubar a maleta do gringo, João passava pela autoestrada quando viu um homem gordo e grisalho ao lado de um alfa romeo quebrado no acostamento. O sujeito já tinha uns sessenta anos e estava pedindo ajuda. Estava todo vestido de branco, parecendo um médico ou dentista. João estranhou ele não ter ligado para o seguro pelo celular. Ou talvez não conseguisse sinal para ligar. O bandido desceu do carro todo solícito. Apertou a mão do homem e perguntou qual era o problema, ao mesmo tempo em que abria o capô do carro. O homem disse que estava dando partida no carro fazia meia hora, mas não conseguia fazer com que pegasse.

- Você tá ferrado - disse João, balançando a cabeça sem esperança.

- É sério?

- Sim - falou o bandido, esbofeteando o rosto do homem e sacando o trinta e oito, anunciando o assalto.

O gordo ficou apavorado e disse que não tinha dinheiro, só cartões de crédito. Aquilo tirou João do sério. Sem dinheiro? Ele havia parado o carro por nada? Bateu com o cano do trinta e oito no nariz do homem, que caiu todo ensanguentado no acostamento ao lado do carro. E não parou por aí. Chutou as costelas dele até os ossos estalarem. Já ia meter uma bala na nuca do sujeito quando percebeu o rolex, dourado e brilhante no pulso esquerdo.

O gordo tinha que morrer, pois tinha visto o rosto de Jõao. Mas o profissional ficara tão impressionado com o relógio que parara de chutar a vítima, que desmaiou no primeiro minuto da surra. Nunca em sua vida João tinha visto um relógio tão bonito, tão bem acabado. Pegou o relógio e fugiu antes que a polícia chegasse.

No motel, ficava cada vez mais ansioso pela chegada da namorada. Havia preparado um jantar especial para ela, à luz de velas, com seu prato favorito: camarão ao alho e óleo. Ligou para o celular da garota e ouviu que ela estava a caminho. Naquela noite, João pensava, ele seria o rei.

Olhou para o celular moderno e relembrou como o conseguiu. O aparelho era de uma adolescente de não mais que dezesseis anos. João a notou imediatamente no shopping onde almoçava. Ele adorava comer na praça de alimentação, junto a membros da classe média alta. A menina chamava-se Nancy, ele descobriu depois olhando o celular. era muito branca, cabelo liso e preto, curto, tocando a nuca, boca e nariz finos, olhos azuis e muito magra. Vestia top e mini-saia branca, relógio colorido e sorria bastante ao celular, provavelmente falando com o namoradinho. típica "patricinha".

João adorava roubar das classes altas, Isso, de alguma maneira, o fazia sentir-se parte dos ricos e privilegiados, sempre que arrancava as jóias, pegava dinheiro e atirava nas vítimas, sentia-se um vencedor. Um tubarão corporativo. E quem não gostaria de fazer árte da elite, dos donos do poder?

Seguiu a menina até o banheiro feminino e entrou quando não havia ninguém do lado de fora. Ela estava lavando as mãos quaando ele a agarrou por trás, arrastando com força para dentro de um dos sanitários. Nancy tentou mordê-lo e gritar, mas ele era mais forte e deu-lhe alguns tapas para que desistisse. A moça era realmente linda. Pegou o celular e sorriu ao guardá-lo no bolso. Depois tocou o rosto de Nancy, que chorava e soluçava sem parar...

- Sabe o que a gente vai fazer agora, menina? Vamos brincar um pouquinho, só você e eu...

- Para... - foi tudo o que ela conseguiu dizer em meio a soluços.

- A gente vai brincar até o sol raiar...

João se demorou no estupro. Nem mesmo se preocupou com a segurança do shopping. quando terminou, lavou as mãos calmamente no banheiro feminino e saiu com seu novo celular, agradecendo por não haver câmeras dentro dos banheiros para registrar os tiros que deu na garota. Novamente, não havia ninguém no corredor. Era seu dia de sorte.

O bandido foi despertado das lembranças pela campainha do quarto. Quando perguntou quem era, ouviu a voz de Betânia, doce e carinhosa. Abriu a porta e levou um soco do policial que aguardava do lado de fora com a arma na mão. A pancada havia sido forte e jogado João a um metro da porta. Ele ficou zonzo e perdeu alguns dentes, mas arrastou-se rapidamente até a cama para pegar seu trinta e oito. Outro policial invadiu o quarto seguido por muitos outros e atirou na perna esquerda de João, fazendo-o largar a arma. A bala atravessou o membro e fez um ferimento terrível, esmigalhando ossos e espalhando muito sangue.

Betânia o traíra. Talvez quisesse a recompensa de dez mil que a polícia oferecia. Ou o anel de ouro que os dois viram no shopping e que ele havia lhe prometido. Qualquer que fosse o motivo, ela estava cheia de ira...