Fora do Ninho
A grama que faz coçar esquisitamente a asa direita vinha mais uma vez lembrar a sina de ser pássaro, de voar, de morrer imerso na literal liberdade. Impossível gozar de infelicidade tendo uma vida alada. Não para este pássaro. O que há de errado nos imaginários cruzamentos celestes? O que há de efêmero no objeto inspirador de tantas liberdades, pintadas e cantadas em todos os tons de azul? Afinal, qual ser não reverencia o ato de voar?
Entre as mais verdes folhas, da mais linda árvore daquele cerrado, caatinga ou mata atlântica, ou qualquer coisa verde em transição, entre as nuvens e os cactos ímpares nascidos na mais seca rocha de agosto, lá no alto, bem no alto mora o pássaro prisioneiro. Tentando incansavelmente, com seu canto avassalador mostrar aos irmãos de pena o universo inquieto que mora em seu corpo, e grita neste pedaço-tronco-folha, geografia do seu dia-a-dia, que merecia no lugar de bico, leves lábios, em seu peito, braços era o que desejava e em seu rosto era sim algo como um sorriso o que precisava, pois lá, bem lá dentro, na curva da glicose para a energia, era um homem que existia e não um pássaro e ser homem seria estar livre. Vãs asas! Olhando o homem, arrumou as penas e mostrou todas as suas cores, preparou a pose, cantou mais alto desejando que no clique rápido do registro da imagem, no segundo exato da revelação da foto a mágica acontecesse e tão rápido quanto um bater de asas fosse capaz de se transformar, de se encontrar e nunca mais precisar voar finalmente e como uma gente madura correr passo após passo sobre a terra e estradas e areias, esguio, forte, indomado.
Um pássaro que era homem. Não sabia o lindo e inconformado pássaro que atrás das lentes havia um homem que era pássaro.
Um conto para o Manoel.