Acorda, mãe!

Meu pai nem morreu direito e minha mãe já está saindo de casa. Se arrumando, se pintando, nem parece a mãe que antes não saia da cozinha. Submetida aos gostos dos outros. Sem vida própria, vivendo apenas pra família e nada mais. Era até chato ver como ela agradava meu pai. Chegava a ser enjoado aquilo. Será que não era de verdade, será. Não duvido mais de nada. O povo não para de falar. Morro de vergonha. Ontem parou um carro bem na frente de casa. Ela se encheu de perfume e sumiu dentro da noite. fiquei esperando até de madrugada. Não agüentei e adormeci. Quando acordei a garrafa de café estava vazia. Isso nunca aconteceu. Nem a casa ela limpa direito. Antes era triste, pelos cantos. Eu pensava que era pela doença de meu pai. Mas parece que não, sua tristeza era de não poder fazer as sem-vergonhice faz agora.

- Acorda, mãe. Estou com fome!

- Se vira lá com qualquer coisa. Sua mãe dançou tanto.

- A senhora não voltou ontem..

- Estava muito bom lá. Precisa conhecer Afonso.

“Merda ruim”. Que ódio eu passei a ter. minha cabeça doía de tanta raiva.

“Sua mãe tá se divertindo, hiem”. “Não é da sua conta”. Gente da porra. Que não cuida da vida deles. Ela também não é flor que se cheire. Nem acreditava que uma senhora pudesse de uma hora pra outra ficar safada. Era tão respeitada na rua. Ninguém mexia. Isso foi lá em Seu Dema. Fui comprar um sorvete e desgraçado fez esse comentário. Perguntou ainda se eu podia dar uma recado pra ela. Se ele podia dar uma passadinha em casa pra conversar. Mandei ele ir a porra. Onde já se viu. Se pai fosse vivo. Se fosse vivo. Na frente de casa, dona Zilma. Mulherzinha fofoqueira, não sai da janela, sinto nela a vontade de desfazer, de envenenar. Velha cínica.

Estava na praça outro dia o babaca do homem que saiu com ela, me parou

Com voz de safona.

- Meu rapazinho, tudo bem. Sua mãe fala muito de você...

Eu não disse nada, mas meus lábios desenhou a palavra otário na frente dele. Peguei em sua mão pra não deixar ele sem graça, mas logo inventei uma desculpa pra sair de perto. Meu desejo era pular na sua garganta, pra nunca mais dar em cima da mãe dos outros. Filho da puta, cretino! Depois que me afastei ficou dizendo que a gente podia ser amigo. Amigo! rá rá rá...nem ferrando...quero que ele morra, desgraçado!

Pra casa não dar bicho, comecei a limpar. Porque acordava duas da tarde e corria pra fazer cabelo, fazer unha e voltava quase a noite. dava um dinheiro pra comprar pão e manteiga. E pergunta se ei fazia o café. Janta em casa nunca mais teve. Uma felicidade de dar nojo. Como odeio gente feliz. como odeio a felicidade dela. no fundo prefiro ela deprimida, sem vida, cheia de ódio por dentro. Agora essa alegria toda por causa de uma cafajeste. Sinto que quando ela era infeliz eu me sentia mais amado...

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Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 01/03/2012
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