Diário da ceifadora

Olá, meu querido folgário. Faz tempo que não nos vemos, não é?

É que não tenho tido muito tempo nem coisas interessantes para escrever. Porém uma alma recente lhe renderá algumas novas linhas. Era um filhote de humano, como costuma dizer um...'colega' meu. Não havia nada de especial nele, a não ser uma insistência em uma exótica e muito peculiar indagação que ele não parava de repetir (insistentemente, é claro). Antes disso talvez seria interessante notar (e anotar) que ele estava esperando um ônibus e começou a chover, mas ao contrário dos outros ele não correu para algum amparo. Continuou esperando debaixo de chuva. Alguns humanos correm da chuva com medo. Comportamento estranho, eu diria. Alguns se protegem com coisas que chamam de 'guarda-chuva' ou capas. Um pouco mais estranho, por que dependendo do uso ou mal uso desses recursos, acabam ainda mais molhados e com mais xingamentos a chuva, que não faz nada além de chover. Alguns [raros, escassos, quase extintos] ficam como a nossa alma em questão (que na época estava dentro de um corpo debaixo de chuva). E esses são o tipo mais estranho, ao menos para os que correm e os que abrem os aparatos que aparam e amparam da chuva. Dito isso e que seu ônibus chegou eras depois, após um oculto e sutil ritual místico que muitos fazem inconscientemente (o ritual consiste em juntar muitas pessoas em um local sagrado chamado 'parada de ônibus' e elevar o poder do ódio/rancor ao extremo através de uma complexa cadeia de magias compostas pensamentos malignos, ansiedade e xingamentos até que ele seja suficiente para invocar um ônibus, que aparece no horizonte [ou virando a curva] pouco tempo ou horas depois, dependendo de quão poderosamente mágicos são os invocadores), entrou no ônibus. Sua viagem foi tranquila e a tal pergunta peculiar não o incomodou, só o senhor que estava dormindo ruidosamente ao seu lado. Não, as janelas fechadas claustrofobicamente por causa da chuva também não incomodaram, e durante a viagem de 45 minutos a pergunta continuou a hibernar em seu inconsciente, como sempre fazia até ser surrada instantaneamente ao se deparar com o fato incômodo, do tipo que acorda perguntas peculiares. O fato é: ele ouviu alguém dizer 'obrigado' ao motorista antes de descer do ônibus de alguém antes dele. E alguns outros 'obrigado' que se seguiram a esse. Esse é o tipo de fato que acorda perguntas peculiares como 'Não entendo...por que diabos as pessoas agradecem ao motorista?' e logo fazem almas entrarem em fluxos de consciência peculiares como o seguinte:

"Por que as pessoas agradecem especificamente ao motorista? Ele não está dando esmolas nem carona, ele está simplesmente fazendo o trabalho dele. 'Ah, é um agradecimento pelo bom trabalho que ele faz', poderia dizer um ou outro caso eu perguntasse, mas na maioria das vezes seria um 'sei lá', com certeza. Mas por que o motorista? E se a lógica fosse essa, por que não agradecer ao cobrador, ao gari, ao cara que corta sua grama? Não entendo de jeito nenhum...por que especificamente o motorista?" e continuou assim por algum tempo. Tempo suficiente para sua inconsciência lembrar que seu corpo também precisava descer do onibus, e sua alma cair direto nos meus braços, graças a outro motorista que estava fazendo seu trabalho e que a alma em questão teria xingado se não estivesse concentrada no porquê do agradecimento específico a motoristas de ônibus que se estabeleu naquele lugar como regra imutável e constantemente reincidente sobre sua pobre consciência cheia de perguntas peculiares. Não me importo muito com esse tipo de pergunta peculiar ou sua [im]provável resposta, mas foi algo interessante. Apesar de tudo, humanos são um pouco interessantes, o que não quer dizer que eu me importe com as questões peculiares deles.

P.S.: Se você, querido folgário, além de receber minhas notas, consegue notar algo enquanto eu anoto em ti, deve ter notado a notável diferença nessa nota, um estilo digno de nota. Foi uma alma de algum escritor exótico pelo qual passei um dia e conversei um pouco. Tomamos um drink em um exótico bar que dizem ser o restaurante do fim do universo. Estilo interessante que resolvi adotar em parte, embora eu não me importe nem um pouco com que estilo os humanos usem ou deixem de usar. Até a próxima folga, com mais fatos interessantes [ou nem tanto].

A Ceifadora

Transcrito por Dija Darkdija

Dija Darkdija
Enviado por Dija Darkdija em 27/02/2012
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