Conversa de rua

- Já vai sair?

- Só vou ali!

- Você está saindo todo dia nessa hora...

- E qual o problema?

- Não sei, antes não era assim. Sinto que você não gosta de ficar comigo...

- Vai começar?

- E não é isso?

- Não enche, tá...não pegue no pé. Não gosto disso.

- Vai a merda, então...

- Não vou a merda. Só vou andar um pouco...

“A verdade é essa, não suporto mais ficar do lado dela. Ouvi seus papinhos, suas conversinhas vazias. Na semana tenho o trabalho, que é uma boa desculpa, mas no domingo, que nem o futebol de várzea tem...é um sufoco ser casado. Não sei porque me meti nisso. Nessa merda do caralho. Domingo que vem tem uma festa da casa de Dário. De arromba mesmo. Mulherada de toda região. Bebida a vontade, até wiski vai ter. Quando Dário dá uma festa é pra foder mesmo. Não tem pena de gastar dinheiro. Gente fina. Mas não vou poder ir . Se fizer isso teria que aguentar a cara de merda dela durante uma semana. Sem sexo ainda...o que salva é a xoxota dela, tirando isso, mais nada me agrada. “

“vou dar um pulo na casa do tom. Tomara que esteja em casa. Sujeito bom de conversa. Não é pegajoso nem adulador. Não gosto de gente que tenta agradar, que faz tipo, que mostra ser o que não é, tenho vontade vomitar quando isso acontece. Meu impulso é dar uma porrada na cara. Cuspir no rosto. É raro encontrar gente pra falar das merdas do dia-a-dia. Sem me julgar ou dizer que estou errado. Ou dizer que sou mal agradecido por ter uma mulher que me ama. To farto dessa gente nojenta...

- E ai, julio!

- Como vai, Tom? Que bom que encontrei em casa...

- Bem, to legal, fase boa, pra onde tá indo?

- Andando um pouco. Vim aqui pra gente conversar.

- O que houve?

- Nada demais. Só as bostas de sempre...

- Estou indo na casa de Leandro. Quer ir comigo?

- O que tem lá?

- Um churrasco, deve ter algumas safadinhas também. Leandro é cheio de amiguinhas....vamos, a gente conversa no caminho. Paramos em algum lugar

- Não sei. A coisa em casa tá meio encrecada...

- Ta casado ainda é?

- Sim...essa é a bosta.

- Ainda bem que me livrei dessa fria...

- Foi fácil?

- Sofri pra caralho, mas valeu a pena. Hoje vou pra onde eu quero. Sou dono da minha vida...

Havia chovido pela manhã. A rua ainda estava com alguns pontos molhados. Ventava frio, mas um sol cansado se espremia pra aparecer no céu. A rua com cara de domingo. Quase deserta. Algumas portas abertas. Os dois amigos seguiram subindo a ladeira, a conversa fluía. Antes de chegar Á casa de Lendro, parou no bar de ananias. Pediu fichas e cervejas. E continuaram...

- Por que seu casamento está tão ruim, Julio?

-

- Não é ruim, não. Ela é uma boa mulher. Eu que não quero. Tanta coisa acontecendo. Nunca deixei de ser um vagabundo boêmio. Fingir ser um homem serio, zelador de uma família é arrasador. Tenho dores pelo corpo todo, de tanta raiva que passo, tentando ser amoroso...

- É..fingir é muito penoso...e porque não dar um basta nisso.

- Pensa que é assim?

- Pague o preço. Se quer sua liberdade precisa aprender a pagar...

- Pagar como?

- Esse cagaço que você tem sofrer, de perder, de ficar sozinho.

- Eu sei. Joga logo.

- To esquecendo do jogo. Pega mais uma cerveja. Ananias, traz um cerveja pra gente.

- Esse taco tá uma bosta.

- Quero comprar um pra mim. quero ter meu próprio taco...

- Muito melhor.

- Boa tacada.

- Acha que está jogando com quem?

- Onde você colocou o giz azul?

- Eu uso só o branco

- Tem que usar o azul

- Tá pegando alguém? Eu uso o que quiser...

- Uma menina lá da vila. Bonitinha. Louca pra casar

- Carambra, como matou essa bola, melhorou bastante, heim...e porque não casa?

- Porque não sou besta...esse tipo de porqueira a gente só faz uma vez...

- Mas então o que você acha da minha situação?

- Não sei, cara. Como vou saber. Nãoe sei o quanto está comprometido com ela...você gosta? Vai querer morrer depois? Vai chamar pela mamãe. É você que tem que ver isso. Não posso dizer pra você se separar...

- Porque você não pode falar isso?

- Porque não quero carregar fardo nenhum mais...entedeu?

- Joga logo. Demora demais pra jogar..

- Arrisca mais, cara, só isso, arrisca mais...

Não fui até a festa. Voltei depois dessa conversa. A rua já estava seca. Quanto mais adiantava pra perto da minha casa mais longe ela ficava. A noite começaça cobrir a cidade de preto...

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 27/02/2012
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