Nada de ruim nessa vida

O dia já estava alto e minha mãe na porta esperando meu pai chegar da noitada. Dali a pouco a discussão, prato quebrado, grito, e ele caído no chão de mole que ficava.

- Morreu, mãe?

- Se tivesse morrido, a gente estava salvo desse traste...

- Que isso, não fala assim com meu pai, mainha..

- Vem aqui, ajuda a puxar ele pro banheiro, esse cachorro!

A gente pegava pelas pernas e arrastava pelo corredor, olho arregalado,

Sem dizer nada. Fungando alto. Meu pai era encharcado pelo chuveiro. O barrigão estufado, afundava e balançava para os lados. No banheiro vi a rola dele e fiquei assustado, comparei com a minha, que ainda era bem pequena, e tive raiva. Minha mãe passando sabão e esfregando, cresceu ainda mais.

- Vai lá pra fora, deixa que eu termino.

Fiquei um pouco parado

- anda, menino besta, vai lá pra fora.

Eu saia e minha mãe fechava a porta do banheiro e demorava mais de uma hora lá dentro. Esperava até cansar. Acabava me envolvendo com outras coisas. Atravessava o descampado e ia tomar café na casa de vó Zulmira, que era do outro lado da colina.

- Seu pai já chegou Zinho

- Já sim, vó

- E sua mãe, como ficou

- Ta trancada com ele no banheiro, dando banho.

- Gente que se merece!

- Como assim, vó?

- Toma logo seu café, vai esfriar.

- Calma, to tomando.

- Vai ajudar seu avô depois do café. Ele tá capinando o quintal. Joga os capim do lado da cerca , mas não deixa solto não. Se não os bicho espalha. Esses cachorro do cão, ainda mato um.

Minha avó era do tipo mandona, braba também, cheio de razão nos assuntos. Ninguém podia discutir com ela e sair sem ser insultado. Não aceitava de forma nenhuma o casamento de minha mãe com meu pai. Pra ela era um farinha perdida. “Onde já se viu, uma homem desses, irresponsável , cachaceiro e mentiroso”. “Minha filha era tão bonita quando foi morar com aquele infame, e o desgraçado estragou. Já vi ajoelhada no quarto, aos pés de nossa senhora aparecida, rodeada de velas, pedindo pra ele ir embora, ou que minha mãe tome juízo, e largue de vez ele pra trás. Eu ficava morrendo de medo, pois apesar de meu pai ser um estranho na nossa casa, não saberia muito como seria nossa vida sem alguém pra minha mãe brigar. Pois até quando não tinha problema nenhum, mesmo quando ele ganhava um pouco de prumo, os olhos dela de descaso com a vida não saia da cara dela. Dava medo ficar perto, que parecia que a qualquer momento ia mandar a gente pro inferno.

Quando voltava da casa de Vó Zulmira, quase na hora da comida, entrava no quarto deles e via minha mãe apagada do lado de meu pai, dormindo bem tranquila. Lençol sobre o corpo nu. Dormiam como anjo, como se não existisse mais nada de ruim nessa vida