BONANZA BOMTEMPO
Já passava das seis da manhã quando dois Citroën pretos pararam em frente a um pequeno prédio de três andares em um bairro a leste Lile, França. Alguns vizinhos observam discretamente pela janela, outros pela fresta da porta e se recolhem ao reconhecerem as viaturas dos agentes nazistas. Eram tempos difíceis aqueles. A França fora ocupada pela Alemanha, e desde então o medo passou a ser rotina para aquelas pessoas.
Julien saíra cedo pra enfrentar fila pra comprar pão e carne, produtos escassos naquela ocasião e não tinha certeza de que os encontraria mas tinha que arriscar. De longe percebe a chegada dos agentes da Polícia Secreta Nazista. Eram quatro. Dois sobem rumo ao seu apartamento. Outro segue pra vizinhança, com certeza para obter alguma informação a seu respeito.
Julien percebe tarde demais que não deveria ter contado vantagens àquela preciosidade que conhecera na noite anterior.
- Vadia! – deixa escapar.
As pessoas próximas na fila o olham com censura. Ele acha melhor se afastar dali o mais rápido possível. Mas pra onde iria? Certamente não poderia mais voltar ao seu apartamento. Já ouvira falar dos prisioneiros que caíram nas mãos dos nazistas, nas torturas, choques elétricos, não queria nem pensar na sua sorte se isso acontecesse. “Caramba! Apenas levei um bilhete uma vez, e nem sei se tem alguma coisa a ver com espionagem... e faz tanto tempo! E depois eu só disse aquilo pra conquistar aquela garota, só isso... droga!”
Julien dobra a esquina e segue apressado tentando encontrar uma saída. Lembra-se de Paloma. A quitinete dela ficava perto de onde estava. Nunca tivera nada com ela, mas sabia o que ela fazia pra viver, e não a censurava, porque naquele momento era difícil conseguir um emprego. Sabia inclusive que ela saia com militares de alta patente. Era com ela que ele iria ter e essa relação com militares de Hitler poderia lhe ser útil de alguma forma. Assim que dobra a outra esquina ouve o ronco dos motores do Citroën e ao que parece eles estão apressados. “Devem ter perguntado por mim na fila do açougue. Que idiota que eu fui!” Julien corre então, mas os agentes conseguem vê-lo entrar apressado no prédio de Paloma.
Após bater insistentemente à porta, esta é aberta por uma linda morena enrolada num lençol e com cara de sono.
- Ah... é você, Julien. A essa hora? O que foi?
- A polícia está atrás de mim...
Paloma abre mais aquelas duas jabuticabas de seu rosto pra cima de Julien.
- Como assim? – pega de surpresa, tenta por em ordem as idéias – E você os trás até aqui. Assim você me envolve também nesse rolo todo. Não quero problema com a polícia, aliás me dou muito bem com eles...
- Calma. Acho que consegui despistá-los.
- Acha mesmo? – Diz uma voz atrás dele.
Julien e Paloma se assustam enquanto os dois agentes da Gestapo entram calmamente encarando os dois.
- Acha mesmo que pode escapar ileso Sr Julien, ou poderia dizer: Sr Bonanza Bomtempo?
- Não sei do que estão falando – se apressa em responder Julien.
- Ah, não? Há seis meses que monitoramos o envio de mensagens codificadas, e tentamos localizar sua origem, mas temos que reconhecer, você é muito bom e tem feito um estrago enorme em nossas defesas. Temos tentado triangular o sinal mas é sempre muito rápido e está sempre mudando de lugar da transmissão. Tudo que nosso pessoal conseguiu foi um nome: Bonanza Bomtempo. E finalmente o pegamos. Há um pessoal nosso vasculhando seu apartamento em busca do transmissor. É tudo uma questão de tempo agora, meu caro Bonanza.
- Escuta. Eu não sei do que estão falando. Eu não sou esse aí não...
- Isso nós vamos ver. E essa aí quem é? Sua cúmplice? Ela vai com a gente.
O outro agente começa a vasculhar o apartamento, abrindo gavetas, jogando objetos no chão, bagunçando tudo. Julian não poderia deixar que a levassem. Ele a envolvera nisso e não seria justo que ela fosse torturada sendo inocente e por sua culpa. Não queria envolver mais ninguém.
- Espera. Ela não tem nada a ver comigo. Eu vim aqui apenas pra encontrar um abrigo. Ela é apenas uma prostituta que eu “pego” de vez em quando...
- Cala a boca! – Diz um agente e dá-lhe um soco no rosto – O Doutor vai se divertir muito com você. Este é o tipo preferido dele.
Quando o outro agente abre o guarda-roupa, Paloma começa a chorar. O agente se vira, olha pra ela e tenta se lembrar de onde a conhecia. Provavelmente em algum prostíbulo que estivera ou ainda que até já estiveram juntos numa cama. Não... uma mulher como aquela se não esqueceria tão facilmente. Olha pro outro e este diz:
- Vamos. Já temos a nossa presa. Esta aí não é ninguém, é apenas uma vadiazinha. Deixa pra lá.
Julien é arrastado pra baixo e jogado dentro de uma das viaturas.
Paloma observa pela janela os Citroëns se afastando em alta velocidade rumo ao centro de Lile. Ainda não conseguia discernir se tivera sorte ou azar. “Como pode aquele idiota trazer aqueles agentes até aqui?” Segue até o guarda-roupa, abre um fundo falso e retira uma pequena maleta, contendo um transmissor de rádio, o coloca em uma mala maior e joga algumas roupas por cima, pega alguns objetos pessoais e se apressa em sair dali. “Hoje Bonanza Bomtempo transmitirá sua última mensagem de Lile: ‘BB iluminado. Sigo base dois’. Espero que nenhum outro idiota me descubra novamente”.
Walter Peixoto - Fevereiro, 2012.
Foto: Google (Lile/França)
OUTROS ARQUIVO:
- Bomtempo nos campos da França
http://www.recantodasletras.com.br/contos/3536978
Já passava das seis da manhã quando dois Citroën pretos pararam em frente a um pequeno prédio de três andares em um bairro a leste Lile, França. Alguns vizinhos observam discretamente pela janela, outros pela fresta da porta e se recolhem ao reconhecerem as viaturas dos agentes nazistas. Eram tempos difíceis aqueles. A França fora ocupada pela Alemanha, e desde então o medo passou a ser rotina para aquelas pessoas.
Julien saíra cedo pra enfrentar fila pra comprar pão e carne, produtos escassos naquela ocasião e não tinha certeza de que os encontraria mas tinha que arriscar. De longe percebe a chegada dos agentes da Polícia Secreta Nazista. Eram quatro. Dois sobem rumo ao seu apartamento. Outro segue pra vizinhança, com certeza para obter alguma informação a seu respeito.
Julien percebe tarde demais que não deveria ter contado vantagens àquela preciosidade que conhecera na noite anterior.
- Vadia! – deixa escapar.
As pessoas próximas na fila o olham com censura. Ele acha melhor se afastar dali o mais rápido possível. Mas pra onde iria? Certamente não poderia mais voltar ao seu apartamento. Já ouvira falar dos prisioneiros que caíram nas mãos dos nazistas, nas torturas, choques elétricos, não queria nem pensar na sua sorte se isso acontecesse. “Caramba! Apenas levei um bilhete uma vez, e nem sei se tem alguma coisa a ver com espionagem... e faz tanto tempo! E depois eu só disse aquilo pra conquistar aquela garota, só isso... droga!”
Julien dobra a esquina e segue apressado tentando encontrar uma saída. Lembra-se de Paloma. A quitinete dela ficava perto de onde estava. Nunca tivera nada com ela, mas sabia o que ela fazia pra viver, e não a censurava, porque naquele momento era difícil conseguir um emprego. Sabia inclusive que ela saia com militares de alta patente. Era com ela que ele iria ter e essa relação com militares de Hitler poderia lhe ser útil de alguma forma. Assim que dobra a outra esquina ouve o ronco dos motores do Citroën e ao que parece eles estão apressados. “Devem ter perguntado por mim na fila do açougue. Que idiota que eu fui!” Julien corre então, mas os agentes conseguem vê-lo entrar apressado no prédio de Paloma.
Após bater insistentemente à porta, esta é aberta por uma linda morena enrolada num lençol e com cara de sono.
- Ah... é você, Julien. A essa hora? O que foi?
- A polícia está atrás de mim...
Paloma abre mais aquelas duas jabuticabas de seu rosto pra cima de Julien.
- Como assim? – pega de surpresa, tenta por em ordem as idéias – E você os trás até aqui. Assim você me envolve também nesse rolo todo. Não quero problema com a polícia, aliás me dou muito bem com eles...
- Calma. Acho que consegui despistá-los.
- Acha mesmo? – Diz uma voz atrás dele.
Julien e Paloma se assustam enquanto os dois agentes da Gestapo entram calmamente encarando os dois.
- Acha mesmo que pode escapar ileso Sr Julien, ou poderia dizer: Sr Bonanza Bomtempo?
- Não sei do que estão falando – se apressa em responder Julien.
- Ah, não? Há seis meses que monitoramos o envio de mensagens codificadas, e tentamos localizar sua origem, mas temos que reconhecer, você é muito bom e tem feito um estrago enorme em nossas defesas. Temos tentado triangular o sinal mas é sempre muito rápido e está sempre mudando de lugar da transmissão. Tudo que nosso pessoal conseguiu foi um nome: Bonanza Bomtempo. E finalmente o pegamos. Há um pessoal nosso vasculhando seu apartamento em busca do transmissor. É tudo uma questão de tempo agora, meu caro Bonanza.
- Escuta. Eu não sei do que estão falando. Eu não sou esse aí não...
- Isso nós vamos ver. E essa aí quem é? Sua cúmplice? Ela vai com a gente.
O outro agente começa a vasculhar o apartamento, abrindo gavetas, jogando objetos no chão, bagunçando tudo. Julian não poderia deixar que a levassem. Ele a envolvera nisso e não seria justo que ela fosse torturada sendo inocente e por sua culpa. Não queria envolver mais ninguém.
- Espera. Ela não tem nada a ver comigo. Eu vim aqui apenas pra encontrar um abrigo. Ela é apenas uma prostituta que eu “pego” de vez em quando...
- Cala a boca! – Diz um agente e dá-lhe um soco no rosto – O Doutor vai se divertir muito com você. Este é o tipo preferido dele.
Quando o outro agente abre o guarda-roupa, Paloma começa a chorar. O agente se vira, olha pra ela e tenta se lembrar de onde a conhecia. Provavelmente em algum prostíbulo que estivera ou ainda que até já estiveram juntos numa cama. Não... uma mulher como aquela se não esqueceria tão facilmente. Olha pro outro e este diz:
- Vamos. Já temos a nossa presa. Esta aí não é ninguém, é apenas uma vadiazinha. Deixa pra lá.
Julien é arrastado pra baixo e jogado dentro de uma das viaturas.
Paloma observa pela janela os Citroëns se afastando em alta velocidade rumo ao centro de Lile. Ainda não conseguia discernir se tivera sorte ou azar. “Como pode aquele idiota trazer aqueles agentes até aqui?” Segue até o guarda-roupa, abre um fundo falso e retira uma pequena maleta, contendo um transmissor de rádio, o coloca em uma mala maior e joga algumas roupas por cima, pega alguns objetos pessoais e se apressa em sair dali. “Hoje Bonanza Bomtempo transmitirá sua última mensagem de Lile: ‘BB iluminado. Sigo base dois’. Espero que nenhum outro idiota me descubra novamente”.
Walter Peixoto - Fevereiro, 2012.
Foto: Google (Lile/França)
OUTROS ARQUIVO:
- Bomtempo nos campos da França
http://www.recantodasletras.com.br/contos/3536978