A BELEZA DAS ÁGUAS NAS LÁGRIMAS DE SEU CRIADOR
De repente, o sol se fez escuridão e as nuvens tomaram conta do brilho dourado que descia por sobre as casas daquele lugar. O corre-corre de quem estava nas ruas, procurando um abrigo seguro, mostrava o tamanho do dilúvio que se aproximava. Camille correu, fechou todas as janelas, trancou as portas e pediu para que os santos não deixassem que aquela tempestade, que se achegava, causasse tanto prejuízo para os moradores locais. Da cumeeira das casas vinha o barulho dos pingos batendo nas telhas, como num incansável trotar acelerado de cascos se chocando contra as lascas de pedras, ou como nos paralelepípedos das ruas que serviam de assoalho para as cidades do fim-de-século. Da mesma forma, a água, depois que batia nos retângulos feitos de barro cozido, descia por entre elas, como se fosse um rio perene que se renovava a cada pingo que caía e que não deixava faltar, em seu leito, a correnteza que a levava para junto do mar. De dentro da sua moradia, no piso em que se encontrava, temerosa por se achar sozinha, Camille sentiu o cheiro forte do barro sendo molhado, que entrou rapidamente pelas brechas da área de sol, invadindo todo o ambiente, fazendo-a lembrar do cheiro cheiroso do velame e da vazante de batata que, sendo abençoados pelas gotas que ajudavam a dar vida e riqueza, também traziam, lá da infância, os tempos em que tomar banho de chuva era um divertido meio de comemorar a chegada das chuvas de verão. E, por isso mesmo, seus lábios expressaram um sorriso que era um misto de alegria e tristeza; talvez, pela boa lembrança, um misto de saudade e de esperança. Saudade por se lembrar dos tempos em que, menina, vivia correndo pelos roçados tangendo a criação de bodes e cabras, levando-as para dar a melhor rama de comer. Esperança por saber que, antes de elas chegarem, cada gota daquela, que caía sobre o telhado, correspondia a uma cova plantada na aridez da terra castigada pela seca de um sol inclemente – de janeiro a janeiro. De repente, o espaço em que aquela cidade se encontrava esfriou. A terra e os prédios já tinham deixado passar, para os seus interiores, o ar gelado que era assoprado, lá de cima das nuvens, e que deixava tudo mais frio. Nos becos e nos muros, o cair da água, em corrida pelas telhas já molhadas, dava a dimensão do volume das lágrimas de Deus. Sim, apesar de darem vida, de produzirem, com elas, o alimento que mata a fome, essas mesmas águas simbolizam o sofrimento do Criador diante das injustiças, dos descasos, da opressão, da desonestidade, do abuso de poder e da corrupção generalizada mundo afora. E elas, Suas lágrimas, não vêm sozinhas. Na escuridão em que se transformara o dia, o clarão, vez por outra, mostrava o quanto Deus também gritava de sofrimento, através dos raios e trovões que clareavam o céu e estremeciam os alicerces dos abrigos humanos, por ver Seus filhos serem mortos em emboscadas; em guerras que usam o Seu nome; no tráfico de drogas – que tanto mata quem consome (e paga por isso) e por queima de arquivo (consome e não paga), quanto por domínio de território (a ambição desmedida e ilegal pelo controle de poder despejar o veneno em maiores quantidades num maior número de zumbis), – e, principalmente, na falta de alimentos para os menos abastados socialmente. Pelo livre-arbítrio, Ele dá a liberdade para que seus filhos comandem os seus destinos, apesar de saber, de antemão, o quanto é maléfico esse poder sem o devido controle. Um novo clarão, acompanhado de um estrondo maior, mostrou para Camille que as comportas do açude lá do céu abriram-se, todas, de uma vez só. Imediatamente, o impacto das águas, em forma de gotas, que caiam nos telhados, aumentou. Multiplicaram-se o volume e a velocidade. A escuridão, que era entrecortada pelos lampejos das faíscas elétricas, agora se sucedia em intervalos cada vez menores. Camille, então, ajoelhou-se, com o terço na mão, e começou a rezar: Pai nosso, que estais o céu, Santificado seja o Vosso nome...
De repente, o sol se fez escuridão e as nuvens tomaram conta do brilho dourado que descia por sobre as casas daquele lugar. O corre-corre de quem estava nas ruas, procurando um abrigo seguro, mostrava o tamanho do dilúvio que se aproximava. Camille correu, fechou todas as janelas, trancou as portas e pediu para que os santos não deixassem que aquela tempestade, que se achegava, causasse tanto prejuízo para os moradores locais. Da cumeeira das casas vinha o barulho dos pingos batendo nas telhas, como num incansável trotar acelerado de cascos se chocando contra as lascas de pedras, ou como nos paralelepípedos das ruas que serviam de assoalho para as cidades do fim-de-século. Da mesma forma, a água, depois que batia nos retângulos feitos de barro cozido, descia por entre elas, como se fosse um rio perene que se renovava a cada pingo que caía e que não deixava faltar, em seu leito, a correnteza que a levava para junto do mar. De dentro da sua moradia, no piso em que se encontrava, temerosa por se achar sozinha, Camille sentiu o cheiro forte do barro sendo molhado, que entrou rapidamente pelas brechas da área de sol, invadindo todo o ambiente, fazendo-a lembrar do cheiro cheiroso do velame e da vazante de batata que, sendo abençoados pelas gotas que ajudavam a dar vida e riqueza, também traziam, lá da infância, os tempos em que tomar banho de chuva era um divertido meio de comemorar a chegada das chuvas de verão. E, por isso mesmo, seus lábios expressaram um sorriso que era um misto de alegria e tristeza; talvez, pela boa lembrança, um misto de saudade e de esperança. Saudade por se lembrar dos tempos em que, menina, vivia correndo pelos roçados tangendo a criação de bodes e cabras, levando-as para dar a melhor rama de comer. Esperança por saber que, antes de elas chegarem, cada gota daquela, que caía sobre o telhado, correspondia a uma cova plantada na aridez da terra castigada pela seca de um sol inclemente – de janeiro a janeiro. De repente, o espaço em que aquela cidade se encontrava esfriou. A terra e os prédios já tinham deixado passar, para os seus interiores, o ar gelado que era assoprado, lá de cima das nuvens, e que deixava tudo mais frio. Nos becos e nos muros, o cair da água, em corrida pelas telhas já molhadas, dava a dimensão do volume das lágrimas de Deus. Sim, apesar de darem vida, de produzirem, com elas, o alimento que mata a fome, essas mesmas águas simbolizam o sofrimento do Criador diante das injustiças, dos descasos, da opressão, da desonestidade, do abuso de poder e da corrupção generalizada mundo afora. E elas, Suas lágrimas, não vêm sozinhas. Na escuridão em que se transformara o dia, o clarão, vez por outra, mostrava o quanto Deus também gritava de sofrimento, através dos raios e trovões que clareavam o céu e estremeciam os alicerces dos abrigos humanos, por ver Seus filhos serem mortos em emboscadas; em guerras que usam o Seu nome; no tráfico de drogas – que tanto mata quem consome (e paga por isso) e por queima de arquivo (consome e não paga), quanto por domínio de território (a ambição desmedida e ilegal pelo controle de poder despejar o veneno em maiores quantidades num maior número de zumbis), – e, principalmente, na falta de alimentos para os menos abastados socialmente. Pelo livre-arbítrio, Ele dá a liberdade para que seus filhos comandem os seus destinos, apesar de saber, de antemão, o quanto é maléfico esse poder sem o devido controle. Um novo clarão, acompanhado de um estrondo maior, mostrou para Camille que as comportas do açude lá do céu abriram-se, todas, de uma vez só. Imediatamente, o impacto das águas, em forma de gotas, que caiam nos telhados, aumentou. Multiplicaram-se o volume e a velocidade. A escuridão, que era entrecortada pelos lampejos das faíscas elétricas, agora se sucedia em intervalos cada vez menores. Camille, então, ajoelhou-se, com o terço na mão, e começou a rezar: Pai nosso, que estais o céu, Santificado seja o Vosso nome...