CETICISMO

Melissa chegou exausta da rua. Havia saído para trabalhar e depois foi comprar alguns livros, Cds e DVDs, pois o feriado seria longo demais e seria bom ter o que fazer. Sim, ela tinha muito prazer em ficar só em casa e aproveitar para fazer as coisas de que mais gostava: ler, ver um bom filme e ouvir música de qualidade.

Esses hábitos a tornaram uma mulher culta, de bom gosto e que poderia levar horas discorrendo sobre qualquer assunto. Não foi à toa que se tornou professora.

Tomou um banho e se estirou na cama, ainda sem roupas, para relaxar. O dia fora difícil, o calor insuportável e estava sem paciência para lidar com as pessoas. Melissa não era o que chamamos de muito sociável. A vida, a duras penas, a havia mostrado que o outro nem sempre era o que alardeava, logo, estava cansada da mediocridade e superficialidade humana. Melhor ficar só.

Enquanto pensava nessas coisas, retornava ao passado em busca de tentar entender como se tornara uma pessoa tão egocêntrica, tão distante das demais pessoas, com quem mantinha relacionamento afável e educado, mas jamais se revelava a quaisquer delas. Voltava à infância e percebia que ali começara tudo. Fora criada para não confiar. Era uma menina cheia de mimos, a quem tudo era dado, menos a liberdade de estar em contato com outras crianças. Mas nunca ficara sem uma explicação exemplificada, pois a mãe sempre fazia revelações que desnudavam as demais pessoas. Portanto, Melissa nunca se iludia com quem quer que fosse.

Mas o tempo passou e provou que sua mãe sempre estivera certa, que o ser humano é interesseiro, superficial e, as piores características para ela, mentiroso e desleal. À ela foi ensinado quem eram as pessoas, mas não como se defender delas. E Melissa tinha um enorme medo de acreditar, confiar, se entregar. Quando algo do tipo ameaçava acontecer, ela se distanciava pensando nos males que o outro poderia lhe causar. Assim o tempo foi passando e ela sempre arisca, desconfiada, descrente. Nunca criava expectativas ou fazia planos, pois sabia de antemão que algo poderia acontecer e impedi-la de concretizar o que desejava. Vivia um dia por vez.

Quando se deparava com qualquer sentimento, ela o unia com a desconfiança, o medo e o ceticismo: “Está querendo me enganar, me usar. Mas eu não deixarei”. E, realmente, jamais apareceu alguém para desmentir sua tese.

Agora, ali, estirada na cama, nua, ela pensava se não fora dura demais ao não se dar nenhuma chance. Ao mesmo tempo lhe vinha à mente o terror do engano e da mentira. Para que dar chances? Para que eu quebre a cara? Na verdade nem sempre Melissa fora totalmente indiferente às pessoas que tentavam, em vão, se aproximar dela. Muitas noites passou sem dormir pensando no que sentia ao mesmo tempo em que o medo ia crescendo dentro dela.

Não, ela jamais soube o que é felicidade e nem constatara que ela existia, pois estava sempre ouvindo histórias de dores, sofrimentos, traições, deslealdades e mentiras. Mas que diabos? Por que o homem não pode ser honesto e sincero, somente assim adquirindo a possibilidade de ser e fazer o outro feliz? Por mais que pensasse não conseguia chegar à nenhuma conclusão.

E agora essa tal de internet! Útil em muitos casos, mas geralmente mal utilizada pelas pessoas para enganar, iludir, mentir. As pessoas se buscavam ali, mas não era algo sincero e verdadeiro, era fruto de uma solidão e infelicidade que elas mesmas deixaram que fizessem parte de sua realidade. É, por mais duro que seja, é preciso que usemos de cautela na vida. E, dessa forma, Melissa fugia do mal que havia na humanidade, mas também não era feliz por mais que tentasse se auto bastar. Havia um vazio imenso dentro dela, uma tristeza por viver nesse mundo horrendo onde se bebia dor e lágrimas num só gole.

Juntamente com os pequenos prazeres que preenchiam sua vida, na mesa de cabeceira havia caixas e mais caixas de remédios que o médico lhe receitara, para suportar as tristezas que habitavam seu interior. Todos em quem confiava se foram. Não tinha nem mesmo para quem telefonar em um momento de extrema angústia, sentimento que é conhecido pelos que não digeriram o mal do mundo.

Como um autômato, Melissa se levantou, colocou uma camiseta e decidiu: não quero ler e nem ver filmes. Abriu a mesinha, tirou 3 comprimidos e tomou. Sim, dormir muito e esquecer que ainda estou aqui, nessa vida imbecil, porque Deus (ou seja lá quem manda no mundo) se esqueceu de vir me buscar.

16 de fevereiro de 2012, 23:27 horas

Emar
Enviado por Emar em 17/02/2012
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