Contos do eremita: a chuva
A chuva sempre atormenta esta fogueira de chamas azuis, diante da qual estou sentado. Atormentam também os corações dos filhotes de humanos, e muitos deles ficam espantados com toda a sintonia fina existente entre a fogueira e o choro das nimbus. O próximo deles irá mostrar-nos algumas coisas sobre a compaixão das damas das águas.
- Senhor, por que estás aqui, em meio a esta chuva, olhando essa fogueira? - perguntou um garoto que corria pela floresta em busca de abrigo e passou pela clareira do eremita, parando para observar a estranha e mais do que exótica cena do velho encapuzado e sua fogueira azul debaixo da chuva.
- Eu sou aquele que espera, meu caro filhote de humano. Vejo que corres, assim como todos os outros. Por que foges da chuva, filhote? Venha e converse com ela, e converse sobre ela, e tire de dentro de si o medo que guarda. Tens medo da chuva?
- Não sei... mas geralmente a chuva nos deixa doentes. Por que essa fogueira é azul?
- Informação confidencial.
- E como ela nunca apaga ou se curva, mesmo com toda essa chuva, velho? - disse o garoto, ainda mais espantado e se aproximando da estranhíssinha fogueira e suas chamas azuis, altivas e poderosas. E sentiu-se ali seguro o suficiente para sentar-se em um dos bancos de troncos que ali haviam, que mesmo com toda a chuva, permaneciam misteriosamente secos.
- É uma lembrança poderosa demais para se curvar diante de chuva, indenpendendo de sua intensidade. E contam histórias que algumas criaturas que vivem nesses mundos guardam chamas poderosas como essas em seu peito e fazem feitos notáveis. Deixemos as chamas crepitarem. Por que a chuva te atormenta, filhote de humano?
- Não sei, senhor. Eu reconheço que sem a chuva não haveriam as plantas, e rios, e águas, mas... ela nos deixa doentes, senhor. E enfraquece nossos corpos.
- A chuva enfraquece apenas os que se rebelam sob ela. A chuva é pura, filhote de humano, e tem a missão de purificar. Os humanos que rejeitam a chuva, rejeitam a purificação, e trancam-se em si com suas impurezas, e por isso seus espíritos apodrecem e definham.
E o garoto, sem saber o que responder, levantou-se e saiu em meio a chuva. Andando com um sorriso no rosto, dessa vez.