Vinganças

Durante o verão de 79 eu tinha uns 9 anos. Meu pai trabalhava numa empresa de rodagem. Desse modo estava sempre ausente de casa. Minha mãe logo arrumou um namorado

escondido, que entrava na minha casa de madruga. Um filho de um fazendeiro muito rico. Aquilo me incomoda e havia o medo terrivel de alguem saber daquilo. Quando meu pai voltava no final de semana era uma frieza assustadora dentro de casa. Ela não tinha mais paciencia e era patada pra todo lado. Ele fingia que estava tudo bem, corria atras dela e implorava um pouco de atenção. Causava nojo de ver meu pai se humilhando daquele jeito atras dela. Quando a tarde

ela nem esperava ele ir embora e se mandava pra entrada da cidade, na fazenda Casa Grande de propriedade da familia do rapaz.

Um dia depois de alguns meses, ele chegou ja sabendo do que estava acontecendo. Seguiu até a estrada, foi quando esfaquiou sua barriga dezenas de vezes. Voltou pra casa e lavou a faca na pia enquanto me contava o que havia acontecido.Na hora não senti raiva dele. Uma parte minha tinha vontade de fazer a mesma coisa com ela. Perguntei o que aconteceu com o homem. Ele disse que nao fez nada, mas que um dia voltaria pra terminar o trabalho. Depois foi pro quarto e arrumando as malas disse que eu precisava aprender a me cuidar, porque ele tinha que fugir pra um lugar bem longe, e depois emendou dizendo pra não se espelhar nele, pois o que ele fez nao foi a melhor coisa. Que o sangue subiu e a raiva tomou conta de sua ação. Desejou boa sorte pra mim. Perguntou me olhando nos olhos se eu ainda pensava em ser jogador de futebol. Eu disse que sim, mesmo sabendo que era apenas um sonho de criança. Já na calçada afirmou que minha avô viria me pegar, pois apartir de agora eu ia morar com ela.

E assim aconteceu, minha vó veio me pegar pra morar na fazenda. Nem esperamos o enterro, nem vi o corpo de minha mãe. Na verdade mesmo tive medo de esperar, medo de dar conta de tudo. Fomos pra fazenda, e lá passei o resto de minha infancia, que sempre foi amarga e sem esperança.

Minha avó, nao falava do assunto e eu nao tinha coragem de perguntar. Na escola eu era um bicho no canto, um estranho no mundo, terrivelmente assustado, nao conversava com ninguem

e achava todo tipo de papo sem graça e enfadonho. Nao tive muitos amigos naqueles anos. Me sentia tão agustiado, que

nada me satisfazia, nada era verdadeiro. Tudo que pensava era onde meu pai estava e se algum dia o veria de novo, nem que fosse para matá-lo.

A unica pessoa que trocava alguma conversa era com meu avô, um senhor que mesmo sendo simples e trabalhando no campo

tinha uma elegância nas maneira de andar e de falar. f

Foi com ele que aprendi a ser homem, me ensinou sua arte. Ele escrevia belas historias que eram publicadas semanalmente no correio rural, um jornaleco que rondava na comunidade rural, falando de vacas, plantações e do preço da arroba do boi. Na ultima página meu vó contava seus causos que eram muito comentados..

Com minha avó nao existia nada de intimidade, devo ter transferido pra ela o ódio que sentia pelo meu pai. Sua presença me incomodava, nao suportava muito ficar perto dela. Tinha um jeito que me sufocava, querendo saber sempre como estava meu estado interior, uma especie de estupro espiritual.

Depois que fiz dezoito anos, fui visitar o túmulo da minha mãe. estava mal cuidado e triste. Havia uma foto dela colada na carneira. Olhei seu rosto e me veio uma ânsia de vômito

que quase arrancou minhas tripas pra fora. Foi o ultimo contato que tive com ela. Naquele dia resolvi esquecer a cara dela. viajei pra itapetinga, uma cidade onde eu cursaria direito. Não que eu gostasse disso, mas queria agradar meu avô, que sempre quis ser advogado, como não gostava de nada, resolvis fazer isso por ele. Uma gratidão pelas lições que aprendi com ele.

Não gostei do curso, mas mesmo assim fiz até o final. Durante esse periodo escrevi muitas histórias para o jornal da faculdade

e alguns artigos de analise politica para o correio da manha, jornal de maior circulação aqui no sul do estado. Ganhei muito dinheiro e um certo estatus junto a comunidade acadêmica. Com esse dinheiro, resolvi contratar um detetive pra encontrar meu pai...

Fato que aconteceu dois anos depois. Foi localizou em São Paulo, morando com uma mulher e dois filhos. Trabalhava como zelador num prédio residencial na região da bela vista....voltei pra minha cidade e perguntei ao meu avô o que ele achava. Disse pra mim que era besteira, que nao valia apena pensar sobre isso. Que deveria tocar minha vida e deixar o passado pra trás. Ainda sabendo da verdade de sua opinião decidi partir.

Meu avô era um homem sensivel, mas sua razão acurada cuidava excluir todo sentimentalismo da situação. Mesmo sendo seu filho, deixou claro que o lugar dele era a cadeira.

Eu não sentia saudades dele, nao tinha vontade saber o que houve, nada, apenas queria ver seu rosto como vi o da minha mãe no cemitério. No fundo queria saber se também vomitaria na cara dele. Parti numa manhã de agosto. A fazenda estava indo bem, lembro que o céu estava limpo e a chuvas de Junho ainda esverdeava os campos de pastos. olhei tudo aquilo como se fosse a ultima vez e fui embora.

Hospedei num hotel vagabundo na avenida Brigadeiro, perto da praça da sé. Antes de tomar a decisão de encontrar com ele, resolvi conhecer a cidade. Era pavoroso o tamanho dos prédios

e a extensão de suas praças. As pessoas eram assustadas e apressadas. Não tive vontade de conversar com ninguém, Aquele jeito superficial e esnobe deles, nao me animava a travar algum contato. A arquitetura foi o que mais me facinou, fiz questão de visitar a faculdade de direito do largo sao franciso. Entrei em seus portões, sentei numa mesa na biblioteca, pesquisei alguns livros. Fiquei la durante algumas horas, até que decidi encontrar o meu pai. Peguei um onibus em direção a Paulista e desci na rua Humaitá. Andei com o endereço nas mão, bem uns 300 metros.

Na casa que me foi indicada, vi duas crianças brincando. Um bem bonito e outro tão triste que lembrei de mesmo. Perguntei se conhecia, clodoaldo Medeiros. e a resposta foi não.Mostrei pra eles uma fotos. " È meu pai, mas o nome dele nao é esse". E qual é, respondeu que era Manuel. Perguntei se podia falar com ele. ele entrou..naquela espera vi que o céu estava muito escuro, que possivelmente ia chover. Depos de bem uns quinze minutos saiu uma mulher abatida de dentro da casa. Falou que Manuel foi pra bahia, pois precisava resolver um assunto antigo.