Dia Domingo

Deu a primeira tacada e esperou a jogo se formar. Acendeu um cigarro.

- Joga logo, bodega!

- Calma!, tô vendo

Olhei pra mesa avaliando a formação. Ele deu uma tragada profunda. No banco do canto, Seu Jonas, com sua cara de merda, batia o pé e tremia impaciente. Esse velho passava quase que o dia todo no Bar do Pituca, bebendo ou batendo dominó. Vestia um palitó azul e cabelo empastado de creme. Parado no tempo, vivia ainda da decada de setenda. todo seu assunto e vestimento se resumia a essa época. mas era respeitado, jogava bem tanto no carteado com sinuca.

- Oh, Pituca, traz uma cerveja, que hoje esse moleque vai virar homem

- Para, pai de merda.

-Seu Jonas olhou espelhando a vida toda em seus olhos. e falou com sua voz rouca e abafada

- traz um pra mim também, Pituca. quero ver isso aqui. existem poucos homens hoje...

- é pra já, senhores

Dei uma tacada e matei a primeira bola, a oito.

- Muito bom! - Seu Jonas entusiasmado. o rapazinho tá indo, Pituca

- Tá é? - dos fundos a voz do dono do bar mostrava simpatia

Inclinei sobre a mesa. Deixei minha mão direito firme, fixada a mesa enquanto meu braço direito, manuseava com leveza a direção e a intensidade da tacada.

- A postura tá boa - Pituca disse isso enquanto servia meu copo. Meu pai já estava com o dele na mão, levantou até o alto como um brinde, e deu uma risada, quando minha tacada certeira derrubou a bola nove.

- Isso, fica calmo. Está indo tudo certo!

Respirei, fiquei satisfeito com a jogada. Fui ate a mesa, peguei a cerveja e virei inteira. Danei a tossir. Meu pai bateu em minhas costas. Pituca e seu Jonas riram do que viu. Fiquei contrariado. Tentei não incomodar com aquilo. Fui até seu casaco de couro, que estava estendido numa escada de madeira encostada nos fundo. Peguei um cigarro. Meu pai se aproximou com o isqueiro e acendeu. Dei um pito. Ficou evidente pra ele que eu ja andava fumando escondido. balancou a cabeça com expressão sarcástica.

- Sabe fumar, né...

- De vez em quando eu fumo depois da escola...

- Fuma, né? deixa sua mãe saber disso.

- Não quero que ela saiba por enquanto...

- Não vou contar.

- De vez em quando só

- Joga, logo, para de fazer tipo. Não vai ser respeitado se fazer isso

- Calma, estou pensando em qual vou jogar.

- Estou falando do cigarro.

Mirei na 9 que estava colada na lateral direita da mesa,perto da boca do meio. Queria matar no canto esquerdo. Fiz toda a postura elogiada por Pituca. Quando deixei meu braço correr, o taco espirrou e a bola capenga apenas saltou sobre a mesa.

- Precisa usar Giz, é ele que faz a transferencia de força entre o taco e bola.

- Merda! bosta!

- Não adianta ficar com raivinha. Sem o giz não acontece essa transição, entendeu. Precisa ter algo que amorteça força entre você e o alvo.

- Como?

Ele nao disse mais nada naquele momento. De um jeito fácil, quase brincando, matou a 5, a 2, a 6, a 15, a 3. Usou a tabela pra matar a 7, no canto esquerdo. E com telefone eliminou 11 e a 14 .

- Pega a 1 na caixa, Pituca. E aproveita e traz uma canelinha e mais uma cerveja pro moleque. Na mesa agora existia apenas uma bola.

o jogo ja estava perdido. Mas ele quis ir até o final. Contou um caso logo pra seu Jonas. Acendeu mais um cigarro e virou de uma vez o copo de cachaça. Olhou em meus olhos de jeito malando e continuou sua fala.

- Precisa aprender a se defender. Voce joga apenas pra derrubar as bolas e não pensa se o erro acontecer. É arrogancia e amadorismo. Você não está com isso tudo inda.

- tá...

- Você não quer ser visto como otário, quer?

- Já entendi, não ofende...

- É pensar também no depois, entendeu?

Parou de falar, se debruçou e derrubou a 1. O jogo estava acabado.

- Tem que enchergar tudo junto, a bola, a mesa, o taco e boca. Enquanto não enquadrar tudo nessa intuição vai ser um amador.

Aquela fala dele me causava mais despeito que admiração.

-sei

- Não faz essa cara quando falo com você. Isso não bonito.

- Nao fiz cara nenhuma!

- Fez sim, fez cara de merda. parece um idiota quando faz isso. Não gosto de seu desdém e não gosto de idiotas. E tira esse sorrisinho babaca da boca.

- Já entendi!

- Pituca, traz uma cachaça pro moleque aqui

- Não gosto de cachaça.

- Toma uma. Sou seu pai, estou te autorizando...

- traz ou não traz

- traz sim, Pituca!

- Ninguem respeita idiota. Precisa ser bom se quer jogar sinuca. É uma arte...coloca tudo num lugar só. entedeu? tudo! Não seja um babaca. seu pai nunca foi um babaca.

No fundo eu achava ele um babaca. falar daquele jeito comigo na frente das pessoas. Pra mim ele apenas jogava sinuca melhor do que eu, nada mais do que isso. Porque foi malandro a vida toda... Minha mãe que o diga...

- Quer jogar , Seu Jonas?

-Vamos lá

Ganhou do velho, sem esforço. Isso só aumentou meu ódio. No caminho de casa não trocamos nenhuma palavra...