NOS TRILHOS DO DESTINO I
As histórias misturam-se na minha cabeça. Já se vão tantos anos. Recordo-me do barulho alto do trem e do vulto de ferro passando rápido pelos galhos e açoitando as folhas do Pé de Caqui do quintal do Seu Marcos.
Assistia sempre a essa mesma cena, sentada num dos galhos da árvore, saboreando um caqui doce e vermelho, de um doce que eu jamais provei igual.
Eu, toda lambuzada de vermelho, sempre me assustava com o apito estridente do trem, seguido do barulho ameaçador das ferragens que fazia estremecer o galho; quantas vezes o caqui, tão doce, caiu das minhas mãos esborrachando-se no chão de terra diante do meu olhar assustado e impotente.
O quintal do Seu Marcos!
Um capítulo à parte era o quintal do Seu Marcos.
Todo ele cheirava a frutas. Eram tantas e tantos os odores, que deixavam minha imaginação de criança, ainda mais fértil. Os abacates, maduros, despencavam do pé com força e se esborrachavam no chão. Misturavam-se à terra vermelha mesclando assim cheiros e cores.
Lembro-me de como gostava de assistir a esse espetáculo de abundância, perfume, tons e sons da natureza.
Morávamos em uma Vila. Minha casa era a do meio, com um portãozinho de madeira, sempre aberto e muros baixos, onde minha mãe às vezes se recostava em conversas com a vizinha cruel.
Família estranha aquela ,um senhor português, gordo e de fala alta que aparecia na porta da frente com um pequeno copo de azeite de oliva e, depois de um gole só, nos mostrava o copo limpinho; a mulher, portuguesa também, alta, corpulenta e de fala arrastada, gostava de prender os sapos que se aventuravam por ali dentro de um balde e colocava fogo nos bichinhos, mesmo com meus apelos para não fazer isso.
Aquela cena toda, o barulho dos sapos desesperados queimando vivos, presos dentro do balde e aquela mulher tão alta, rindo com toda aquela situação cruel, por muitas vezes me fez chorar e sentir medo nas noites escuras de minha infância.