Da casa quase nada foi mudado...
As louças empilhadas dentro do armário, os copos de cristal, guardados lado a lado em perfeita simetria.
Os antigos móveis, cobertos por panos brancos, e o piso de tábua corrida desgastado pelo tempo e escondido debaixo da poeira ali depositada.
As janelas embaçadas pela falta de manutenção e cuidados e as cortinas de voal, antes brancas, agora amareladas e rasgadas.
Quando abrí o pequeno portão de madeira e adentrei o caminho de terra, lembrei-me como eram lindas as flores circundando toda a entrada da casa. Eram canteiros de madressilvas, margaridas e beijinhos coloridos.
Lembrei-me tambem da enorme quaresmeira que enfeitava de flores roxas o jardim da casa. Agora estava tudo em triste abandono, a terra ressequida, esquecida, sem vida.
Subí a escadinha e entrei na varanda onde em tempos passados brinquei na minha infância. Foram incontáveis tardes de verão ameno, em que todos, meus primos e eu, brincávamos sem nenhuma preocupação, livres e soltos, nos arredores da casa. Não existia perigo. Nem muros, nem barreiras.
Ali naquele quintal aconteciam brincadeiras inocentes e descobertas próprias de nossa idade. Muitas vezes saímos em nossas bicicletas, pedalando pelas ruas sem trânsito, chamando a meninada da vizinhança, e então em bando íamos em busca de aventuras pelos matos e riachos.
Nadar nas águas límpidas eram momentos deliciosos. Ali aprendemos sozinhos a dar nossos primeiros mergulhos, as primeiras braçadas, e a tomar os famosos “caldos”. Lembrei-me de meu primo que era mestre nisso: gostava de pegar quem estivesse desprevenido...
Deixando minhas lembranças de lado, coloquei a chave na enferrujada fechadura e forcei a porta que com um rangido cedeu.
E ali estava tudo, igual.
Os quartos com seus móveis, camas sem colchão, banheiros de azulejos antigos encardidos e trincados... As teias de aranha espalhadas pelos cantos do teto - um véu branco...
Fui de quarto em quarto, cinco ao todo. Todos com o mesmo aspecto, sujos, abandonados e aterrorizantes. Talvez hoje, a casa que antes foi tão alegre e animada, com risadas e vozes, comemorações e alegria, estivesse habitada por algum fantasma. Talvez até uma família inteira de fantasminhas...
Um arrepio tomou meu corpo.
Entrei no ultimo quarto, que em tempos passados era o de minha avó. Ali as lembranças ficaram mais fortes, mais intensas, talvez mais tristes.
Outrora era o quarto que eu mais gostava, pois tinha em cima da cômoda varias caixinhas, cheias de segredos, e tambem muitos colares, brincos e pulseiras. Minha avó gostava disso. Usava muitas pulseiras.Ela adorava como eu o tilintar delas.
Olhei a cadeira. A cadeira de balanço onde ela sentava e ficava olhando as netas se fantasiarem de “roupa de vó”. Era divertido colocar os saltos bem altos e sair desfilando pela casa com os vestidos arrastando pelo chão e a boca borrada de batom.
Então ali, em cima da cadeira, estava o chapéu que ela usava para caminhar no jardim, um xale esquecido e a sacola onde ela guardava os bordados. Tudo, é lógico, empoeirado, sujo, judiado pelo tempo.
Fiquei ali parada, olhando com saudosa tristeza e emoção, lembrando de tempos que nunca voltarão. Meus olhos se encheram de água.
Consegui visualisar uma certa tarde, quando minha avózinha estava ali sentada, bordando, o chapéu displicentemente jogado no cháo, o xale sobre o encosto da cadeira, e meu avô entrou todo apaixonado, com um lindo buque de flores amarelas colhidas do jardim , no finalzinho de tarde. Era lindo ver o amor entre eles, o carinho, o respeito.
Saí da casa sem pegar qualquer objeto. O meu tesouro eu já tinha há muito tempo guardado na caixinha de lembranças do meu coração.
Fechei a porta, desci a escadinha e sai pelo portão sem esquecer de fechar a tramelinha...
Olhei a casa pela última vez. Em breve será demolida. Em seu lugar será construído um belíssimo edifício.
Coisas do tempo, coisas da vida...
Heloisa Crosio
Fevereiro/2012
As louças empilhadas dentro do armário, os copos de cristal, guardados lado a lado em perfeita simetria.
Os antigos móveis, cobertos por panos brancos, e o piso de tábua corrida desgastado pelo tempo e escondido debaixo da poeira ali depositada.
As janelas embaçadas pela falta de manutenção e cuidados e as cortinas de voal, antes brancas, agora amareladas e rasgadas.
Quando abrí o pequeno portão de madeira e adentrei o caminho de terra, lembrei-me como eram lindas as flores circundando toda a entrada da casa. Eram canteiros de madressilvas, margaridas e beijinhos coloridos.
Lembrei-me tambem da enorme quaresmeira que enfeitava de flores roxas o jardim da casa. Agora estava tudo em triste abandono, a terra ressequida, esquecida, sem vida.
Subí a escadinha e entrei na varanda onde em tempos passados brinquei na minha infância. Foram incontáveis tardes de verão ameno, em que todos, meus primos e eu, brincávamos sem nenhuma preocupação, livres e soltos, nos arredores da casa. Não existia perigo. Nem muros, nem barreiras.
Ali naquele quintal aconteciam brincadeiras inocentes e descobertas próprias de nossa idade. Muitas vezes saímos em nossas bicicletas, pedalando pelas ruas sem trânsito, chamando a meninada da vizinhança, e então em bando íamos em busca de aventuras pelos matos e riachos.
Nadar nas águas límpidas eram momentos deliciosos. Ali aprendemos sozinhos a dar nossos primeiros mergulhos, as primeiras braçadas, e a tomar os famosos “caldos”. Lembrei-me de meu primo que era mestre nisso: gostava de pegar quem estivesse desprevenido...
Deixando minhas lembranças de lado, coloquei a chave na enferrujada fechadura e forcei a porta que com um rangido cedeu.
E ali estava tudo, igual.
Os quartos com seus móveis, camas sem colchão, banheiros de azulejos antigos encardidos e trincados... As teias de aranha espalhadas pelos cantos do teto - um véu branco...
Fui de quarto em quarto, cinco ao todo. Todos com o mesmo aspecto, sujos, abandonados e aterrorizantes. Talvez hoje, a casa que antes foi tão alegre e animada, com risadas e vozes, comemorações e alegria, estivesse habitada por algum fantasma. Talvez até uma família inteira de fantasminhas...
Um arrepio tomou meu corpo.
Entrei no ultimo quarto, que em tempos passados era o de minha avó. Ali as lembranças ficaram mais fortes, mais intensas, talvez mais tristes.
Outrora era o quarto que eu mais gostava, pois tinha em cima da cômoda varias caixinhas, cheias de segredos, e tambem muitos colares, brincos e pulseiras. Minha avó gostava disso. Usava muitas pulseiras.Ela adorava como eu o tilintar delas.
Olhei a cadeira. A cadeira de balanço onde ela sentava e ficava olhando as netas se fantasiarem de “roupa de vó”. Era divertido colocar os saltos bem altos e sair desfilando pela casa com os vestidos arrastando pelo chão e a boca borrada de batom.
Então ali, em cima da cadeira, estava o chapéu que ela usava para caminhar no jardim, um xale esquecido e a sacola onde ela guardava os bordados. Tudo, é lógico, empoeirado, sujo, judiado pelo tempo.
Fiquei ali parada, olhando com saudosa tristeza e emoção, lembrando de tempos que nunca voltarão. Meus olhos se encheram de água.
Consegui visualisar uma certa tarde, quando minha avózinha estava ali sentada, bordando, o chapéu displicentemente jogado no cháo, o xale sobre o encosto da cadeira, e meu avô entrou todo apaixonado, com um lindo buque de flores amarelas colhidas do jardim , no finalzinho de tarde. Era lindo ver o amor entre eles, o carinho, o respeito.
Saí da casa sem pegar qualquer objeto. O meu tesouro eu já tinha há muito tempo guardado na caixinha de lembranças do meu coração.
Fechei a porta, desci a escadinha e sai pelo portão sem esquecer de fechar a tramelinha...
Olhei a casa pela última vez. Em breve será demolida. Em seu lugar será construído um belíssimo edifício.
Coisas do tempo, coisas da vida...
Heloisa Crosio
Fevereiro/2012