A Aura da Alface
Ana Esther
A Sessão de Passes aproximava-se do final e havia poucas pessoas ainda na fila para serem atendidas. Aquela tarde fora pesada para os irmãos voluntários da Casa Espírita Caridade Fé e Esperança com vários atendimentos de primeiros socorros a pessoas em desespero que haviam passado mal durante o recebimento de passes.
Quando entrou na saleta o último grupo, quatro homens em diferentes faixas etárias, Flora sentiu um leve tremor ao perceber suas feições entristecidas. Os quatro sentaram-se nas cadeiras a eles indicadas sem, no entanto, pronunciarem um cumprimento sequer. Todos encapsulados em seu mundo interior. Dois deles sentaram-se no posto de Flora e os outros dois no de seu marido Otávio.
Antes do passe propriamente dito, os seis fizeram juntos uma oração como preparo para o passe. Flora esfregou brevemente as mãos uma na outra e após colocou uma a cima da cabeça de um dos homens. Quando sua mão direita aproximou-se da cabeça do segundo rapaz... sua cabeça girou, uma gosma pegajosa formou-se em sua garganta e seus olhos nublaram-se com uma cor acinzentada. Flora desmaiou para o estarrecimento de todos ali presentes.
Otávio buscou na mesinha próxima à porta um copo com água destinado aos visitantes após haverem tomado o passe. Ajoelhou-se para levantar o tronco de Flora, que ainda encontrava-se estendida no chão. Segurou a cabeça da esposa com cuidado e colocou água em suas têmporas. Os quatros homens permaneceram sentados como que petrificados olhando a cena sem, entretanto, saberem o que fazer.
Flora voltou a si sem muita demora. Levantou-se com a ajuda de Otávio e iniciou exercícios de respiração ao comando do marido. Em poucos minutos sentia-se bem novamente. Porém, estava muito frágil e não conseguiu mais se concentrar para dar os passes, desculpou-se um tanto encabulada e retirou-se da saleta. Otávio terminou de atender os quatro homens com seu afeto costumeiro.
Uma ansiedade crescente tomou conta de Flora e quando a porta da saleta dos passes abriu-se ela dirigiu-se apressadamente até lá. A uma certa distância, chamou com um abano o rapaz para o qual havia poucos minutos ela estendera a mão direita. Com surpresa no rosto, ele encaminhou-se em direção a ela. Flora estremeceu. Ela podia agora distinguir perfeitamente a aura horripilante que envolvia aquele moço.
- Olá, não posso deixar de te dizer. Deves buscar auxílio espiritual, sem falta! – Flora encarava-o diretamente em seus olhos arregalados. - Tua aura está muito sombria.
Antes que o rapaz pudesse responder algo, Flora desmaiou novamente. Houve um grande alvoroço no Centro Espírita, todos os irmãos da casa sabiam que Flora possuía grande mediunidade e sensibilidade para captar a opressão nas pessoas. Um irmão médico logo apareceu e tratou-a verificando que Flora estava bem mas que ela fora realmente afetada pela energia pesada proveniente daquele rapaz.
O próprio médico levou o casal para casa e antes de partir certificou-se de que Flora já havia melhorado. Otávio desmanchou-se em cuidados, acomodou-a na cama e preparou ele mesmo a janta para os dois. Contudo, foram jantar na cozinha pois Flora refizera-se e recusava-se a comer na cama.
Enquanto Otávio acabava de colocar a mesa, Flora percebeu em cima da pia o resto do pé de alface que sobrara da salada e foi apanhá-lo para devolvê-lo à geladeira. Ao aproximar sua mão da alface sentiu um arrepio tremendo. A mesma sensação amedrontadora que sentira junto ao rapaz do passe.
- Otávio! – Gritou Flora apontando o pé de alface. – Otávio! Isso nunca me aconteceu antes. Eu estou vendo a aura... a aura da alface...
- A aura da alface? – Otávio juntou-se a ela colocando os braços em seu redor.
- É. E é exatamente igual à aura daquele rapaz! Uma aura de desgraça...
A partir deste dia Flora começou a perceber aquela aura medonha em todas as plantas. Não apenas nas plantas por onde ela passava mas também em fotos, na TV em toda e qualquer planta. No início ela ficara intrigada mas após um tempo aquilo passou a prejudicá-la. Flora sabia que precisava entrar em contato com o rapaz do passe.
Não foi preciso esperar muito tempo. O rapaz, grandemente aturdido, recorreu ao centro espírita procurando por Flora. Otávio que lá se encontrava telefonou para a esposa pedindo que ela viesse logo. Flora agitou-se. Em seu trajeto a pé até o centro espírita as múltiplas auras das inúmeras plantas por que passava tingiam de negro aquela tarde ensolarada.
- A senhora sabe qual é o meu tenebroso drama! – O rapaz correu até Flora quando a viu adentrando o salão.
- Sim... eu vejo em ti uma aura pressagiadora de muitas mortes...
- Oh! Eu não aguento mais. Eu sou engenheiro florestal e estou sabendo de decisões secretas que autorizaram a liberação total e irrestrita do desmatamento sem limites de todas as florestas no Brasil! – O rapaz desesperado desabou no chão.
Flora compreendeu imediatamente o significado daquelas auras torturadas que vira pela primeira vez na alface em sua casa. As plantas estavam sentindo o fim próximo de suas espécies. Quando Flora pousou os olhos em Otávio, gritou com grande pavor na voz. Olhou para os outros irmãos no salão e declarou:
- A terrível aura! Eu a estou vendo... em todos nós...
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*Este meu texto foi publicado pela primeira vez na revista eletrônica de Genebra, Suiça: VARAL DO BRASIL (Editora-chefe Jacqueline Aisenman), Número 13, Janeiro 2012, págs. 11-12
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